segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Operação Big Hero

            É curioso como, logo depois de fazer minha crítica de “A Teoria de Tudo”, resolvi escrever sobre outro filme que, pensando agora, dividiu a opinião de muita gente: “Operação Big Hero”.

            Chego até a pensar que irei perder algumas amizades depois dessa: Conheço gente que ama esse filme, conheço gente que o acha fraco, conheço gente que até o acha bom, mas afirma que não merecia ganhar o Oscar de Melhor Animação ano passado, que devia ter ido para “Uma Aventura LEGO” (que por motivos obscuros nem chegou a entrar na lista final da competição) ou “Como Treinar Seu Dragão 2”... Bom, uma coisa irei admitir: Não assisti “Uma Aventura LEGO” e “Como Treinar Seu Dragão 2” (que vergonha!)... Ainda. Então não posso compara-lo com esses filmes, e talvez eles até sejam melhores, não sei... Mas a bem da verdade... Na minha opinião... “Operação Big Hero” talvez seja uma das melhores animações da Disney que já assisti.


DEIXEM EU ME EXPLICAR!
            Sim, a história é um tanto previsível; sim, há elementos e personagens que podiam ter sido melhor explorados; e sim, eu assisti mais do que um filme da Disney.
            Porém!
            Acredito que os temas nos quais o filme de fato se aprofunda, e a forma como se aprofunda, além de muitos de seus aspectos técnicos e criativos, superam e em muito seus defeitos. Comecemos pelo começo.

            A história de “Operação Big Hero” se passa na cidade fictícia de San Fransokyo. Como o nome sugere, é basicamente uma versão de San Francisco se ela fosse construída por japoneses. E a bem da verdade, essa é uma ambientação bastante interessante. Você tem aquelas casinhas tipicamente americanas que se vê nos filmes, porém quase sempre com os telhados curvos orientais, além de outros tipos de decoração (a casa do personagem principal tem um gato da sorte gigante em cima da porta de entrada). Além disso, enfatizando o aspecto futurista da cidade, tudo em San Fransokyo parece cheio: Quase não há espaços vazios, tudo sendo preenchido por casas ou prédios. Nem o céu está a salvo, lotado de balões dirigíveis em forma de carpas (lembrando os koinoboris japoneses). E claro, tudo isso culmina no centro da cidade, que parece saído de um filme como “Blade Runner”, o tipo de pólo tecnológico que só pode ser descrito como “Tóquio daqui a algumas décadas”.
            Sem falar que a animação é fantástica. Além de sua escala gigantesca (pelo que li na internet, o filme conta com 700 personagens, mais de 80.000 edifícios, 100.000 veículos e 250.000 árvores!), tudo é feito com um nível de detalhismo jamais visto antes em uma produção da Disney. É possível distinguir todas as janelas de todos os edifícios. Os personagens possuem fios de cabelos iguais aos de uma pessoa real. Até mesmo em uma bola é possível ver os pontinhos como os de uma laranja, dando uma ideia de sua textura áspera. Dá quase vontade de estender a mão para a tela e tocar tudo.

Mas voltando à história.
O herói do filme é um garoto de 14 anos chamado Hiro. Se esse nome não foi escolhido com a intenção de ser um trocadilho em inglês com o papel dele no enredo, então foi uma escolha inconsciente, porque não tem como isso ser uma coincidência.
Hiro é um gênio da ciência, que vive com o irmão mais velho, Tadashi, e a tia desde que seus pais morreram quando ele tinha três anos (Disney, a maior assassina de pais do mundo, ataca novamente!). Tendo já se graduado no ensino médio graças à sua genialidade, Hiro gasta seu tempo apostando dinheiro em lutas de robôs ilegais. Tadashi, em um plano para convencer seu irmão a ir atrás de uma vida melhor, leva-o para a universidade em que estuda. Lá, Hiro, embora a princípio relutante, logo fica encantado com as descobertas e invenções científicas feitas pelos colegas de Tadashi.

            Tadashi ainda aproveita e mostra a Hiro seu próprio projeto pessoal, o robô-enfermeiro inflável Baymax.

