sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A Teoria de Tudo

            “A Teoria de Tudo”.

            Não, sério. Só isso. Estou a mais de uma hora tentando arrumar um jeito engraçado e chamativo de começar essa crítica, e nenhum soa legal! Chega! Hoje não estou bem! Vamos então começar logo com isso!
            Imagino que muitos aqui já tenham assistido a esse filme e já tenham suas opiniões formadas sobre ele. É curioso, mas todo mundo parece ter uma opinião bastante forte sobre “A Teoria de Tudo”: Quem gosta, o defende ferrenhamente; quem não gosta, o ataca ferrenhamente. Até mesmo quem o achou mais ou menos argumenta com firmeza o porquê de esse ser um filme mais ou menos. Sendo assim, imagino que muitos de vocês nem vão ler essa crítica até o final assim que virem que não concordo com a opinião de vocês. Está tudo bem, eu compreendo. Mas vou escrever mesmo assim porque, como parece que aconteceu com todo mundo, terminei de assistir “A Teoria de Tudo” com impressões bem marcantes (para o bem ou para o mal), portanto achei necessário eventualmente fazer minha crítica.
            Como até mesmo quem não assistiu o filme já deve saber, ele narra a vida do famoso físico britânico Stephen Hawking. O da cadeira de rodas. Isso e também o que desenvolveu a teoria que diz que buracos negros emitem radiação, além de o primeiro a unir a teoria da relatividade geral e a física quântica em uma única explicação cosmológica. Mas, cá entre nós, sejamos sinceros: A maioria só o conhece pela cadeira de rodas.

            “A Teoria de Tudo” é oficialmente baseado no livro de memórias de Jane Wilde Hawking, com quem ele se casou em 1965. Como antes, não li o livro (ainda farei uma crítica da adaptação de um livro que li!), mas li o suficiente sobre Stephen Hawking antes de escrever essa crítica para saber que o filme diverge um pouco da vida dele. Embora, para o crédito do filme, não tanto quanto outros filmes biográficos semelhantes, como, digamos, “Uma Mente Brilhante”.
            Aliás, é possível encontrar várias semelhanças entre “A Teoria de Tudo” e “Uma Mente Brilhante”: Ambos contam a vida de algum cientista/matemático reconhecido por sua genialidade, porém com alguma grave condição física ou mental que vai evoluindo ao longo do filme; ambos optam por contar sua vida através de uma história de amor entre o cientista e sua esposa, que juntos aprendem a superar essa condição; coincidentemente, em ambos os casos o cientista em questão estava vivo na época em que o filme foi lançado. Com certeza há mais filmes com essas mesmas características, porém “Uma Mente Brilhante” foi o primeiro filme que me veio em mente ao assistir “A Teoria de Tudo”.

            Considerando então que “A Teoria de Tudo” é o tipo de filme que muitos de nós já vimos antes... O que ele traz de novo?
            Em primeiro lugar vamos ao que foi mais aclamado no filme: A atuação. Eddie Redmayne, o ator que interpreta Hawking, ganhou o Oscar de Melhor Ator ano passado, uma decisão que surpreendeu muita gente, considerando que Michael Keaton era considerado o favorito por seu papel em “Birdman”. Não cabe a mim julgar qual dos dois atuou melhor, ou se Redmayne merecia o Oscar ou não, mas direi uma coisa: Interpretar Stephen Hawking em um filme não é um trabalho fácil. Especialmente em um filme que mostra a progressão de sua doença (esclerose lateral amiotrófica, ou ALS, para quem quiser saber o nome), desde suas primeiras quedas e dificuldades em segurar objetos até o momento em que ele perde quase todos os movimentos e passa a ter que falar através de um computador. Há vários motivos para isso ser uma tarefa complicada para um ator: É preciso imitar as dificuldades crescentes que Hawking tinha em andar, falar, fazer movimentos básicos, até o ponto em que o ator tem que ficar parado em uma posição que não parece nem um pouco confortável... E mesmo assim transmitir uma variedade de emoções. Lembrem-se, duas das principais formas de transmitir emoções são através de linguagem corporal e tom de voz. E Stephen Hawking não possui nenhuma das duas. Se ainda é possível saber o que ele sente, é apenas através da misteriosa coisa tão difícil de imitar chamada “brilho nos olhos”.

            Como se isso não fosse desafio o suficiente para Redmayne, há também o fato de que geralmente as cenas de um filme não são filmadas em ordem cronológica. Assim, ele teve que continuamente ir e voltar em seu retrato da degeneração motora de Hawking: capaz de andar e falar normalmente, então só podendo mexer a cabeça e falando de forma quase incompreensível, então precisando de uma muleta para andar, então completamente parado e tendo que falar através de um computador, então andando com duas muletas, então andando normalmente de novo...
            Agora deixado claro que o filme não foi filmado em ordem cronológica, ao assistir “A Teoria de Tudo”, você percebeu isso? Percebeu que Eddie Redmayne teve que ir e voltar durante as filmagens quanto à progressão da doença? Se a resposta for “não” e você continua sendo enganado com a impressão de que tudo foi filmado em ordem cronológica, pode considerar Eddie Redmayne um bom ator. Se Michael Keaton teve seu Oscar roubado ou não, fica para outro dia.

