sábado, 6 de fevereiro de 2016

Frozen

            O que falar de “Frozen” agora? Chega a parecer que todo mundo já viu esse filme! Pior: Todo mundo já falou montes sobre ele. Nada do que eu disser aqui será novidade.
            E ainda assim... Sinto-me quase na obrigação de critica-lo.

            É impressionante como que, mais de dois anos após seu lançamento, “Frozen” continua tão popular. Mesmo com tantas outras animações sendo lançadas, nenhuma parece competir com seu sucesso monstruoso. Para todo lado há mochilas de “Frozen”, brinquedos de “Frozen”, camisetas de “Frozen”, DVDs de “Frozen”, encenações para teatro de “Frozen”... E nem ouse começar a cantar “Let it Go” em uma escola, a menos que você queira começar uma revolução!
            E ainda assim, com tamanho sucesso, começa-se a pensar se o filme é tão bom assim.

            Não me olhem assim, vocês sabem que é verdade! Não existe tal coisa como um filme perfeito, e “Frozen” está longe de ser um! Não estou dizendo necessariamente que o filme é ruim, mas também... Merece mesmo tudo isso?
            Ok, como uma crítica normal a essa altura será incapaz de englobar todos os aspectos positivos e negativos de “Frozen”, vamos fazer aqui algo diferente: Vamos ver o que o filme tem a oferecer, como enredo, personagens e outros, e o que cada um tem de bom e de ruim. Algo como um “Prós e Contras”. Assim, agradarei tanto quem gostou quanto quem não gostou do filme. Ou então não agradarei a ninguém. Vamos começar então com:

ENRE...

            Ah, um último aviso para o caso de você ser um dos que ainda não assistiu o filme: Haverá spoilers todos os lados. Entendido? Vamos começar de novo:

ENREDO

            “Frozen” conta a história de Elsa e Anna, princesas do reino fictício de Arendelle. Elsa, a mais velha, nasceu com poderes mágicos que lhe permitem controlar neve e gelo. Porém, sem ter total controle sobre eles, quando criança ela quase matou sua irmã, resultando em Anna perdendo todas as suas memórias da magia e Elsa sendo trancafiada dentro de seu quarto para não expor seus poderes para ninguém. Os anos passam, e no dia da coroação de Elsa Anna anuncia que vai se casar com o príncipe Hans, que conheceu naquele mesmo dia. Isso causa uma briga entre as duas irmãs que faz com que Elsa sem querer libere seus poderes na frente de todo mundo, entre em pânico, fuja de seu reino e cause um inverno eterno em Arendelle. Anna, então, sai em busca da irmã para fazer com que ela traga o verão de volta, com a ajuda de Kristoff, um vendedor de gelo, e Olaf, um boneco de neve falante. As coisas complicam quando Elsa sem querer acerta Anna com sua magia no coração, fazendo-a lentamente congelar, e apenas um ato de amor verdadeiro pode impedir isso.

            Por um lado, “Frozen” traz uma abordagem consideravelmente diferente da Disney se comparado com os outros contos de fadas do estúdio. O relacionamento entre irmãs é algo curiosamente raro de se ver no cânone da Disney. Além disso, o relacionamento delas é bastante conturbado, tendo passado anos forçadamente separadas e estranhas uma à outra. Como se não bastasse, há também todo o arco envolvendo Elsa, que cresceu sentindo medo de seus poderes e agora de repente se vê livre para manifestá-los do jeito que quiser. Felizmente, fugindo do velho clichê de “poder corrompe”, isso não a torna uma vilã.
            Mas a cereja do bolo fica para o terceiro ato, quando o conceito de amor verdadeiro é desconstruído. Durante o filme inteiro Anna acredita que o ato de amor verdadeiro que irá salva-la é beijar Hans, mas então eis que este se revela o vilão. Acontece que o tal ato de amor verdadeiro que a salva não é no sentido romântico, mas sim fraterno, quando ela se coloca na frente de Elsa para salva-la de Hans. Mentes explodem em salas de cinema ao redor do mundo. Inúmeras (e perfeitamente legítimas) análises são feitas apontando o feminismo nessa história, como ela mostra um relacionamento sincero entre mulheres e que um homem não é uma necessidade na vida delas.

