Ok, 2016, qual é a sua?
Primeiro
você mata David Bowie aos 69 anos, e então apenas quatro dias depois você mata Alan
Rickman, também aos 69?!
Bom,
imagino que terei que então fazer uma homenagem minha a ele, não? Ainda mais
considerando que ele foi uma figura tão marcante na infância (e na juventude. E
na vida) de tanta gente da minha geração, com sua interpretação perfeita de
Severus Snape nos filmes do Harry Potter. E, a princípio, eu até ia homenageá-lo
com uma crítica de algum dos filmes da série, mas aí pensei que não. Convencional
demais. A essa altura, todo mundo já deve saber que ele atuou em Harry Potter,
e quase todo mundo deve ama-lo por isso. Vamos então analisar um filme em que
ele atuou sobre o qual as redes sociais estão falando menos, mas ao mesmo tempo
não desconhecido a ponto de me chamarem de hipster por critica-lo.
Vamos
analisar sua primeira aparição no cinema, em 1988, como o vilão em “Duro de
Matar”.
Eu
sei, eu também fiquei surpreso quando soube disso! Não que Alan Rickman não
tivesse experiência o suficiente como ator até então, mas ele só havia atuado
em peças de teatro, séries e um ou outro filme de televisão para a BBC. Esse foi
seu primeiro filme lançado nos cinemas. E que jeito de começar sua carreira: No
que é considerado um dos melhores filmes de ação (e, por muitos, um dos
melhores filmes de natal também) de todos os tempos.
A
história é simples e, após esse filme, repetida infinitamente por Hollywood
apenas com atores e cenários diferentes, mas caso você não a conheça ainda, o
filme começa no dia de natal, com o policial nova-iorquino John McClane
(interpretado por Bruce Willis) viajando para Los Angeles para tentar se
reconciliar com a esposa, Holly (interpretada por Bonnie Bedelia), que se mudou
para lá com os filhos após receber uma oferta de emprego que ela não podia
recusar, se me permitem usar essa referência.
Aliás,
reparem bem nos primeiros quinze minutos do filme, pois mesmo que um dia façam
um remake, eles nunca serão repetidos: Entre McClane portando uma arma dentro
de um avião, pessoas fumando em espaços fechados e uma grávida bebendo álcool,
essa introdução está cheia de coisas que jamais voltarão a serem legalizadas. Não
sei se isso é algo bom ou ruim, mas apenas mostra o quão anos 80 esse filme é.
De
qualquer forma, ao chegar no prédio aonde sua esposa trabalha, e no qual está
havendo uma celebração de natal entre os funcionários, McClane não fica nem um
pouco satisfeito ao ver que sua esposa está usando seu sobrenome de solteira
para os negócios. Mas, justamente após uma discussão, enquanto John está no
banheiro se arrumando e Holly vai falar algo para os outros funcionários a
pedido de seu chefe, um grupo do que parecem ser terroristas invade o prédio.
O
grupo logo se revela sendo na verdade um grupo de ex-terroristas alemães
orientais liderados por Hans Gruber, interpretado pelo homenageado de hoje Alan
Rickman, que abandonaram a militância e agora decidiram roubar os US$ 640
milhões (na época em que isso valia muitíssimo mais do que hoje) que o chefe
japonês de Holly (interpretado por James Shigeta) guarda em um cofre. Mas isso
não os torna menos perigosos, devido ao seu poderoso arsenal e ao seu
profissionalismo.
McClane,
estando no banheiro no momento em que o grupo de Gruber ataca o andar em que a
festa está ocorrendo, consegue passar despercebido por eles e escapa para o
andar superior.
Assim
começa uma sequência de ação de quase duas horas, com McClane, armado apenas
com o que quer que lhe apareça, eliminando os terroristas um a um, enquanto a
polícia é incapaz de invadir o prédio devido ao arsenal e ao senso estratégico
de Gruber.
