É
curioso como, logo depois de fazer minha crítica de “A Teoria de Tudo”, resolvi
escrever sobre outro filme que, pensando agora, dividiu a opinião de muita
gente: “Operação Big Hero”.
Chego
até a pensar que irei perder algumas amizades depois dessa: Conheço gente que
ama esse filme, conheço gente que o acha fraco, conheço gente que até o acha
bom, mas afirma que não merecia ganhar o Oscar de Melhor Animação ano passado,
que devia ter ido para “Uma Aventura LEGO” (que por motivos obscuros nem chegou
a entrar na lista final da competição) ou “Como Treinar Seu Dragão 2”... Bom,
uma coisa irei admitir: Não assisti “Uma Aventura LEGO” e “Como Treinar Seu
Dragão 2” (que vergonha!)... Ainda. Então não posso compara-lo com esses
filmes, e talvez eles até sejam melhores, não sei... Mas a bem da verdade... Na
minha opinião... “Operação Big Hero” talvez seja uma das melhores animações da
Disney que já assisti.
Sim,
a história é um tanto previsível; sim, há elementos e personagens que podiam
ter sido melhor explorados; e sim, eu assisti mais do que um filme da Disney.
Porém!
Acredito
que os temas nos quais o filme de fato se aprofunda, e a forma como se
aprofunda, além de muitos de seus aspectos técnicos e criativos, superam e em
muito seus defeitos. Comecemos pelo começo.

A
história de “Operação Big Hero” se passa na cidade fictícia de San Fransokyo.
Como o nome sugere, é basicamente uma versão de San Francisco se ela fosse
construída por japoneses. E a bem da verdade, essa é uma ambientação bastante
interessante. Você tem aquelas casinhas tipicamente americanas que se vê nos
filmes, porém quase sempre com os telhados curvos orientais, além de outros
tipos de decoração (a casa do personagem principal tem um gato da sorte gigante
em cima da porta de entrada). Além disso, enfatizando o aspecto futurista da
cidade, tudo em San Fransokyo parece cheio:
Quase não há espaços vazios, tudo sendo preenchido por casas ou prédios. Nem o
céu está a salvo, lotado de balões dirigíveis em forma de carpas (lembrando os
koinoboris japoneses). E claro, tudo isso culmina no centro da cidade, que
parece saído de um filme como “Blade Runner”, o tipo de pólo tecnológico que só
pode ser descrito como “Tóquio daqui a algumas décadas”.
Sem
falar que a animação é fantástica. Além de sua escala gigantesca (pelo que li
na internet, o filme conta com 700 personagens, mais de 80.000 edifícios,
100.000 veículos e 250.000 árvores!), tudo é feito com um nível de detalhismo
jamais visto antes em uma produção da Disney. É possível distinguir todas as
janelas de todos os edifícios. Os personagens possuem fios de cabelos iguais
aos de uma pessoa real. Até mesmo em uma bola é possível ver os pontinhos como
os de uma laranja, dando uma ideia de sua textura áspera. Dá quase vontade de
estender a mão para a tela e tocar tudo.
Mas voltando à
história.
O herói do filme é um garoto
de 14 anos chamado Hiro. Se esse nome não foi escolhido com a intenção de ser
um trocadilho em inglês com o papel dele no enredo, então foi uma escolha
inconsciente, porque não tem como isso ser uma coincidência.
Hiro é um gênio da
ciência, que vive com o irmão mais velho, Tadashi, e a tia desde que seus pais
morreram quando ele tinha três anos (Disney, a maior assassina de pais do
mundo, ataca novamente!). Tendo já se graduado no ensino médio graças à sua
genialidade, Hiro gasta seu tempo apostando dinheiro em lutas de robôs ilegais.
Tadashi, em um plano para convencer seu irmão a ir atrás de uma vida melhor,
leva-o para a universidade em que estuda. Lá, Hiro, embora a princípio
relutante, logo fica encantado com as descobertas e invenções científicas feitas
pelos colegas de Tadashi.

Tadashi
ainda aproveita e mostra a Hiro seu próprio projeto pessoal, o robô-enfermeiro
inflável Baymax.

