Ontem,
a internet praticamente explodiu com a notícia da morte do cantor David Bowie,
aos 69 anos. Uma das figuras mais icônicas da música das últimas décadas, sua
carreira foi marcada por constantes reinvenções em seu estilo e sua
apresentação visual, porém sempre com uma personalidade inigualável.
Ele
também é conhecido pela sua esporádica, porém marcante carreira no cinema. E,
tendo decidido dedicar esse blog aos filmes, resolvi homenageá-lo com uma
crítica de seu filme mais famoso, “Labirinto – A Magia do Tempo”, de 1986.
Infelizmente,
essa crítica terá que ser baseada apenas em primeiras impressões, considerando
que nunca tinha assistido esse filme antes de decidir critica-lo. O que é até
estranho, considerando a quantidade de gente que conheço para quem “Labirinto”
foi uma parte importante de suas infâncias. Mas, antes assisti-lo tarde do que
nunca, não?
Antes
mesmo do filme começar de fato, durante os créditos iniciais, eu já sabia que
essa seria uma experiência surreal: Além de ser um filme de fantasia dos anos
80 (o que, convenhamos, já adiciona um nível de estranheza), ele é dirigido por
Jim Henson (o mesmo criador dos Muppets), inspirado nos livros de Maurice
Sendak (autor de “Onde Vivem os Monstros”) e seu roteiro foi escrito por Terry
Jones (um dos membros do Monty Python). Além de, é claro, ter David Bowie como
a cereja no topo desse bolo, mas falaremos dele mais tarde.
A
heroína do filme é Sarah, uma menina de 15 anos interpretada por Jennifer
Connelly em um de seus primeiros papeis principais no cinema. E... É, dá pra ver
que ela ainda não estava totalmente acostumada com isso. Não que a atuação dela
seja ruim RUIM, é só que ela ainda tinha muito a melhorar.
Acreditem
ou não, a ideia original era contratar Helena Bonham Carter para o papel. Sim, A Helena Bonham Carter. Imagino que o
filme explodiria assim que ela e David Bowie aparecessem juntos.
De
qualquer forma, logo nos primeiros minutos do filme vemos que Sarah gosta de
andar sozinha no parque fantasiada de princesa ensaiando falas de um livro
chamado, adivinhem só, “Labirinto”. Ok, um tanto não convencional, mas nada que
os pais dela devam se preocupar...
Ok,
os pais dela já deviam ter começado a se preocupar a um bom tempo. Pelo menos
assim que ela colocou uma estátua roxa do David Bowie ao lado do espelho e
pendurou uma gravura de Escher ao lado de seus bichinhos de pelúcia.
De
qualquer forma, Sarah é aquela típica adolescente que só quer saber de viver em
seu mundinho de sonhos e contos de fadas e não suporta assumir qualquer tipo de
responsabilidade, especialmente quando ela envolve cuidar de seu irmão bebê,
Toby, quando seu pai e sua madrasta saem juntos nos fins de semana. Nessa noite,
porém, Sarah está especialmente irritada, pois não apenas Toby pegou um de seus
ursinhos de pelúcia como também agora não para de chorar. Para acalmar a si
mesma, quero dizer, ao bebê, contando a história do livro que estava recitando,
sobre uma menina que é obrigada a cuidar de um bebê como uma escrava até que
recita uma frase mágica que invoca o rei dos goblins, que leva o bebê consigo
para transforma-lo em um goblin.
E,
adivinhem só, assim que a própria Sarah recita a frase mágica, do nada Toby desaparece,
tendo sido sequestrado por Jareth, rei dos goblins, interpretado por David
Bowie.
E
oh, que visão gloriosa ele é nesse filme! Não basta ele ser uma figura
folclórica com um cabelo mullet de cantor dos anos 80; não basta toda fala dele
soar como algo malicioso; não basta ele vestir uma calça collant de bailarino
que deixa sua genitália desconfortavelmente à mostra em um filme infantil; é
preciso que Bowie devore com sua presença tudo ao seu redor, em uma das
atuações mais hilariamente perturbadoras de todos os tempos. Quando ele aparece
em cena, nada mais importa: Você só vê ele. Pode muito bem passar um elefante
cor-de-rosa no fundo do cenário que você não vai perceber (o que, considerando
o nível de detalhes surreais do filme, pode muito bem ter passado em alguma
cena).