É
até curioso como um filme com tantos problemas de produção conseguiu ser
consagrado como um dos melhores filmes de ação de todos os tempos. Para
começar, Bruce Willis nem era para interpretar o papel principal. Ele só foi
contratado porque o estúdio estava desesperado pois ninguém aceitava o papel,
então tiveram que se contentar com um ator cujo papel mais famoso até então era
em uma série de comédia. Além disso, o roteiro ainda não estava finalizado
quando as filmagens começaram, e muitas cenas foram adicionadas ao roteiro na
última hora. Como se não bastasse, as próprias filmagens foram complicadas, com
o prédio da 20th Century Fox que serve de cenário ainda no final de sua
construção, e houve vários problemas de licença que limitaram o tempo de
filmagem de algumas cenas. Assim, alguns dos momentos mais importantes do filme
tiveram que ser filmados com os cenários e o tempo que havia à disposição. Muitas
dessas cenas chegaram a ser filmadas em apenas uma tomada.
E
ainda assim, com tudo isso dando errado... “Duro de Matar” conseguiu ser um
filme de ação praticamente perfeito.
Esse
é provavelmente um dos poucos casos no cinema em que a lei de que “a necessidade
é a mãe da invenção” deu certo. Com todas as dificuldades, os envolvidos foram
arrumando maneiras criativas de fazer o filme, em um trabalho conjunto que
envolveu não apenas o diretor e os roteiristas, mas também os atores e até
mesmo os dublês. O prédio não está completo? Faremos uma cena de ação em um
andar ainda sendo construído então! O cabo em que o dublê de Bruce Willis
estava pendurado rompeu-se e ele só se salvou no último segundo? Perfeito, criaremos
um contexto e colocaremos isso no filme! O que, Alan Rickman é capaz de imitar
um sotaque americano? Por que não disse antes?! Faremos com que na primeira vez
em que Gruber e McClane se encontram o terrorista finge ser um dos reféns!
Falando
assim parece que “Duro de Matar” foi feito aos trancos e barrancos, e de certa
forma talvez tenha sido feito, mas o segredo é que não apenas o resultado final
não mostra nada disso, já que todos estavam decididos a fazer o filme dar
certo, como também todas essas cenas idealizadas a partir da necessidade
adicionam certo elemento de originalidade ao filme. São coisas que na época ninguém
havia feito antes porque ninguém havia visto o porquê de fazê-las, e que ao
serem imitadas mais tarde parecem descartáveis, pois já não possuem mais aquele
espírito de necessidade, de algo que precisava ser feito para o filme ser bom e
bem-sucedido.
Em
segundo lugar, há o seu roteiro. Embora sua história seja tão simples quanto
uma história de ação/aventura dos anos 80 pode ser (quase não dá para acreditar
que o filme é baseado em um livro!), “Duro de Matar” possui aquilo que histórias
de ação/aventura dos anos 80 possuem melhor do que as de qualquer década
anterior ou posterior: Diálogos e frases de efeito. Quase toda fala do filme
fica guardada na memória depois que se assiste ele, e raramente elas são sérias
ou com alto teor filosófico; não, são diálogos descontraídos, com os
personagens fazendo piada das situações em que estão ou apenas sendo
intimidadores uns com os outros. Isso atinge o auge em McClane, que fala uma
pérola atrás da outra. E o melhor: Não são pérolas soltas, que qualquer um
poderia dizer, mas sim frases que combinam com o tipo de coisa que alguém
falaria em sua situação. Ele é um policial, sim, ele é durão, sim, mas ao mesmo
tempo ele é só um cara que foi pego de surpresa no lugar errado e na hora
errada, é só quer ver tudo resolvido logo e ir pra casa com sua esposa. Tanto
que, quando ele explode um andar do prédio e o chefe dos policiais fala pelo
rádio para ele parar de agir por conta própria porque seus homens já estão
cobertos de vidro devido à explosão, McClane apenas olha para o vazio e
responde irritado “Vidro?! Quem tá se f#d&ndo para vidro?!” (mal sabia
ele...).
Mas
tudo isso não tornaria o filme “um filme de ação praticamente perfeito” se não
tivesse uma das melhores duplas herói-vilão do gênero. E é o que o filme tem,
na forma de John McClane e Hans Gruber.
