quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Duro de Matar

Ok, 2016, qual é a sua?
            Primeiro você mata David Bowie aos 69 anos, e então apenas quatro dias depois você mata Alan Rickman, também aos 69?!

            Bom, imagino que terei que então fazer uma homenagem minha a ele, não? Ainda mais considerando que ele foi uma figura tão marcante na infância (e na juventude. E na vida) de tanta gente da minha geração, com sua interpretação perfeita de Severus Snape nos filmes do Harry Potter. E, a princípio, eu até ia homenageá-lo com uma crítica de algum dos filmes da série, mas aí pensei que não. Convencional demais. A essa altura, todo mundo já deve saber que ele atuou em Harry Potter, e quase todo mundo deve ama-lo por isso. Vamos então analisar um filme em que ele atuou sobre o qual as redes sociais estão falando menos, mas ao mesmo tempo não desconhecido a ponto de me chamarem de hipster por critica-lo.
            Vamos analisar sua primeira aparição no cinema, em 1988, como o vilão em “Duro de Matar”.

            Eu sei, eu também fiquei surpreso quando soube disso! Não que Alan Rickman não tivesse experiência o suficiente como ator até então, mas ele só havia atuado em peças de teatro, séries e um ou outro filme de televisão para a BBC. Esse foi seu primeiro filme lançado nos cinemas. E que jeito de começar sua carreira: No que é considerado um dos melhores filmes de ação (e, por muitos, um dos melhores filmes de natal também) de todos os tempos.
            A história é simples e, após esse filme, repetida infinitamente por Hollywood apenas com atores e cenários diferentes, mas caso você não a conheça ainda, o filme começa no dia de natal, com o policial nova-iorquino John McClane (interpretado por Bruce Willis) viajando para Los Angeles para tentar se reconciliar com a esposa, Holly (interpretada por Bonnie Bedelia), que se mudou para lá com os filhos após receber uma oferta de emprego que ela não podia recusar, se me permitem usar essa referência.
            Aliás, reparem bem nos primeiros quinze minutos do filme, pois mesmo que um dia façam um remake, eles nunca serão repetidos: Entre McClane portando uma arma dentro de um avião, pessoas fumando em espaços fechados e uma grávida bebendo álcool, essa introdução está cheia de coisas que jamais voltarão a serem legalizadas. Não sei se isso é algo bom ou ruim, mas apenas mostra o quão anos 80 esse filme é.

            De qualquer forma, ao chegar no prédio aonde sua esposa trabalha, e no qual está havendo uma celebração de natal entre os funcionários, McClane não fica nem um pouco satisfeito ao ver que sua esposa está usando seu sobrenome de solteira para os negócios. Mas, justamente após uma discussão, enquanto John está no banheiro se arrumando e Holly vai falar algo para os outros funcionários a pedido de seu chefe, um grupo do que parecem ser terroristas invade o prédio.

                O grupo logo se revela sendo na verdade um grupo de ex-terroristas alemães orientais liderados por Hans Gruber, interpretado pelo homenageado de hoje Alan Rickman, que abandonaram a militância e agora decidiram roubar os US$ 640 milhões (na época em que isso valia muitíssimo mais do que hoje) que o chefe japonês de Holly (interpretado por James Shigeta) guarda em um cofre. Mas isso não os torna menos perigosos, devido ao seu poderoso arsenal e ao seu profissionalismo.
            McClane, estando no banheiro no momento em que o grupo de Gruber ataca o andar em que a festa está ocorrendo, consegue passar despercebido por eles e escapa para o andar superior.