            Porém, a abordagem não é tão diferente assim. Além de “Lilo e Stitch” já ter falado antes sobre um relacionamento entre duas irmãs, o conceito de amor verdadeiro também já foi desconstruído antes. Muita gente elogiou que o filme, de uma forma meio cruel, tira sarro da ideia de filmes anteriores da Disney de um casal se apaixonando à primeira vista. Essas pessoas ao menos assistiram “Encantada”?! “Amor à primeira vista é irreal” era 90% do enredo daquele filme!
Além disso, ambos possuem uma mesma falha muito grande: Tiram sarro do amor à primeira vista, para a princesa se apaixonar por outro cara em 24 horas. Disney, se você quer tanto defender esse argumento, não faria sentido seus filmes se passarem ao longo de um pouco mais de um dia?
            E quanto às análises feministas... Elas continuam legítimas, mas “Valente” também fez isso primeiro.
Sem falar que a história é sobre uma membra de uma família real que foge após uma tragédia, e quando finalmente deixa seus problemas e preocupações de lado descobre que seu reino está à beira do colapso e sendo governado por um príncipe usurpador. Hum, não teve outro filme animado da Disney de sucesso com um enredo parecido?

            Nah, deve ser imaginação minha!
            E nisso temos toda a história de amor verdadeiro. Por mais que eu ache legal essa ideia que o filme passa de que o amor romântico não é o único que existe... Já não é hora da Disney parar de enfiar na nossa cara a mesma mensagem de que “o amor resolve tudo”? E com tudo, eu quero dizer literalmente tudo, com Elsa no final simplesmente gritando “Amor!” e bum, o verão voltou? Desculpe, mas eu não consigo levar isso a sério.

            Com isso dito, vamos para...

PROTAGONISTAS

            Devido aos anos de isolamento, Elsa e Anna cresceram sem saber lidar muito bem com outras pessoas. Porém, de formas diferentes: Elsa tem medo dos outros e evita qualquer contato para que ninguém saiba de seus poderes, pois daí terão medo dela e a odiarão (aparentemente, o mundo de Arendelle possui a mesma lógica que o dos X-Men). Anna, porém, sem saber o que temer, está disposta a se jogar no mundo depois de tanto tempo trancada no castelo, confiando ingenuamente em qualquer um que lhe apareça pela frente, a ponto de acreditar que está apaixonada apenas porque um cara lhe deu atenção.

                Por um lado, não vou mentir, essa introdução às personagens e aos seus dilemas é muito inteligente. Ainda mais considerando que nunca é explicitada em palavras, o que faz com que pareça mais natural. Nós não ouvimos ninguém criticar Elsa por ser fechada ou Anna por ser ingênua (talvez um pouquinho sobre Anna); nós vemos elas agindo assim. Além disso, o arco pelo qual Elsa passa é legitimamente interessante, com ela finalmente se sentindo feliz e livre para usar seus poderes como quiser depois que foge, apenas para desmoronar ao descobrir o mal que isso causou e perceber que não sabe como revertê-lo, e, quando descobre como fazer isso, se sentindo confiante pela primeira vez.
            Porém... O arco de Anna não é tão interessante e bem desenvolvido assim. Ela é fofa e ingênua no começo do filme, e continua fofa e ingênua no final. A única coisa que muda é que agora ela é capaz de dar um soco na cara de alguém. Sem falar que dá para criticar que sua personalidade é semelhante um pouco demais à de Rapunzel em “Enrolados”.
            Além disso, o próprio fato de Elsa ser uma rainha, algo tão elogiado como diferente dos outros contos de fadas da Disney, praticamente não faz diferença. Nunca a vemos assumir as responsabilidades que seu título lhe dá, ou dar ordens e lidar com as consequências delas. Em si, a única coisa que a diferencia de uma simples princesa é uma cena de coroação.
            Mas protagonistas não são o suficiente sem...

