domingo, 28 de fevereiro de 2016

O Quarto de Jack

            Aviso: Essa crítica pode conter spoilers do filme. A menos que você tenha assistido o trailer, que conta quase toda a história. Nesse caso, nada do que direi aqui será novo. Mas, ainda assim, tentarei ser bonzinho e avisarei quando os spoilers começarem.

            Com a cerimônia do Oscar batendo na porta (e a volta às aulas na faculdade logo atrás, o que com certeza tornará minhas postagens mais esporádicas), está na hora de finalmente falar de um dos concorrentes ao prêmio de Melhor Filme desse ano. E, por mais que eu gostaria de falar de todos os concorrentes, irei falar aqui apenas do um único que assisti até agora. Por que não assisti todos? Porque sou um completo idiota. Ou porque eu estava ocupado demais assistindo Scooby-Doo. De um jeito ou de outro, nada justifica eu estar tão desatualizado. Mas enfim, vamos falar de “O Quarto de Jack”.

            Baseado em um romance de Emma Donoghue (que também escreveu o roteiro do filme), “O Quarto de Jack” conta a história de uma mãe (interpretada por Brie Larson) e seu filho, Jack, de cinco anos (interpretado por Jacob Tremblay). Nos primeiros dois minutos parece que eles tem uma vida quase normal, vivendo em um quarto minúsculo e sem nenhum luxo (o máximo sendo uma televisão velha).
Não demora muito, porém, para o público descobrir que a situação deles é tão longe do normal quanto possível: Sete anos antes, quando a mãe, que mais tarde descobre-se que se chama Joy Newman, tinha 17 anos, ela foi sequestrada por um homem conhecido apenas como Velho Nick (interpretado por Sean Bridgers), que a trancafiou em um galpão no jardim dos fundos de sua casa, o tal Quarto onde ela e Jack vivem, e cujo único jeito de sair é através de uma porta blindada que só pode ser aberta através de um código, que apenas Velho Nick sabe. Jack é na verdade filho de Joy com Velho Nick, que vem ao Quarto toda noite para estupra-la, o que Jack não vê pois sua mãe o bota para dormir dentro do armário. Para Jack crescer como uma criança tão normal quanto possível dentro do Quarto, Joy lhe disse que o Quarto é o mundo inteiro, que só o que há dentro dele é real. Fora dele, há apenas o espaço, e nada do que aparece na televisão é real.

            Joy, porém, percebe que a situação dela e de Jack atingiu o limite quando Velho Nick lhe conta que está desempregado há seis meses, e não terá mais como sustenta-los como antes. Eles passam a receber menos comida, Velho Nick não compra mais as vitaminas necessárias para compensar a dieta pobre dos dois, e o aquecimento é momentaneamente cortado. Além disso, após um incidente Velho Nick vê Jack pela primeira vez, e Joy passa a temer pela segurança de seu filho. Um plano de fuga torna-se uma necessidade urgente, mas vendo que não há como ela própria fugir, Joy resolve finalmente contar para Jack sobre o mundo fora do Quarto e tentar convencê-lo a colaborar em um plano que envolve ele fugir e pedir por ajuda a alguém.
            Ok, em primeiro lugar: Aprisionamento e abuso sexual, por mais horrível que seja, é um fato real assustadoramente comum: Quase todo ano aparece uma notícia de alguma mulher que consegue escapar após passar anos trancada e sendo estuprada, o caso mais famoso sendo o da austríaca Elisabeth Fritzl, cujo próprio pai a trancou no porão de sua casa e a estuprou por 24 anos, gerando-lhe sete filhos (Emma Donoghue afirmou que inspirou-se nesse caso para escrever o romance). Porém, não é um assunto sobre o qual é tão fácil de fazer um bom filme, ainda mais um fictício. É fácil fazer algo apelativo, que não aborde de forma realista todos os aspectos de um tema tão difícil de engolir. E então, como “O Quarto de Jack” se sai?