            Ok, por onde começo a falar?
            Primeiro, falemos sobre a ciência. Embora boa parte da tecnologia apresentada no filme não exista no mundo real, é o tipo de coisa que poderia muito bem existir um dia. Ela não é real, mas soa real. Aliás, a tecnologia para revestir um robô em vinil inflável por trás de Baymax é um dos elementos do filme que já existe! E é surpreendente como “Operação Big Hero” faz todos os seus termos científicos e sua computação parecerem interessantes. Chega a dar certa vontade de pesquisar na internet o quanto disso tudo é possível no mundo real. Portanto pelo menos esse crédito eu posso dar ao filme: Ele tenta (e, quem sabe, consegue) fazer as crianças se interessarem por ciência e tecnologia sem soar chato e educacional. Não se prolonga em longas explicações de como funciona: Apenas diz o que é, mostra funcionando e abre o espaço necessário para a curiosidade das crianças fazê-las pesquisar e se aprofundar por conta própria.
            E então temos Baymax. Oh, Baymax, Baymax... Se o Gênio é o ponto alto de “Aladin”, Baymax é definitivamente o ponto alto de “Operação Big Hero”. Chega a ser curioso: Sua aparência não tem nada marcante além do fato de ele se parecer com um marshmalow gigante, ele fala o tempo todo no mesmo tom de voz robótico, uns três quartos de suas falas são sobre saúde e/ou segurança... E mesmo assim seu carisma é inigualável. O único motivo que eu consigo imaginar para isso é sua inocência: Ele não entende expressões e gírias, cumpre quaisquer ordens que lhe dão no sentido mais literal possível, e tudo em sua aparência, seu vocabulário, suas atitudes e até sua maneira de andar expressa o quão absolutamente inofensivo ele é. Você olha para ele e, por mais que em certos momentos ele pareça atrapalhado, dá pra ver que ele não seria capaz de fazer mal algum. Aliás, ele é justamente programado pra não fazer mal algum e ajudar qualquer um que esteja doente ou com dor, seja física ou até psicológica. É como aquele seu cachorro de estimação que só faz besteira e parece um completo idiota, mas quando vê que você está triste logo enfia a cara por baixo do seu braço e se oferece para te consolar.

            Voltando à história, Hiro decide participar do concurso para entrar na universidade (que, sendo bem sincero, dá de dez a zero em qualquer vestibular). Ele passa ao inventar microrrobôs capazes de se unirem e formarem qualquer estrutura que a pessoa que os controle consiga imaginar. Na mesma noite em que Hiro é aprovado, porém, um incêndio ocorre no prédio onde o concurso estava ocorrendo. Tadashi entra no prédio para salvar o chefe do programa de robótica da universidade, mas nesse momento o local explode, matando Tadashi e aparentemente destruindo os microrrobôs de Hiro.

            Um tempo passa e Hiro, após a morte de seu irmão, desistiu da universidade, afastou-se de seus conhecidos e isolou-se do mundo dentro de seu quarto. Quando, porém, ele sem querer machuca o pé, isso ativa Baymax (que é programado para agir toda vez que ouve alguém falando “ai”), que estava esse tempo todo ao lado da cama de Tadashi. Hiro tenta então desativa-lo, mas nisso descobre um único microrrobô que sobreviveu ao incêndio no bolso do agasalho de Tadashi, e parece estar sendo atraído em uma direção específica. Hiro a princípio ignora, achando que o microrrobô está quebrado, porém segue Baymax quando este começa a andar na direção apontada pelo microrrobô. É assim que ambos descobrem uma fábrica secreta de microrrobôs, controlada por uma figura misteriosa vestindo uma máscara de kabuki sobre o rosto, que tenta mata-los quando os vê.

            Mesmo quase morrendo em seu primeiro encontro com o mascarado, Hiro sente a necessidade de descobrir quem ele é e o que ele está fazendo com seus microrrobôs. O único jeito de confrontá-lo, porém, seria com algo que o ajude a lutar contra o vilão. Assim, Hiro decide reprogramar Baymax para ser capaz de lutar caratê e ainda o equipa com uma armadura. Como isso se revela não sendo o bastante, Hiro consegue a ajuda dos ex-colegas de Tadashi, e juntos eles formam um grupo de super-heróis.

