terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Anjos da Lei

            Ok, então um dia desses eu estava checando a TV, apenas exercitando o polegar com o controle, quando passo os olhos por esse filme chamado “Anjos da Lei”. A maioria já deve ter ouvido falar dele, e muitos já devem até ter visto esse filme. Eu assisti com não muita expectativa. Já tinha ouvido falar bem dele, e já tinha ouvido falar bem de sua continuação (o que acreditem em mim quando digo que é algo raro em comédias!), mas achava que só seria mais uma comédia do tipo buddy cops, dessas que Hollywood lança quase todo ano e todo mundo ri na hora que assiste, mas depois de um tempo todo mundo esquece. Mas assisti o filme mesmo assim. E assim que terminei de assisti-lo, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi:
            “PQP, COMO É QUE NUNCA ASSISTI ESSE FILME ANTES?!”

            Em primeiro lugar, para os fãs de plantão, se é que há algum: Eu estou ciente de que esse filme é baseado na série de TV “21 Jump Street”, que basicamente revelou Johnny Depp nos anos 80, na época em que ele era apenas um dos moleques que morrem em “A Hora do Pesadelo” ou então um dos soldados que morrem em “Platoon”. Também estou ciente de que a série é bem mais dramática do que cômica, ao contrário do filme, e que este até faz parte oficialmente do mesmo universo e é considerado uma continuação da série (Johnny Depp até mesmo mostra a cara em uma cena). Mas adivinha só? Nada disso importa! Por quê? Porque quando assisti o filme pela primeira vez eu não sabia de nada disso, e adivinhem só, eu me diverti montes! Porque o filme não é apenas hilário, mas também tira sarro não apenas de um, mas dos dois gêneros tipicamente americanos que o tornaram possível: Os filmes de buddy cops e as comédias adolescentes de colegial.
            A história gira em torno de dois policiais, Morton Schmidt (interpretado por Jonah Hill) e Greg Jenko (interpretado por Channing Tatum). Ambos estudaram no mesmo colegial quando adolescentes, onde Schmidt era o típico nerd tímido e Jenko o típico bombadão idiota. Na academia de polícia, eles acabam tornando-se amigos, mas ao se formarem são designados com um trabalho enfadonho em um parque. Eles até conseguem prender um cara, mas são obrigados a solta-lo logo em seguida depois que esquecem de dizer a ele seus direitos (você tem o direito de permanecer em silêncio, tudo o que disser pode e será usado contra você, todos já vimos isso em filmes). Seu chefe, porém, decide lhes dar uma segunda chance. Segundo ele, a polícia está revivendo um programa de infiltração dos anos 80. Ele diz: “Os caras responsáveis por essa coisa não têm criatividade e estão completamente sem ideias, então tudo o que eles fazem agora é reciclar m&rd@ do passado e esperar que a gente não note”. (eu vi o que você fez aí, filme!)

                O programa consiste de pegar policiais que pareçam jovens, reuni-los em uma base disfarçada de igreja coreana, com o crucifixo de um Jesus coreano (te desafio a não rir toda vez que os personagens dizem essa combinação de palavras em voz alta), e infiltra-los em colegiais. Mas não basta eles apenas parecerem jovens: Eles precisam também se enturmar com os alunos para descobrir o que está acontecendo, e para isso precisam agir como os típicos estereótipos que se vê em filmes dos anos 80 (o nerd, o atleta, a gostosa, lembra deles?). O próprio chefe deles (interpretado pelo rapper Ice Cube) parece orgulhoso de ser o estereótipo do chefe de polícia negro irritadiço, não falando uma única frase sem incluir a palavra “motherf#ck&r” no meio.
            Schmidt e Jenko são então designados para se disfarçarem de irmãos e se infiltrarem em um colegial onde uma nova droga sintética chamada de PQP (ou HFS, em inglês) está se espalhando, chamando a atenção depois de matar de overdose um estudante branco (porque, como Ice Cube enfatiza, se o moleque fosse negro ninguém se importaria). Ao chegarem no primeiro dia de aula, porém, Schmidt e Jenko têm a grande surpresa de que esse não é o mesmo colegial em que estudaram, aonde daria certo agir como os estereótipos que foram encarregados de interpretar: Esse é o colegial da geração pós-“Glee”, aonde ser legal é ser ecológica e politicamente correto; se esforçar nos estudos é normal e não mais motivo de chacota; há novas tribos como os hipsters, que eles não fazem a menor ideia do que são; e fazer bullying imediatamente te torna odiado pela escola inteira.
Ok, por onde começo a falar dos pontos positivos desse filme? Vejamos, como a maioria dos filmes de buddy cops, é impossível falar de “Anjos da Lei” sem comentar e avaliar a dupla de atores principais. Nesse caso, Hill e Tatum. Pessoalmente, quando notei que esses seriam a dupla que teria que interagir um com o outro durante o filme inteiro, fiquei meio apreensivo. Afinal, Jonah Hill é mais conhecido como o gordinho engraçado em... Bem, em praticamente todo filme em que ele já atuou. E Channing Tatum, por outro lado, é mais conhecido atualmente como o cara que fez strip-tease em “Magic Mike”, e também como o ator cujo tanquinho é mais bonito de se ver do que sua atuação. Vamos admitir, não é exatamente o tipo de dupla que se espera dar certo e interagir bem um com o outro, não?
E qual foi a minha surpresa ao vê-los lado a lado nesse filme! Quem diria que dois atores com personalidades e carreiras tão diferentes pareceriam feitos um para o outro! Eu não sei muito sobre a vida pessoal deles, mas depois desse filme eu não me surpreenderia se me dissessem que Hill e Tatum são amigos na vida real. Se isso não for verdade, então irei me arrepender de todo o tempo que olhei torto para a atuação de Channing Tatum.
Mas não basta as atuações serem boas: A história do filme (que o próprio Jonah Hill ajudou a escrever) colabora para a química entre eles. Você tem esses dois caras que entram nesse ambiente achando que o conhecem, e já estão psicologicamente preparados para um ser o popular e o outro não. Mas, à medida que interagem com os estudantes dessa nova geração, o que acontece é o contrário: Schmidt, que sempre foi ostracizado quando adolescente, de repente se vê popular como sempre quis, e acaba envolvendo-se fundo demais no caso e tornando-se amigo dos distribuidores de PQP (que logo no começo revelam-se como sendo os ecochatos populares), atrapalhando a investigação; enquanto que Jenko, acostumado a se dar bem no colegial apenas por ser bonito e não se esforçar, vê-se na mesma posição que Schmidt vivia, tendo até que se enturmar com os alunos nerds depois que confunde sua identidade falsa com a de seu colega e passa a ter que frequentar as aulas de química avançada.
E não é só Hill e Tatum: Outros atores coadjuvantes fazem trabalhos surpreendentemente bons, especialmente Ice Cube, que parece ter nascido para interpretar o papel do chefe deles. O que é surpreendente, considerando que até então ele nunca havia sido considerado um grande ator. Não estou exagerando quando digo que ele tem quase tanto direito de chamar qualquer um de “motherf#ck&er” quanto Samuel L. Jackson. Quase. Outra que merece crédito é Brie Larson, que interpreta a estudante por quem Schmidt se apaixona (mas não se preocupem, o filme enfatiza que a personagem é maior de idade. Ufa!).