                Uma escolha no mínimo interessante (pra não dizer muito boa) feita foi abordar essa história do ponto de vista de Jack. É ele que narra a história, e tudo gira em torno de como ele reage à revelação de que há todo um mundo fora do Quarto, ainda mais considerando que jamais sequer passou pela sua cabeça o simples conceito de “fora”. Pode parecer a princípio que tal escolha foi feita apenas para tornar a história mais fácil de engolir, ainda mais considerando que, assim como Jack, nunca vemos de fato Joy sendo estuprada, apenas ouvimos barulhos.
Mas que belo engano é tal pensamento! O que acontece de fato é que não apenas o filme não fica nem um pouco mais fácil de engolir, como também se torna muito mais angustiante: Jack não consegue aceitar que existe um mundo real fora do Quarto, achando que sua mãe está mentindo, e é incapaz de entender a situação desesperadora que vivem, e que eles simplesmente precisam sair de lá. Para ele, o Quarto é tudo que ele conhece e há para conhecer, e ele está contente com isso. Não há, do seu ponto de vista, qualquer motivo para sua mãe querer tanto sair de lá. Aliás, o que é afinal sair?! Por que ela insiste tanto agora em lhe contar mentiras sobre um mundo real além do Quarto, se ela havia antes lhe explicado que tal coisa só existia na televisão?

            Como se essa versão mais realista da Alegoria da Caverna de Platão (ora, vamos, vocês têm que se lembrar disso das aulas de filosofia!) não fosse angustiante o suficiente, há o fato crítico de que, bem, Jack é uma criança de cinco anos, e age como tal. Logo no começo, ele faz birra com sua mãe porque ela lhe prometeu um bolo de aniversário para comemorar seus cinco anos, porém na hora que ela lhe mostra o bolo este não tem velas, portanto não pode ser um bolo de aniversário. E não é nem preciso imaginar o desespero de Joy ao perceber que essa é sua única esperança de sair do Quarto: Quando ela tenta explicar a Jack que Velho Nick a enganou e trancou no Quarto dizendo que tinha um cachorro doente e pedindo para ela ajudar, Jack nem espera ela terminar e já pergunta qual era o nome do cachorro. Qualquer um perderia a paciência e gritaria “O cachorro não era real!”, e é exatamente isso que Joy faz.
Jack, como qualquer criança de cinco anos, não se importa muito com as coisas que são realmente vitais, e se recusa a colaborar com a fuga apenas porque sua mãe assim diz para ele fazer, chorando e gritando que a odeia quando ela tenta ver se é possível enrola-lo no tapete do Quarto. A angústia só aumenta quando o plano finalmente é posto à prova, e o público fica apenas se perguntando como é que tal pirralho (nada pessoal, todos fomos assim aos cinco anos) vai reagir ao mundo exterior.

            Nada disso seria possível, porém (quantas vezes já escrevi isso nesse blog? Preciso começar a ser mais original), se não fosse pela dupla de atuações de Larson como Joy e, principalmente, Tremblay como Jack. Quanto a Larson, já a elogiei brevemente em “Anjos da Lei”, onde ela conseguiu ir além do simples papel de adolescente bonita e agir de forma quase igual à colega ao lado de quem você sentava no ensino médio. Ter isso em mente apenas me faz ficar ainda mais surpreso com sua atuação em “O Quarto de Jack”, não apenas diametralmente oposta à “Anjos da Lei” (como atuação e como filme), mas também aonde ela tem o duplo desafio de agir tanto como uma mãe que tenta criar o filho de forma normal (desafio reforçado pelo fato de nem a Wikipedia nem o IMDb citarem qualquer coisa de a atriz ter filhos, o que me faz concluir que ela não tem), quanto de agir como uma mulher que passou por uma situação tão desesperadora como a da personagem.
E, adivinha só, ela é bem-sucedida em ambos os desafios, interagindo e falando com Tremblay/Jack da mesma forma como uma mãe interagiria e falaria com seu filho de cinco anos (e, com isso, quero dizer uma mãe de verdade, não uma dessas mães de comercial de margarina, mas sim uma que por vezes perde a paciência com o filho e grita com ele), e ao mesmo tempo tendo perfeita noção de que está em um mesmo espaço de poucos por poucos metros quadrados há sete anos, obrigada a receber e se deixar ser estuprada pelo cara que a trancou lá em primeiro lugar (aliás, um breve elogio a Sean Bridgers, que interpreta um cara desprezível que não vê absolutamente nada de errado no que faz).