            Assim começa uma sequência de ação de quase duas horas, com McClane, armado apenas com o que quer que lhe apareça, eliminando os terroristas um a um, enquanto a polícia é incapaz de invadir o prédio devido ao arsenal e ao senso estratégico de Gruber.
            É até curioso como um filme com tantos problemas de produção conseguiu ser consagrado como um dos melhores filmes de ação de todos os tempos. Para começar, Bruce Willis nem era para interpretar o papel principal. Ele só foi contratado porque o estúdio estava desesperado pois ninguém aceitava o papel, então tiveram que se contentar com um ator cujo papel mais famoso até então era em uma série de comédia. Além disso, o roteiro ainda não estava finalizado quando as filmagens começaram, e muitas cenas foram adicionadas ao roteiro na última hora. Como se não bastasse, as próprias filmagens foram complicadas, com o prédio da 20th Century Fox que serve de cenário ainda no final de sua construção, e houve vários problemas de licença que limitaram o tempo de filmagem de algumas cenas. Assim, alguns dos momentos mais importantes do filme tiveram que ser filmados com os cenários e o tempo que havia à disposição. Muitas dessas cenas chegaram a ser filmadas em apenas uma tomada.
            E ainda assim, com tudo isso dando errado... “Duro de Matar” conseguiu ser um filme de ação praticamente perfeito.

            Esse é provavelmente um dos poucos casos no cinema em que a lei de que “a necessidade é a mãe da invenção” deu certo. Com todas as dificuldades, os envolvidos foram arrumando maneiras criativas de fazer o filme, em um trabalho conjunto que envolveu não apenas o diretor e os roteiristas, mas também os atores e até mesmo os dublês. O prédio não está completo? Faremos uma cena de ação em um andar ainda sendo construído então! O cabo em que o dublê de Bruce Willis estava pendurado rompeu-se e ele só se salvou no último segundo? Perfeito, criaremos um contexto e colocaremos isso no filme! O que, Alan Rickman é capaz de imitar um sotaque americano? Por que não disse antes?! Faremos com que na primeira vez em que Gruber e McClane se encontram o terrorista finge ser um dos reféns!
            Falando assim parece que “Duro de Matar” foi feito aos trancos e barrancos, e de certa forma talvez tenha sido feito, mas o segredo é que não apenas o resultado final não mostra nada disso, já que todos estavam decididos a fazer o filme dar certo, como também todas essas cenas idealizadas a partir da necessidade adicionam certo elemento de originalidade ao filme. São coisas que na época ninguém havia feito antes porque ninguém havia visto o porquê de fazê-las, e que ao serem imitadas mais tarde parecem descartáveis, pois já não possuem mais aquele espírito de necessidade, de algo que precisava ser feito para o filme ser bom e bem-sucedido.

                Em segundo lugar, há o seu roteiro. Embora sua história seja tão simples quanto uma história de ação/aventura dos anos 80 pode ser (quase não dá para acreditar que o filme é baseado em um livro!), “Duro de Matar” possui aquilo que histórias de ação/aventura dos anos 80 possuem melhor do que as de qualquer década anterior ou posterior: Diálogos e frases de efeito. Quase toda fala do filme fica guardada na memória depois que se assiste ele, e raramente elas são sérias ou com alto teor filosófico; não, são diálogos descontraídos, com os personagens fazendo piada das situações em que estão ou apenas sendo intimidadores uns com os outros. Isso atinge o auge em McClane, que fala uma pérola atrás da outra. E o melhor: Não são pérolas soltas, que qualquer um poderia dizer, mas sim frases que combinam com o tipo de coisa que alguém falaria em sua situação. Ele é um policial, sim, ele é durão, sim, mas ao mesmo tempo ele é só um cara que foi pego de surpresa no lugar errado e na hora errada, é só quer ver tudo resolvido logo e ir pra casa com sua esposa. Tanto que, quando ele explode um andar do prédio e o chefe dos policiais fala pelo rádio para ele parar de agir por conta própria porque seus homens já estão cobertos de vidro devido à explosão, McClane apenas olha para o vazio e responde irritado “Vidro?! Quem tá se f#d&ndo para vidro?!” (mal sabia ele...).