Primeiro McClane. Em
uma época em que quase todo herói de ação parecia um monstro de esteroides
indestrutível, Bruce Willis é o exato oposto: ele tem seus músculos, sim, mas
nada que o faça parecer um super-homem. No máximo, ele se parece, fala e age
como aquele seu tio que faz academia. Para “piorar” seu visual, durante quase o
filme inteiro ele está descalço e vestindo uma regata. Ótimo: Agora ele parece
aquele seu tio farofeiro. E como se não bastasse, ele não possui nem metade do
equipamento necessário para sobreviver à situação em que se meteu. Tudo o que
ele possui ele pilha do terrorista que ele acabou de matar e se mostra apenas o
suficiente para matar e pilhar o próximo. Pensando assim, o filme lembra muito
um daqueles jogos de videogame de sobrevivência, não?
Mas eis aí o apelo de
McClane: Entre os heróis de ação que se vê por aí, ele é um dos que mais gera
uma empatia com o público. Você vê ele e vê alguém parecido com alguém que você
conhece, em uma situação parecida com a que esse alguém provavelmente estaria
se tivesse que se defender sozinho de um grupo de terroristas, tendo que usar
as mesmas coisas que ele usaria. Talvez então você responda “Mas esse alguém se
sobrevivesse acabaria todo estropiado!”. Bom, McClane também. Como eu disse,
ele não é um super-homem indestrutível. Aliás, ele apanha MUITO ao longo do
filme. Ao final você se pergunta como é que ele ainda está de pé! De certa
forma, pensando assim Bruce Willis acabou sendo meio que o ator certo para o
papel. Quero dizer, vocês acham que eu seria capaz de dizer tudo isso se
McClane fosse interpretado por, digamos, Arnold Schwarzengger?
E
então temos Alan Rickman como Hans Gruber. Eu não sei como ele foi ser aceito
para o papel (ainda mais que ele exigia o ator falar em alemão em algumas cenas
e na época Rickamn não sabia falar a língua), mas oh... Ele é uma preciosidade.
Se
você quer saber como é que Rickman foi parar interpretando Snape em Harry
Potter, assista essa estreia dele no cinema e você entenderá. Gruber é praticamente
um Snape de terno e pistola na mão (e que não se revela bonzinho no final):
Frio, sério, inteligente, profissional. E ele não precisa falar nada para sabermos
disso: É só olhar para o rosto de Rickman que você é capaz de deduzir tudo. Agora
isso sim que é atuação!
E
como se não bastasse, Gruber é um vilão tão legal! O quão legal ele é? Sua
música-tema é a 9ª Sinfonia de Beethoven. E como Stanley Kubrick nos ensinou,
qualquer vilão fica melhor se Beethoven toca quando ele aparece.
Mas
não é só por isso que ele é legal. Ele não apenas parece frio e inteligente,
mas ele de fato é isso. Ele é aquele tipo de vilão que você sabe que morrerá se
não jogar de acordo com as regras dele. E mesmo se jogar, há boas chances de
que ele te mate também caso ache necessário. Ele pode não pegar em uma pistola
e sair matando todo mundo como McClane, mas ele é de fato um “cérebro do mal” e
sabe disso, transmitindo perfeita autoconfiança de que seu plano elaborado e
minucioso irá funcionar. O que, de fato, funcionaria, se McClane não fosse tão
esperto quanto ele. E isso torna o filme bem mais interessante: Não são apenas
dois caras que saem brigando sem qualquer estratégia envolvida; é um jogo
mental, uma partida de xadrez com metralhadoras, cada um elaborando uma
estratégia para passar a perna no outro.
Sei
que irei perder muitas amizades dizendo isso, mas... Acho que Hans Grubber é um
vilão tão bom quanto Snape. Talvez... Melhor? Fica a seu julgamento.
Droga,
2016! Pra que matar um ator como esse?! Ele podia ter interpretado tantos
vilões legais a mais!
Avaliação: Vale muito a pena
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