Eis
a ironia: Apenas um mês depois de postar minha crítica de “Operação Big Hero”,
leio na internet a notícia de que um de seus roteiristas, Dan Gerson, faleceu
aos 49 anos, vítima de câncer cerebral.

É
uma pena pensar que alguém que escreveu o roteiro de um filme que gostei tanto
veio a falecer tendo trabalhado em apenas quatro filmes, incluindo o ainda não
lançado “Carros 3”. Sendo assim, em minha homenagem a ele, escolhi para
criticar o filme que foi sua primeira experiência em escrever um roteiro para
um longa-metragem: “Monstros S.A”.
Tendo
entrado para a equipe da Pixar em 1999, dois anos antes do lançamento do filme,
Gerson escreveu o roteiro a partir de uma primeira base escrita pelo roteirista
veterano da Pixar Andrew Stanton, depois que este foi trabalhar no roteiro de “Procurando
Nemo”. Assim, coube a Gerson o trabalho de desenvolver melhor o enredo, os
personagens e os diálogos do filme. Durante os quase dois anos seguintes, ele
trabalhou diariamente junto com os diretores Pete Docter e David Silverman, que
lhe diziam o que queriam em determinada cena, com então Dan escrevendo a sequência
e adicionando algumas sugestões que ele próprio havia dado para fazê-la
funcionar melhor visualmente, antes de enviar o roteiro para um dos artistas
responsáveis pelos story boards.
Segundo o próprio Dan Gerson, durante esse período não era incomum ele falar
com Docter 3 ou 4 noites por semana apenas para checar se estava tudo indo
certo e debater em cima do filme.
Certo...
Mas afinal, o filme vale a pena? Bom, é claro que ele vale a pena, é um filme
da Pixar, os filmes deles sempre valem a pena!
Ok,
quase sempre. Mas essa é uma exceção!
Enfim, vamos falar de “Monstros S.A”.
Da
mesma forma como “Toy Story” lidava (e descontruía) com uma crença comum entre
crianças, a de que seus brinquedos tinham vida própria, “Monstros S.A” também lida
(e também desconstrói) com outra crença comum entre crianças: A de que algo
está espreitando atrás de seus armários de noite, pronto para assusta-las. E,
de fato, os personagens principais do filme são exatamente isso: Monstros que assustam
crianças. A desconstrução, porém, é que eles não fazem isso por maldade. “Na verdade”,
como o filme mostra, todos os monstros vivem em um mundo paralelo ao nosso, e
os que nos assustam na verdade trabalham em uma usina que extrai energia a
partir dos gritos de crianças. O trabalho, porém, não deixa de ter seus riscos,
pois os monstros acreditam que o simples contato com crianças ou até mesmo suas
roupas e brinquedos é altamente tóxico para eles. O mundo deles, porém, está
começando a passar por uma crise energética, pois as crianças modernas, mais
familiarizadas com filmes e histórias de terror, já não se assustam tanto com
os monstros que saem de seus armários.
A
ideia de monstros que assustam humanos por simples profissão, por si só, não é
de todo original: “Os Fantasmas se Divertem” já havia abordado um conceito
parecido treze anos antes. Mas, como já disseram, o que importa de verdade não
é o que você faz, mas sim como você
faz. Se o conceito por trás de um filme não for original, isso pode ser
inteiramente perdoado se ao menos a forma
como esse conceito é abordado for original. E é isso que “Monstros S.A”
faz.
Nesse
filme, a história se centra em dois amigos, Sulley e Mike, ambos empregados na
usina, que juntos formam a melhor equipe de “extração de gritos” do lugar, que
competem com o monstro-camaleão Randall para quebrar o recorde de produção.
Uma
noite, porém, enquanto Mike sai para jantar com sua namorada, Sulley encontra
uma porta de armário ainda ativa (ou seja, com os monstros podendo entrar no
quarto para onde ela leva) na linha de produção da usina. Ao investigar, acaba
sem querer trazendo consigo para o mundo dos monstros uma menina de três anos,
que fica presa por lá.
Quando a notícia de que
tal criatura “altamente tóxica” está solta por aí se espalha, Sulley e Mike
precisam leva-la secretamente de volta para seu quarto, sem revelar seu
envolvimento no acidente. Sulley, porém, ao perceber que a menina não é tóxica
como todos acreditam, acaba formando uma amizade com ela, o que atrapalha os
planos de Mike de apenas se livrar logo dela. Nisso, eles também descobrem que
o que permitiu que ela entrasse no mundo deles em primeiro lugar é uma
conspiração envolvendo Randall em cima de uma nova forma pouco ética de extrair
gritos das crianças.