            Mas a verdadeira pérola do filme, que o torna extremamente engraçado (e muito mais inteligente que a típica comédia americana), é o quanto ele é autoconsciente. Todos os envolvidos nele sabiam que era preciso fazê-lo seguindo a mesma premissa da série, mas ao mesmo tempo tinham noção do quanto que os tempos mudaram em três décadas. A adolescência atual já não é a mesma dos filmes de John Hughes (“O Clube dos Cinco”, “Curtindo a Vida Adoidado” e praticamente toda comédia adolescente dos anos 80 que você conseguir imaginar). Os velhos estereótipos adolescentes, embora ainda sejam reconhecíveis, já não possuem o mesmo impacto de antes. Mas, o estúdio tem os direitos sobre a série e já está na hora de fazer um filme antes de perdê-los, então fazer o que, né?
            E então o filme diz “Ok, sabemos que estamos tentando fazer algo dos anos 80 funcionar na era do Youtube e do Twitter. Vamos fazer então com que isso funcione!”.
Assim eis que, tal qual a série, que na época tinha relevância tanto para o público adolescente (que se identificava com as tribos urbanas e o ambiente do colegial) quanto adulto (que se identificava com os adultos tentando se passar por jovens e se enturmar), o filme de “Anjos da Lei” também apela para ambos, porém de forma diferente: Os adolescentes se identificam com as referências à vida moderna, como a internet e os novos gostos musicais, além das novas preocupações que adolescentes atuais têm com os problemas globais e sociais (aquecimento global, homofobia, racismo, tudo isso está na boca dos adolescentes atualmente, coisas com as quais até alguns anos atrás os jovens nem se importavam); e os adultos se identificam com a confusão dos dois policiais ao verem que os novos jovens comportam-se de maneira completamente diferente de como eles se comportavam com a mesma idade.
Quantas vezes você, jovem, já não ouviu de seu pai ou de sua mãe “Mas vocês não fazem mais isso ou gostam mais daquilo? Na minha época não era assim!”? (e quantas vezes você, adulto, já não falou isso?) Esse filme responde pelos jovens (e para os adultos) um enorme e alto “Não. Jovens atualmente não gostam mais dessas coisas. Sexo, drogas e música, tudo agora é diferente. As coisas que vocês gostavam e faziam, é tudo do passado”. Isso não apenas traz uma forma interessante de adaptar uma premissa antiga para o mundo contemporâneo, mas também uma forma igualmente interessante de desenvolver seus personagens, que, achando que vão apenas fazer as mesmas coisas que faziam quando adolescentes, mas sabendo das consequências, veem-se agora encarando de volta as incertezas, medos e ansiedades do colegial, tudo de novo, porém diferente.

            Claro que, sendo uma comédia mais voltada para um humor negro, nem toda piada irá apelar para todos. Especialmente as piadas fálicas, que vão ficando cada vez mais provocativas ao longo do filme. Há também algumas piadas recorrentes que nem todos vão achar engraçadas (embora eu pessoalmente tenha achado), como uma envolvendo todos acharem que “piñata” é um código para sexo ou outra em que algo parece que vai explodir mas não explode. Porém, se você está disposto a esse tipo de humor negro, esse filme é pra você, com piadas e situações engraçadas sendo feitas uma atrás da outra, em um estilo completamente frenético que atinge seu auge nos créditos finais, durante os quais aparece uma sequência de imagens aleatória que parece ter sido organizada por um youtuber de 12 anos. Mas não é à toa que os créditos são tão frenéticos, pois é nesse momento que se lê que o filme foi dirigido por Phil Lord e Christopher Miller (os mesmos diretores das animações “Tá Chovendo Hambúrger” e “Uma Aventura Lego”) e teve seu roteiro escrito por Michael Bacall (que, junto com Edgar Wright, escreveu o roteiro de “Scott Pilgrim Contra o Mundo”). Com esses três caras atrás das câmeras, e Jonah Hill tanto atrás quanto na frente delas, alguém pode esperar algo menos do que um filme que parece ter sido feito com uma carreira de cocaína do lado, para o bem ou para o mal?


Avaliação: Vale a pena

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