            Mas a grande glória vai para Jacob Tremblay, que aos oito anos teve que aparecer em frente às câmeras por 90% do filme. E qualquer um que já assistiu uma peça de teatro de escola sabe que crianças são criaturas difíceis de se extrair uma boa atuação. Não bastasse isso, o papel de Tremblay exigia ele tratar Larson como uma mãe e agir como um menino que nunca viu coisas como folhas, cachorros ou sequer pessoas que não sejam sua mãe e Velho Nick. Isso sem falar em toda a agitação emocional pela qual seu personagem passa, entre estar feliz, triste, com raiva, estupefato e, acima de tudo, muito confuso. É uma quantidade de desafios com os quais não é nem todo ator adulto que seria capaz de lidar, quanto mais uma criança. Tremblay soar minimamente convincente já seria uma vitória, mas eis que ele se mostra uma revelação mirim (seu único outro papel creditado em um longa-metragem foi em “Smurfs 2”, ou seja, ainda dá pra chama-lo de revelação) de mesmo nível que Haley Joel Osment em “O Sexto Sentido”, embora por algum motivo não tenha sido indicado ao Oscar, ao contrário de Larson, que está concorrendo a Melhor Atriz.

            É aqui que os spoilers começam. Se você não assistiu o trailer ou o filme, sugiro pular direto para a avaliação.

            Seria de se imaginar que a vida de Joy e Jack no Quarto e sua fuga de lá ocuparia o filme inteiro. Mas eis que, para a surpresa do público, tudo isso é apenas metade da história. Após Jack conseguir escapar e explicar, em seu próprio jeito confuso, para a polícia onde sua mãe está, eles passam a morar então na casa dos pais de Joy, ou, melhor dizendo, da mãe dela (interpretada por Joan Allen), já que durante os anos que ela esteve desaparecida seus pais se divorciaram e a mãe agora mora com seu novo parceiro Leo (interpretado por Tom McCamus).
 
            E eis o momento em que o filme deixa de ser apenas um filme muito bom e passa a ser um filme genial. O que uma combinação de roteirista/autora e diretor medíocres tornariam apenas uma hora de encheção de linguiça melosa, com a mãe mostrando o mundo ao filho de forma parecida com o episódio “Susana Forte” de “Hora da Aventura” (Nada contra “Hora da Aventura”, tenho até amigos que gostam, mas uma coisa são dez minutos de “Oh, grama!”, outra coisa é uma hora), uma combinação genial como Emma Donoghue e o diretor irlandês Lenny Abrahamson (o mesmo do filme indie “Frank”) tornam um interessante paralelo com a primeira metade, e tão angustiante quanto.
Enquanto na primeira metade era Jack que não conseguia se adaptar a descobrir essa nova realidade e Joy tinha que ser a cabeça pensante capaz de salvar os dois dessa situação desesperadora, na segunda metade os papeis se invertem: É Joy que se revela incapaz de seguir em frente nessa nova etapa de sua vida, mostrando-se irritadiça com tudo e todos e apresentando sinais de depressão, especialmente após uma entrevista que, sem revelar muita coisa, digamos apenas que dá muito errado; e é Jack, que está apenas começando a descobrir o que é possível fazer nesse tal “mundo”, que tem que descobrir uma forma de salvar sua mãe.
Ao mesmo tempo, veem-se também, através dos olhos de Jack, as diferentes reações da mãe de Joy, do pai dela (interpretado por William H. Macy, de todas as pessoas!) e de Leo à volta de Joy e ao filho que ela traz agora consigo após sete anos desaparecida: Enquanto a mãe quer recomeçar a vida da família e reconectar com a filha, o pai tornou-se distante com os anos, o que piora já que ele não consegue dissociar Jack da sombra de seu progenitor; Leo, por sua vez, parece não se importar muito com isso, e é o mais interessado em introduzir o mundo ao menino.
Abordar a introdução de uma criança que cresceu isolada ao mundo e a reintrodução de uma vítima de sequestro e/ou estupro já foram feitos antes em outros filmes; “O Quarto de Jack”, porém, não apenas aborda ambos os temas ao mesmo tempo, sem apelar para o melodrama; não apenas intercala ambos os temas, mostrando mãe e filho crescendo e evoluindo juntos, apesar de suas falhas; como também faz isso através de uma estrutura narrativa que justifica perfeitamente seu tempo de duração que, embora seja de apenas pouco menos que duas horas, poderia, em mãos menos sábias, tornar-se desnecessariamente longo. Nada parece encheção de linguiça. Torna-se necessário dar uma hora para o “Quarto” e uma hora para o “Mundo”, para mostrar de forma realista o significado e as implicações que cada ambiente traz para Joy e Jack, e como ambas as partes, assim como ambos os personagens, se completam em uma grande obra.