Não há dúvida de que
ele foi a escolha certa para esse papel. E olha que nem foi a primeira: Entre
os cantores que os criadores do filme estavam pensando em contratar para o
papel de Jareth, estavam Michael Jackson, Prince e até mesmo Mick Jagger antes
de eles se decidirem por Bowie. E sendo sincero, eu não vejo esse filme
funcionando tão bem com nenhum desses outros: além de se dar bem com um
personagem caricato e fantasioso como Jareth, Bowie possui (e, a bem da
verdade, sempre possuiu) essa sensualidade muito particular dele, que é ao
mesmo tempo hipnotizante, porém também um tanto desconfortável. Ele emana poder
e certa crueldade friamente controlada. Quando ele fala com Sarah, a impressão
que dá é que ele poderia a qualquer momento partir pra cima dela e molestá-la,
e só não o faz porque não quer.

Mas
voltando à história, Sarah tenta convencer Jareth de que tudo não passou de um
mal entendido e lhe implora para devolver seu irmão. O rei dos goblins, porém,
não está tão disposto a devolver o bebê, e assim lança um desafio a Sarah: Ele
só lhe devolverá Toby se ela for busca-lo em seu castelo, no centro de um
gigantesco labirinto. Para dificultar sua vida, Jareth lhe impõe um limite de
13 horas para ela completar o desafio.
Como
se não bastasse, o labirinto não é qualquer labirinto: ele é cheio de desafios
surreais, que testam além do limite a lógica e a perspectiva de Sarah, sempre
enfatizando uma variedade de sofrimentos se ela não acertá-los, como ficar
presa em um calabouço aparentemente sem saída, voltar ao início do labirinto ou
pura e simplesmente a morte súbita. Mais ou menos como “Alice no País das
Maravilhas”, apenas... Mais perigoso.
Para
a sorte de Sarah, ao longo de sua jornada pelo labirinto ela faz amizade com um
grupo um tanto colorido de companheiros, que por vezes a ajudam (embora por
vezes também não): Hoggle, um anão covarde que teme Jareth acima de tudo (e
este aproveita esse medo para forçar o coitado a atrapalhar a jornada de
Sarah); Ludo, um monstro gigante, porém inofensivo, que é capaz de falar com
pedras e invoca-las quando necessário (claro, por que não?); e Sir Didimus, um
cavaleiro-raposa que cavalga um cachorro e dado a Dom Quixote, hilariamente
histérico quanto à sua coragem.
Pronto,
esse é o enredo do filme: Uma simples e direta “jornada do herói”, com uma
personagem que é chamada para uma aventura em um ambiente que lhe é
desconhecido, aceita o desafio e a partir daí vai sendo iniciada nos modos
desse novo ambiente e evoluindo à medida que aprende, tudo concluindo em um
confronto final com o vilão que foi a causa do chamado em primeiro lugar.
Labirinto, Senhor dos Anéis, Star Wars, Harry Potter, todas essas aventuras
épicas derivam, cada uma à sua maneira, dessa premissa. O que as diferencia
entre si, porém, é o que elas fazem com essa premissa, os diferentes ambientes
e desafios pelos quais seus heróis passam, seus diferentes aprendizados.
Pois
bem. O que é então que “Labirinto” faz com sua premissa?
Quanto
ao chamado em si, nada muito original. O conceito de goblins que roubam
crianças e seus familiares que precisam resgata-las está bastante enraizado no
folclore europeu. O aprendizado em si também não é muito original: Procurar
novas perspectivas quando um problema parece sem solução, não ter medo de algo
sem saber antes o que é, valorizar suas amizades, aprender a encarar a
realidade, porém sem abandonar de todo seus sonhos e fantasias... Todas essas
coisas vários heróis e heroínas antes de Sarah já aprenderam em outras
histórias.