            Agora, querem saber quem realmente foi roubada das premiações? Felicity Jones, que interpreta Jane Hawking. Por quê? Porque das dezesseis indicações a prêmios que ela recebeu pela sua atuação... Ela só ganhou UMA. E pior: O prêmio que ela recebeu foi o Prêmio Mulher Invisível, do Women Film Critics Circle (Círculo de Mulheres Críticas de Cinema). Ou seja: Um prêmio específico para atrizes talentosas que foram deixadas de lado por outras premiações. Isso é tão prêmio de consolação quanto um prêmio de consolação consegue ser! E isso é triste, porque, embora Jones não tivesse um desafio técnico tão grande quanto o de Redmayne, ela assumiu muito bem seu papel. Muito bem mesmo! Em nenhum momento se duvida que ela seja uma mulher que, por mais que ame seu marido, ao mesmo tempo é esmagada pelo estresse que sua condição traz para ela. É uma mulher que precisa quase tanto de ajuda quanto seu marido. E quando a ajuda finalmente chega... Bom, não vou estragar o filme pra quem ainda não assistiu nem conhece a história.

            Eu sei que 2014 foi um ano bastante acirrado em se tratando de atrizes, entre Juliane Moore, Rosamund Pike, Reese Witherspoon e várias outras fazendo algumas das melhores atuações de suas vidas. Mas ainda assim: Dezesseis indicações... Só uma? Sério isso?!
            Mas além das atuações, o que esse filme tem a oferecer? A resposta: A direção de James Marsh. É curioso ver como um diretor famoso principalmente por seus documentários é capaz de fazer um filme tão cheio de recursos visuais que tem mais a ver com o mundo da arte do que com o da realidade, entre iluminação, cores, cinematografia... Por vezes “A Teoria de Tudo” parece até uma pintura impressionista, com luzes, cores e até mesmo as posições dos personagens indicando o que passa na cabeça deles, seus sentimentos e conflitos, até mesmo a importância deles para o enredo.

            Há também um grande número de alusões visuais ao tempo: Círculos, espirais, objetos e pessoas movendo-se em sentido horário ou anti-horário, dependendo da ocasião... Constantemente o tema do tempo é explicitado visualmente. Embora a princípio pareça que o motivo disso tem a ver apenas com o tema da pesquisa de Hawking (seu principal livro se chama “Uma Breve História do Tempo”, e ao longo do filme todo Redmayne fala em pesquisar sobre o tempo, desenvolver uma fórmula sobre o tempo, voltar no tempo), percebe-se ao final do filme que o motivo vai além da pesquisa: Se estende para toda a vida de Hawking. Quando descobre sobre sua doença, Stephen ouve que terá apenas dois anos de vida. Três décadas depois, porém, o filme mostra ele e Jane relembrando tudo pelo que passaram juntos, tudo que lhes aconteceu, “tudo o que fizeram”. Não é um filme sobre o que Hawking foi capaz de fazer como cientista; é um filme sobre o que ele foi capaz de fazer como pessoa.

            Falando assim, chega a parecer piegas, mas a verdade é que... É, o filme é meio piegas.
            Pois é, por mais que eu tenha gostado do filme como uma união entre excelente elenco e excelente diretor, até eu tenho que assumir que ele falha no que a maioria dos filmes biográficos (especialmente os de pessoas vivas) falham: Ele simplesmente trata seus personagens de uma maneira gentil demais. Hawking aparece um cara super simpático (o que, lendo sobre ele, rapidamente se descobre que não é totalmente verdade). Como eu disse antes, eu não li o livro, então não sei como Jane Hawking o descreve, mas eu não sei, eu tenho minhas dúvidas após ver o filme de que ela o veja de maneira tão gentil assim.
            Aliás, gentil não: Por vezes o filme praticamente cai na idolatria a Stephen Hawking. Chega a ser difícil ficar irritado com ele, mesmo nos momentos em que ale de forma... Não exatamente o que se esperaria do herói de um filme, digamos assim.

            Não que isso torne o filme imediatamente ruim. Só o torna... Agradável. É o tipo de filme aconchegante para se assistir com a família, aconchegado no sofá. Talvez daqui a algum tempo aja um filme biográfico de Stephen Hawking que o trate de uma forma mais realista. O que seria interessante e possivelmente bom. Mas mesmo quando esse suposto filme for lançado, não acho que deva se desconsiderar os méritos de “A Teoria de Tudo”. Continua sendo um filme tecnicamente impecável, e bem mais artístico que a maioria dos filmes biográficos que você provavelmente encontrará na televisão.


Avaliação: Vale a pena

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