            Pronto, essa é a sinopse do filme. Agora por que eu o considero uma das melhores animações da Disney que já vi?
            Não é por causa da história. Não que ela seja ruim. É boa, mas quando você assistir o filme vai ver que ela é um tanto simplesinha. E, embora a animação, a ambientação e o interesse que o filme gera pela tecnologia sejam fantásticos e ajudem a dar pontos positivos, o que realmente me vendeu o filme, e me fez ter uma consideração por ele maior do que por outros filmes, foram os seus temas. Isso porque esse não é apenas um filme sobre super-heróis. Não é apenas um filme sobre ciência. É também um filme sobre a superação da depressão.
            Ok, quem já assistiu a esse filme e não o achou grande coisa talvez pense que estou viajando aqui, mas pensem comigo. Ignorem todo o enredo de origem de super-herói do filme. Foquem-se nos personagens, na evolução deles ao longo do filme. O que temos? Temos um arco narrativo sobre um garoto que afundou em depressão após a morte do irmão e um robô que tenta ajuda-lo a superar a tragédia. Um tanto básico em termos de cinema no geral, mas quantas vezes vimos isso em animações da Disney? Em “Rei Leão”, demora apenas um “Hakuna Matata” para Simba voltar a ser feliz após a morte de seu pai. Em “Bambi”, nem isso: A primavera chega, os pássaros começam a cantar e pronto, quem se lembra de que a mãe do Bambi levou um tiro na cara?
            É, né? Pensando agora, isso não é algo assim tão comum nas animações da Disney, não? (nota: com Disney, quero dizer Disney mesmo. Eu sei que a Pixar já fez isso antes)

            Além disso, a forma como “Operação Big Hero” trata a depressão é uma das mais sinceras que já vi em um filme, olha lá um infantil: A forma como Hiro o tempo todo repete para si mesmo que está bem quando claramente não está, a forma como ele evita ajuda, mas ao mesmo tempo está desesperado por ter alguém ao seu lado, e sua explosão ao finalmente admitir seus problemas... O arco de depressão de Hiro chega até a me lembrar o de Shinji em “Neon Genesis Evangelion”, embora talvez um pouco mais otimista, para as crianças.
            E então temos Baymax de novo. Eu não sei se algum dos criadores do filme passou por depressão ou leu a respeito, mas boto minha mão no fogo que sim. Por quê? Porque Baymax é exatamente o tipo de pessoa que alguém que sofre de depressão precisa ter ao seu lado. Tipo, exatamente o tipo de pessoa. Ele não julga Hiro pela sua depressão. Não exige explicações. Não cobra absolutamente nada do garoto. Quando acha que Hiro está melhor, oferece-se para se afastar, porém não parte do princípio de que seu paciente (é assim que Baymax chama Hiro) irá aceitar, e se ele não aceita continua agindo como se a oferta nunca tivesse sido feita. O que ele faz, então? Fica ao lado de Hiro o tempo todo, sempre disposto a ajuda-lo da maneira que for melhor, não importa o quão estranha seja, porém ao mesmo tempo impondo certos limites para que o garoto não mergulhe em algum comportamento destrutivo. E mesmo quando impõe o limite, Baymax nunca o faz de forma grosseira. Em momento algum levanta a voz. Sempre que fala, é no mesmo tom gentil de quem só e apenas quer ajudar, e vai continuar ajudando e estando ao lado de Hiro até que este esteja satisfeito com o tratamento.

            ESSE é o motivo pelo qual gosto tanto desse filme: A forma sutil, porém extremamente sincera, como ele aborda um assunto que é quase um tabu em filmes infantis. Se você quiser ver esse filme como um simples filme de super-herói divertido, tudo bem; terá o que quer. Mas se você quiser vê-lo como algo mais, algo que possa não apenas divertir, mas também inspirar... “Operação Big Hero” é esse tipo de filme, e não duvido que pessoas que sofrem de depressão ou que conhecem alguém que sofre irão se identificar com o filme e, quem sabe, aprender algumas coisas com ele.


Avaliação: Vale muito a pena
P.S para os desavisados: O filme tem uma cena pós-créditos. Que é genial.

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