Primeiro,
vamos elogiar a animação. Como sempre, a Pixar não economizou despesas para
tornar a animação computadorizada desse filme o mais realista possível. O que,
nesse caso, deve ter sido um desafio maior que qualquer outro que o estúdio
havia enfrentado até então, considerando a quantidade de cenários e personagens
difíceis de transferir do papel para o computador de forma convincente. Sulley,
por exemplo, possui um corpo coberto por mais de 2 milhões de pelos, mas não é
só isso: Cada fio de pelo produz uma sombra própria sobre os fios de pelo
abaixo, que mudam de acordo com a iluminação e o movimento da pelagem dele de
acordo com o vento e os movimentos do próprio Sulley. Aja paciência para fazer
isso!
Mas não são só os
monstros: Muitos dos cenários (e há muitos deles nesse filme, aliás) utilizam-se
de uma riqueza de detalhes sem precedentes. O cenário do clímax do filme, um
galpão onde as portas de armário que não estão sendo utilizadas são guardadas, por
exemplo, é preenchido por mais de 5 milhões de portas, segundo a própria Pixar.
Um minuto para pensar quantas horas na frente de centenas de computadores foram
necessárias para fazer tudo isso.
Apesar de todos os
monstros que aparecem ao longo do filme, muitos dos quais com designs
extremamente criativos, “Monstros S.A” está longe de ser um filme de fato
assustador. Quero dizer, está bem, a cena inicial, com um monstro espreitando a
cama de uma criança (apenas para logo em seguida descobrirmos que é tudo na verdade
uma simulação) é um tanto assustadora, e eu me lembro de ficar com medo de
Randall quando criança, mas de resto é um filme bastante acessível ao público
infantil, especialmente porque em nenhum momento o filme indica que os monstros
são “malvados” (tirando Randall). Eles estão apenas fazendo seu trabalho, e
quando não o estão fazendo mantém uma vida igual a de qualquer humano: Namoram,
cuidam de suas casas, assistem TV, enfim, são perfeitamente normais, e isso os
torna mais simpáticos aos olhos de uma criança (de novo, tirando Randall, não
tenho nenhuma simpatia por aquele bicho). A ideia que o filme também traz de
que os monstros têm tanto medo das crianças quanto elas têm deles apenas
acrescenta pontos positivos. Não vou dizer que com certeza ajudará crianças a
lidarem com seus medos noturnos (pelo menos comigo pessoalmente não ajudou, mas
essa é uma total outra história), mas quem sabe? Vocês que assistiram “Monstros
S.A” quando criança, respondam se o filme lhes ajudou.
A
verdadeira gema, porém, do filme, fica para a relação entre Sulley e a menina,
que ele apelida de “Bu” em homenagem a uma das três ou quatro palavras que ela
é capaz de falar. Embora a história não dure muito mais do que um dia, o arco
pelo qual ambos passam é mais uma demonstração da tão elogiada sensibilidade da
Pixar. Inicialmente, Sulley trata Bu como um animal, até mesmo colocando
algumas folhas de jornal no chão para ela dormir. Quando ele percebe que ela é
na verdade uma criança igual às dos monstros, e que não há nada de perigoso nela,
é aí que ele vai ficando cada vez mais afeiçoado à menina e vice-versa. Assim,
toda vez que algo acontece que os separa, é possível sentir a preocupação de
Sulley. Não que ajam momentos que põem essa amizade à prova, como quando Boo,
que até então em momento algum tem medo de Sulley, chamando-o até de “Gatinho”,
percebe o quanto ele pode ser assustador. Aliás, esse é um momento chave do
filme, pois é a partir daí que Sulley começa a se perguntar se realmente a
melhor forma de os monstros fazerem seu trabalho é traumatizando essas crianças
que nada lhes fizeram e não oferecem perigo algum. Além disso, tornando a
relação deles ainda mais única, Sulley de forma alguma é possessivo sobre ela:
Do começo ao fim, ele quer leva-la de volta ao seu quarto, nunca ficar com ela;
o que muda é a natureza da missão, com Sulley querendo que isso seja feito em
segurança, ainda mais quando ele percebe que há algo errado com o quanto
Randall parece querer Bu.

Tudo
isso, porém, não teria o impacto que tem se não fosse pelo quão bem escrito o
roteiro foi por Dan Gerson (que, aliás, na dublagem em inglês faz uma ponta
como dois zeladores idiotas). Isso porque, ao contrário de outros filmes
infantis inferiores, “Monstros S.A” em nenhum momento é apelativo. E não estou falando apenas no sentido emocional, que
seria o mais fácil de se apelar, estou falando em todos os sentidos: Nenhuma
cena dramática se rebaixa levando-se a sério demais e fazendo algo simples
parecer desnecessariamente trágico; nenhuma cena cômica se rebaixa levando-se a
sério de menos e tornando-se ridícula ou ofensiva; nenhuma cena de aventura se
rebaixa estendendo-se além do que deveria e tornando-se cansativa ou sendo
rápida demais a ponto de parecer que irá causar um ataque epiléptico; o filme
sabe quando deve ir em determinada direção e não em outra e, principalmente,
até que ponto ir nessa direção.
Avaliação: Vale muito a pena
Nenhum comentário:
Postar um comentário