PERSONAGENS SECUNDÁRIOS E ANTAGONISTAS


            Além de Olaf, Kristoff e da rena Sven, que acompanham Anna em sua jornada, outros personagens secundários incluem os pais das irmãs, cuja função no enredo é morrer, mas não antes de trancafiarem suas filhas em casa por medo, mesmo quando os trolls lhes avisam que o medo será o inimigo de Elsa; e os trolls, cuja função é passar mensagens importantes para o filme.
            Quanto aos antagonistas, eles consistem apenas de dois, Hans e um tal de Duque de Weselton.

            Por um lado, fiquei surpreso com o quão não irritante Olaf é. Quando vi que um dos personagens do filme seria um boneco de neve falante, minha reação inicial foi “Ah, essa não!”. Mas Olaf é surpreendentemente carismático e engraçado em sua estupidez. Kristoff também não deixa de ser um bom personagem, e a relação de pirraças e gracejos entre ele e Anna é bem engraçada de se ver, mas ao mesmo tempo não deixa de ter certa evolução ao longo do filme, de forma que quando Anna percebe que ele a ama não parece algo saído do nada. Quanto a Sven, ele é uma adição divertida ao elenco, especialmente quando Kristoff utiliza a “voz” dele como desculpa para seus próprios diálogos interiores.
            Sobre Hans, tenho que admitir, eu não esperava que ele fosse o vilão. Está certo que era óbvio que ele não ficaria com Anna no final a partir do momento em que Kristoff aparece, mas não imaginava que fosse por esse motivo! Mas de nada adianta ser surpreendente se não for bom. E Hans é um bom vilão. Quando você descobre o esquema dele, percebe o quão maquiavélico e sociopático esse cara é. É difícil não passar a odiá-lo por isso.

            Porém... “Frozen” sofre de um típico excesso de personagens. Alguns, como o Duque de Weselton e um mercador que Anna encontra, não aparecem nem por cinco minutos e servem muito pouco para a história. Especialmente o Duque de Weselton. O mercador ao menos é engraçado, mas a única piada feita com o duque é em cima do nome do país dele.
            E acho que já falaram o suficiente sobre o quão insanos os pais de Elsa e Anna foram. Então a resposta deles para “O medo será o inimigo de Elsa” é fazê-la sentir medo de si mesma?! E trancar Anna junto?! E fazer com que elas se vejam o mínimo possível?! Uau. Mesmo para os padrões da Disney, esses pais são péssimos. Aliás, esqueça Hans: Esses são os verdadeiros vilões do filme!

            E quanto aos trolls, eles são mais aparelhos de enredo do que personagens de fato. Tudo o que fazem é explicar alguns elementos da história (que parece que ninguém entende direito) e cantar um número musical. Falando nisso...

CANÇÕES

            Ao todo, “Frozen” possui oito canções e meia (uma delas é meio que repetida), o que na Disney já é mais que o suficiente para considera-lo um musical.
Por um lado, por mais que metade da população mundial esteja cansada de ouvir as músicas de “Frozen” (e a outra metade esteja ainda cantando-as), elas estão entre as melhores compostas para a Disney nos últimos anos. Não estou brincando! “Let it go” é uma canção muito boa! Isso não me impede de querer furar com um pedaço de gelo a garganta do próximo que ouvir cantando-a, mas ainda assim quando assisto “Frozen” sou capaz de apreciar sua trilha sonora. E não é só “Let it go”: A maioria das canções do filme são boas. São bem cantadas, tem letras interessantes, e o mais importante, efetivamente contam a história. Algumas delas, como a primeira (não me force a pesquisar o nome), possuem em suas letras pontos importantes para uma compreensão mais aprofundada do filme.
Porém, com oito canções (e meia), é difícil que todas sejam ótimas. E adivinhe só, nem todas são. A canção de Olaf é particularmente difícil de lembrar e é absolutamente inútil dentro do contexto do filme: Ele já havia dito que queria saber como era o verão antes de cantar, e depois que a canção termina todos agem como se nada tivesse acontecido. A mesma coisa acontece com a canção dos trolls: É quase impossível de se lembrar mais do que algumas palavras quando se assiste pela primeira vez e só serve para mostrar o quão malucos elessão, o que já havia sido mostrado antes sem música!