Avaliação: Vale muitíssimo a pena. Vejamos hoje à noite o que o Oscar trará a esse filme.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Mortal Kombat


            - Meu deus, que filme lixo!
            - Como você ousa?! Esse filme foi sensacional!
            - Mas...
            - MORTAL KOMBAT!!!! TAN TAN TAN TAN TANTANTAN TAN TAN...
            - Tá bom! Você está cantando essa música desde que o filme acabou! E isso já faz duas horas!
            - E continuarei cantando pelos próximos vinte anos!
            - Não duvido disso.
            - E você viu o Scorpion e o Sub-Zero? Eles pareciam iguaizinhos aos do jogo!
            - Eu não me lembro do Scorpion atirar cobras, mas que seja...
            - E o filme todo, era tão parecido...
            - Epa, epa, epa! Pera aí que agora você está viajando! Como assim, o filme é tão parecido com o jogo?!
            - Ah, em tudo! Os personagens parecem iguais, a atmosfera toda é parecida, a história é a mesma do jogo, tem um monte das falas...
            - Você ao menos jogou Mortal Kombat?!
            - Claro que sim! Com você, não se lembra?!
            - Eu me lembro, mas queria saber se você se lembrava! Porque o jogo que eu me lembro de ter jogado era bem diferente disso que acabamos de assistir!
            - Como assim?! O que há de diferente?
            - Posso resumir em uma palavra.
            - Qual?
            - SANGUE! Quando é que aparece uma única gota de sangue no filme?! Quando é que alguém tem a cabeça esmagada, ou o corpo torcido até partir no meio?! Não foi exatamente por isso que começamos a jogar o jogo?!
            - Ah, tem algumas mortes violentas!
            - E não vemos nenhuma delas! Quando o Shang Tsung mata o irmão do Liu Kang, só vemos o rosto dele! Quando a Sonya mata o Kane, só vemos o rosto dela! E quando o Liu Kang mata o Reptile, o que é que vemos?!
            - Ah, mas a morte do Scorpion foi legal, vai!
            - Tá bom, uma morte legal no filme inteiro. Uma! Em um filme de Mortal Kombat! Como é que isso é possível?! Deveria chover sangue do céu do começo ao fim!
            - Ah, mas eles precisavam amenizar um pouco a violência para as crianças poderem assistir.
            - QUEM É O DOENTE QUE LEVA UMA CRIANÇA PARA ASSISTIR “MORTAL KOMBAT”???!!!
            - Está bem, está bem, fica calmo! Pode não ter tido tanto sangue quanto devia, mas ao menos as sequências de artes marciais foram bem-feitas...
            - Isso é, quando não estavam em câmera lenta...
            - E os cenários e locais todos onde o filme foi filmado eram super legais, bem exóticos! Realmente parecia uma coisa de outro mundo! Nisso você tem que admitir que o filme foi eficiente!
            - Um outro mundo chamado Tailândia...
            - Ah, deixa de ser estraga-prazeres! E daí que eu gostei e você não?
            - E daí que assim que comecei a explicar porque que não gostei do filme você me cortou e começou a cantar a música!
            - MORTAL KOMBAT!!!! TAN TAN TAN TAN TANTANTAN TAN TAN...
            - Está vendo?!
            - Aff!
            - ...
            - ...
            - ...
            - Ao menos foi melhor que o filme do Street Fighter.
            - Nisso você tem absoluta razão.
            - E a trilha sonora é sensacional.
            - Então compre o CD!
            - Realmente não tem jeito de te satisfazer, não?
            - O que posso fazer se o filme não me satisfez?!