Ok,
por onde começo a falar?
Primeiro,
falemos sobre a ciência. Embora boa parte da tecnologia apresentada no filme
não exista no mundo real, é o tipo de coisa que poderia muito bem existir um
dia. Ela não é real, mas soa real.
Aliás, a tecnologia para revestir um robô em vinil inflável por trás de Baymax
é um dos elementos do filme que já existe! E é surpreendente como “Operação Big
Hero” faz todos os seus termos científicos e sua computação parecerem interessantes. Chega a dar certa vontade
de pesquisar na internet o quanto disso tudo é possível no mundo real. Portanto
pelo menos esse crédito eu posso dar ao filme: Ele tenta (e, quem sabe,
consegue) fazer as crianças se interessarem por ciência e tecnologia sem soar
chato e educacional. Não se prolonga em longas explicações de como funciona:
Apenas diz o que é, mostra funcionando e abre o espaço necessário para a
curiosidade das crianças fazê-las pesquisar e se aprofundar por conta própria.
E
então temos Baymax. Oh, Baymax, Baymax... Se o Gênio é o ponto alto de
“Aladin”, Baymax é definitivamente o ponto alto de “Operação Big Hero”. Chega a
ser curioso: Sua aparência não tem nada marcante além do fato de ele se parecer
com um marshmalow gigante, ele fala o tempo todo no mesmo tom de voz robótico, uns
três quartos de suas falas são sobre saúde e/ou segurança... E mesmo assim seu
carisma é inigualável. O único motivo que eu consigo imaginar para isso é sua
inocência: Ele não entende expressões e gírias, cumpre quaisquer ordens que lhe
dão no sentido mais literal possível, e tudo em sua aparência, seu vocabulário,
suas atitudes e até sua maneira de andar expressa o quão absolutamente
inofensivo ele é. Você olha para ele e, por mais que em certos momentos ele
pareça atrapalhado, dá pra ver que ele não seria capaz de fazer mal algum.
Aliás, ele é justamente programado
pra não fazer mal algum e ajudar qualquer um que esteja doente ou com dor, seja
física ou até psicológica. É como aquele seu cachorro de estimação que só faz
besteira e parece um completo idiota, mas quando vê que você está triste logo
enfia a cara por baixo do seu braço e se oferece para te consolar.
Voltando
à história, Hiro decide participar do concurso para entrar na universidade
(que, sendo bem sincero, dá de dez a zero em qualquer vestibular). Ele passa ao
inventar microrrobôs capazes de se unirem e formarem qualquer estrutura que a
pessoa que os controle consiga imaginar. Na mesma noite em que Hiro é aprovado,
porém, um incêndio ocorre no prédio onde o concurso estava ocorrendo. Tadashi
entra no prédio para salvar o chefe do programa de robótica da universidade,
mas nesse momento o local explode, matando Tadashi e aparentemente destruindo
os microrrobôs de Hiro.

Um
tempo passa e Hiro, após a morte de seu irmão, desistiu da universidade,
afastou-se de seus conhecidos e isolou-se do mundo dentro de seu quarto.
Quando, porém, ele sem querer machuca o pé, isso ativa Baymax (que é programado
para agir toda vez que ouve alguém falando “ai”), que estava esse tempo todo ao
lado da cama de Tadashi. Hiro tenta então desativa-lo, mas nisso descobre um
único microrrobô que sobreviveu ao incêndio no bolso do agasalho de Tadashi, e
parece estar sendo atraído em uma direção específica. Hiro a princípio ignora,
achando que o microrrobô está quebrado, porém segue Baymax quando este começa a
andar na direção apontada pelo microrrobô. É assim que ambos descobrem uma
fábrica secreta de microrrobôs, controlada por uma figura misteriosa vestindo
uma máscara de kabuki sobre o rosto, que tenta mata-los quando os vê.
Mesmo
quase morrendo em seu primeiro encontro com o mascarado, Hiro sente a
necessidade de descobrir quem ele é e o que ele está fazendo com seus
microrrobôs. O único jeito de confrontá-lo, porém, seria com algo que o ajude a
lutar contra o vilão. Assim, Hiro decide reprogramar Baymax para ser capaz de
lutar caratê e ainda o equipa com uma armadura. Como isso se revela não sendo o
bastante, Hiro consegue a ajuda dos ex-colegas de Tadashi, e juntos eles formam
um grupo de super-heróis.