            Por fim, mas não menos importante, temos o que dá vida a tudo isso:

ANIMAÇÃO E DESIGN

            Além de ser uma animação computadorizada, “Frozen” possui o que parece ser o novo design de personagens da Disney, com a parte superior da cabeça (olhos e testa) anormalmente grande e a parte inferior (nariz, boca e queixo) pequena e fofinha, a exceção sendo alguns dos personagens masculinos. Além disso, é difícil falar sobre Arendelle sem citar o fato de que sua geografia e cultura são fortemente inspiradas na Escandinávia, principalmente Noruega.

                Por um lado, tal ambientação nunca tinha sido usada antes nas animações da Disney, e além de trazer alguns aspectos culturais diferentes, os fiordes e montanhas noruegueses dão ao filme a impressão de ter uma escala muito maior do que realmente tem. Quando se pensa bem, a jornada de Anna para encontrar Elsa e voltar não é nenhuma viagem do Condado até Mordor, ao ponto de durar nem 24 horas. Mas quando você a vê atravessando fiordes, escalando montanhas e percorrendo florestas escuras com neve até os joelhos, a impressão é de algo enorme e épico.
            Além disso, não há qualquer dúvida de que a animação computadorizada de “Frozen”, quando quer ser espetacular, é realmente espetacular, tanto nos pequenos detalhes quanto nos grandes. Todo fio de cabelo, todo botão de roupa, todo laço possui uma textura identificável. Da mesma forma, mesmo os grandes cenários, como a montanha aonde Elsa se esconde, a cachoeira congelada e o castelo de Arendelle, possuem uma grande riqueza de detalhes. E o palácio de gelo, então...
                Sem falar na expressividade dos personagens.

            A expressão de Anna nessa cena não tem preço.
            Porém... Nesse quesito estarei sendo bem cri-cri, porque gostei da animação de “Frozen”, mas... Admito que os design dos personagens podiam ser mais originais. Eu sei que a padronização dos designs da Disney é intencional, mas acaba ficando sem graça quando Anna parece uma Rapunzel de cabelo curto e a coelha Hopps de “Zootopia” parece uma Anna peluda. Não seria mais interessante usar as possibilidades criativas da animação computadorizada para dar aos filmes designs e visuais diferentes, ao invés de iguais?

            E mesmo os cenários, que gostei tanto, têm seus problemas: Boa parte do filme se passa de noite ou em cenários escuros, e na neve, então em metade das cenas a paleta de cores se resume a basicamente diferentes tons de preto, cinza e branco.

            Pronto! Consegui desagradar tanto a quem gostou quanto a quem não gostou de “Frozen”! Então... Qual é a minha opinião pessoal?
            Sim, concordo que “Frozen” possui vários problemas, que fazem com que seu enorme sucesso pareça quase injustificável. Mas ainda acho que merece pelo menos ser visto. Como eu disse antes, não há tal coisa como um filme perfeito; o que há, porém, são filmes cuja qualidade de seus bons elementos supera seus defeitos. E boa parte dos defeitos de “Frozen” foram notados depois de bater todo tipo de recorde de bilheteria e vendas de produtos, quando as pessoas começaram a perceber que filmes melhores surgiam e não alcançavam metade desse sucesso. Eu mesmo, boa parte desses defeitos fui notando agora, enquanto escrevia. Então, se o filme conseguiu me distrair assim de seus problemas quando assisti, acho que ele merece minha...


Avaliação: Vale a pena. Apenas... Parem de cantar “Let it go”. Sério.

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