Quanto
à ambientação de “Labirinto”... Aí sim.
Os
desafios pelos quais Sarah passa, os cenários que ela percorre dentro do
labirinto, as criaturas que ela encontra... Tudo no filme é encantadoramente
surreal e elaborado. É de impressionar que um filme dessa escala e desse nível
de imaginação visual pudesse ser feito em 1986, quando a tecnologia de imagens
computadorizadas tinha acabado de surgir e estava apenas engatinhando. De fato,
os únicos momentos em que imagens computadorizadas são usadas no filme são para
animar uma coruja nos créditos iniciais e para inserir cenários em cenas
filmadas em frente a uma tela. Todo o resto é feito com bonecos, acessórios de
cena, pessoas e objetos pendurados por fios e outros efeitos especiais
práticos.

Não
é, porém, um surrealismo sem sentido, uma mera brisa de ácido que de alguma
forma conseguiu financiamento: Uma boa parte dos elementos surreais e
fantásticos do filme possuem sua dose de simbolismo e significado. Um grupo de
monstros coloridos que literalmente perdem as cabeças quando dançam e cantam; um
crista/bolha em que Sarah finalmente experimenta os bailes de príncipes e
princesas com os quais sonhava, até perceber que algo está errado e querer sair
dessa bolha; uma velha que carrega um monte de tralha nas costas que, quando
Sarah perde a memória de sua busca, preenche o vazio nela com brinquedos. É o
tipo de simbolismo sutil que uma criança talvez não perceba, mas quando ela
crescer e rever o filme vai sem dúvida se surpreender.
Ao
mesmo tempo, porém, o filme não deixa que seus simbolismos se tornem sérios
demais e tirem o principal propósito do filme, que é ser um filme que apele
para as crianças. Assim, embora por vezes ele seja bastante sombrio, ele não
deixa de ter sua alta dose de momentos leves e engraçados. E analisando o humor
do filme, logo percebe-se a mão de Jim Henson por trás dele, pois é o típico
humor que se encontraria em um episódios dos Muppets: Não é tanto a situação
que é engraçada (por mais que muitas vezes sejam), mas principalmente os
diálogos e a forma como eles são ditos que fazem o público rir. E, aliás, até
mesmo os momentos cômicos de “Labirinto” têm sua dose de metáforas e alegorias.
Uma cena que gostei muito ao assistir o filme é uma que envolve estátuas de
cabeças falantes que Hoggle chama de “alarmes falsos”, cuja função é repetir
frases em tom grave que façam a pessoa que percorre o labirinto desistir de
seguir o caminho certo. A alegoria é bem explícita, mas eu pessoalmente ri alto
com a reação dos alarmes falsos quando Hoggard e Sarah não reagem a seus avisos
da maneira que deveriam.
E,
claro, temos Jareth de novo. Oh, David Bowie estava se divertindo tanto ao
interpretá-lo! Ele pode nem falar nada, apenas quando ele aparece em cena você
já solta um risinho... Isso é, quando ele não te deixa propositalmente
desconfortável em seu tom malicioso e calça collant, mas quando ele quer
divertir, ele diverte e como! E de novo, o principal motivo é sua presença, com
cabelo mullet, calça que necessita de uma barra de censurado por cima e tudo. E
quando ele canta... Porque sim, caso você não tenha assistido o filme ainda,
Bowie canta nele. E é glorioso!
É
uma pena que, apesar do enorme culto que se formou em cima de “Labirinto” ao
longo dos anos, nunca chegaram a filmar uma continuação com David Bowie em
vida. Porque mesmo tendo visto o filme apenas recentemente, dá pra ver que
Bowie e Jareth é uma combinação entre ator e personagem tão perfeita e
insubstituível que tenho certeza que, mesmo na casa dos sessenta anos, nenhum
ator se daria melhor com esse personagem do que ele. O papel de Jareth
pertencia apenas a ele. Descanse em paz, Bowie. Seu cabelo mullet e calça de
bailarino não serão esquecidos.
Avaliação: Vale a pena
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