Pronto,
essa é a sinopse do filme. Agora por que eu o considero uma das melhores
animações da Disney que já vi?
Não
é por causa da história. Não que ela seja ruim. É boa, mas quando você assistir
o filme vai ver que ela é um tanto simplesinha. E, embora a animação, a
ambientação e o interesse que o filme gera pela tecnologia sejam fantásticos e
ajudem a dar pontos positivos, o que realmente me vendeu o filme, e me fez ter
uma consideração por ele maior do que por outros filmes, foram os seus temas.
Isso porque esse não é apenas um filme sobre super-heróis. Não é apenas um
filme sobre ciência. É também um filme sobre a superação da depressão.
Ok,
quem já assistiu a esse filme e não o achou grande coisa talvez pense que estou
viajando aqui, mas pensem comigo. Ignorem todo o enredo de origem de
super-herói do filme. Foquem-se nos personagens, na evolução deles ao longo do
filme. O que temos? Temos um arco narrativo sobre um garoto que afundou em
depressão após a morte do irmão e um robô que tenta ajuda-lo a superar a
tragédia. Um tanto básico em termos de cinema no geral, mas quantas vezes vimos
isso em animações da Disney? Em “Rei Leão”, demora apenas um “Hakuna Matata”
para Simba voltar a ser feliz após a morte de seu pai. Em “Bambi”, nem isso: A
primavera chega, os pássaros começam a cantar e pronto, quem se lembra de que a
mãe do Bambi levou um tiro na cara?
É,
né? Pensando agora, isso não é algo assim tão comum nas animações da Disney,
não? (nota: com Disney, quero dizer Disney mesmo. Eu sei que a Pixar já fez
isso antes)

Além
disso, a forma como “Operação Big Hero” trata a depressão é uma das mais
sinceras que já vi em um filme, olha lá um infantil: A forma como Hiro o tempo
todo repete para si mesmo que está bem quando claramente não está, a forma como
ele evita ajuda, mas ao mesmo tempo está desesperado por ter alguém ao seu
lado, e sua explosão ao finalmente admitir seus problemas... O arco de
depressão de Hiro chega até a me lembrar o de Shinji em “Neon Genesis
Evangelion”, embora talvez um pouco mais otimista, para as crianças.
E
então temos Baymax de novo. Eu não sei se algum dos criadores do filme passou
por depressão ou leu a respeito, mas boto minha mão no fogo que sim. Por quê?
Porque Baymax é exatamente o tipo de pessoa que alguém que sofre de depressão precisa ter ao seu lado. Tipo, exatamente o tipo de pessoa. Ele não
julga Hiro pela sua depressão. Não exige explicações. Não cobra absolutamente
nada do garoto. Quando acha que Hiro está melhor, oferece-se para se afastar,
porém não parte do princípio de que seu paciente (é assim que Baymax chama
Hiro) irá aceitar, e se ele não aceita continua agindo como se a oferta nunca
tivesse sido feita. O que ele faz, então? Fica ao lado de Hiro o tempo todo,
sempre disposto a ajuda-lo da maneira que for melhor, não importa o quão estranha
seja, porém ao mesmo tempo impondo certos limites para que o garoto não
mergulhe em algum comportamento destrutivo. E mesmo quando impõe o limite,
Baymax nunca o faz de forma grosseira. Em momento algum levanta a voz. Sempre
que fala, é no mesmo tom gentil de quem só e apenas quer ajudar, e vai
continuar ajudando e estando ao lado de Hiro até que este esteja satisfeito com
o tratamento.
ESSE
é o motivo pelo qual gosto tanto desse filme: A forma sutil, porém extremamente
sincera, como ele aborda um assunto que é quase um tabu em filmes infantis. Se
você quiser ver esse filme como um simples filme de super-herói divertido, tudo
bem; terá o que quer. Mas se você quiser vê-lo como algo mais, algo que possa
não apenas divertir, mas também inspirar... “Operação Big Hero” é esse tipo de
filme, e não duvido que pessoas que sofrem de depressão ou que conhecem alguém
que sofre irão se identificar com o filme e, quem sabe, aprender algumas coisas
com ele.
Avaliação: Vale muito a pena
P.S para os desavisados: O filme tem uma cena pós-créditos. Que é genial.
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