            Mas tudo isso não tornaria o filme “um filme de ação praticamente perfeito” se não tivesse uma das melhores duplas herói-vilão do gênero. E é o que o filme tem, na forma de John McClane e Hans Gruber.
Primeiro McClane. Em uma época em que quase todo herói de ação parecia um monstro de esteroides indestrutível, Bruce Willis é o exato oposto: ele tem seus músculos, sim, mas nada que o faça parecer um super-homem. No máximo, ele se parece, fala e age como aquele seu tio que faz academia. Para “piorar” seu visual, durante quase o filme inteiro ele está descalço e vestindo uma regata. Ótimo: Agora ele parece aquele seu tio farofeiro. E como se não bastasse, ele não possui nem metade do equipamento necessário para sobreviver à situação em que se meteu. Tudo o que ele possui ele pilha do terrorista que ele acabou de matar e se mostra apenas o suficiente para matar e pilhar o próximo. Pensando assim, o filme lembra muito um daqueles jogos de videogame de sobrevivência, não?
Mas eis aí o apelo de McClane: Entre os heróis de ação que se vê por aí, ele é um dos que mais gera uma empatia com o público. Você vê ele e vê alguém parecido com alguém que você conhece, em uma situação parecida com a que esse alguém provavelmente estaria se tivesse que se defender sozinho de um grupo de terroristas, tendo que usar as mesmas coisas que ele usaria. Talvez então você responda “Mas esse alguém se sobrevivesse acabaria todo estropiado!”. Bom, McClane também. Como eu disse, ele não é um super-homem indestrutível. Aliás, ele apanha MUITO ao longo do filme. Ao final você se pergunta como é que ele ainda está de pé! De certa forma, pensando assim Bruce Willis acabou sendo meio que o ator certo para o papel. Quero dizer, vocês acham que eu seria capaz de dizer tudo isso se McClane fosse interpretado por, digamos, Arnold Schwarzengger?

            E então temos Alan Rickman como Hans Gruber. Eu não sei como ele foi ser aceito para o papel (ainda mais que ele exigia o ator falar em alemão em algumas cenas e na época Rickamn não sabia falar a língua), mas oh... Ele é uma preciosidade.

            Se você quer saber como é que Rickman foi parar interpretando Snape em Harry Potter, assista essa estreia dele no cinema e você entenderá. Gruber é praticamente um Snape de terno e pistola na mão (e que não se revela bonzinho no final): Frio, sério, inteligente, profissional. E ele não precisa falar nada para sabermos disso: É só olhar para o rosto de Rickman que você é capaz de deduzir tudo. Agora isso sim que é atuação!
            E como se não bastasse, Gruber é um vilão tão legal! O quão legal ele é? Sua música-tema é a 9ª Sinfonia de Beethoven. E como Stanley Kubrick nos ensinou, qualquer vilão fica melhor se Beethoven toca quando ele aparece.
            Mas não é só por isso que ele é legal. Ele não apenas parece frio e inteligente, mas ele de fato é isso. Ele é aquele tipo de vilão que você sabe que morrerá se não jogar de acordo com as regras dele. E mesmo se jogar, há boas chances de que ele te mate também caso ache necessário. Ele pode não pegar em uma pistola e sair matando todo mundo como McClane, mas ele é de fato um “cérebro do mal” e sabe disso, transmitindo perfeita autoconfiança de que seu plano elaborado e minucioso irá funcionar. O que, de fato, funcionaria, se McClane não fosse tão esperto quanto ele. E isso torna o filme bem mais interessante: Não são apenas dois caras que saem brigando sem qualquer estratégia envolvida; é um jogo mental, uma partida de xadrez com metralhadoras, cada um elaborando uma estratégia para passar a perna no outro.
            Sei que irei perder muitas amizades dizendo isso, mas... Acho que Hans Grubber é um vilão tão bom quanto Snape. Talvez... Melhor? Fica a seu julgamento.

            Droga, 2016! Pra que matar um ator como esse?! Ele podia ter interpretado tantos vilões legais a mais!


Avaliação: Vale muito a pena

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