- Mas é também porque você já é viciado no jogo.
- Você também é, admita! Mas não é isso. Achei tão... Tão... Qual é a palavra mesmo?
            - Insatisfatório?
            - Brega! Essa é a palavra! O visual todo do filme é brega!
            - Eu não achei isso um problema. Pra falar a verdade, achei até apropriado ele ser tão brega. O jogo também não é assim?
            - É que... Hum... Bem... Está bem, você está certo quanto a isso, o jogo também é brega.
            - Ahá! Admitiu finalmente que não está sempre certo!
            - Mas pelo menos o jogo é brega, mas é também violento!
            - Por que pra você todo filme fica melhor quando tem sangue? Estou começando a ficar com medo.
            - Não é todo filme que fica melhor quando tem sangue, mas esse com certeza ficaria! O sangue era metade do charme dos jogos do Mortal Kombat. Você tira ele e tem apenas um filme brega de artes marciais! E não só brega, é... Qual o meu problema com palavras?.. Ultrapassado! Isso! Você elogiou tanto o visual do filme, dizendo que ele parecia sobrenatural, de outro mundo, exótico, essas coisas? Bom, eu achei ultrapassado. Pareceu-me que as artes conceituais foram feitas todas na época do “As Aventuras do Bairro Proibido” e então guardadas em uma gaveta por dez anos!
            - “As Aventuras do Bairro Proibido” é legal.
            - Porque foi feito na época certa para o seu jeitão todo. “Mortal Kombat” tem o mesmo jeitão e foi feito em pleno 1995!
            - Você só diz isso porque não gostou de nenhum filme nesse ano. Você nem gostou de “Duro de Matar 3”!
            - Não gostei mesmo! E não é verdade que não gostei de nenhum filme nesse ano! “Apollo 13” foi legal!
            - E foi um drama, grande coisa.
            - “Maré Vermelha” também foi legal.
            - Outro filme com pouca ação.
            - Droga, é verdade... Mas pelo menos você estava errado quanto a eu achar que todo filme fica melhor quando tem sangue.
            - Está certo, nenhum desses tinha. Mas ora, vamos, liberte pelo menos uma vez esse seu adolescente interior e se empolgue com alguma coisa! E “Mortal Kombat” tem tudo o que seu adolescente interior poderia querer: Artes marciais, locais exóticos, atmosfera sobrenatural, trilha sonora incrível! E daí que é brega?
            - E daí que é brega e sem conteúdo! Quer fazer um filme brega? Faça! Esse  tal de Tarantino parece gostar de fazer filme assim parecendo brega, mas ao menos ele faz com conteúdo!
            - Que conteúdo você sentiu falta?
            - O roteiro é muito simples! Metade do enredo se constrói sobre Raiden reunindo esses personagens para irem lutar no torneio em uma ilha, e a outra metade se constrói basicamente sobre lutas e o Raiden falando. É sempre assim, não reparou? Raiden fala alguma coisa, alguma luta acontece, Raiden fala alguma coisa, alguma luta acontece, e vai indo assim até o fim do filme! Meio pobre, não?
            - Mas também, é baseado em um jogo de luta! Você queria o que, um roteiro digno de Oscar?!
            - Aí que está: Eu admito que é difícil nesse caso fazer um roteiro merecedor de algum grande prêmio, mas ao menos eu quero me entreter um pouco com ele. E se eu não consigo me entreter com o enredo, pelo menos quero me entreter com os diálogos.
            - Eu ri muito com os diálogos!
            - De tão ruins que eram! E as atuações não ajudam nem um pouco a leva-los a sério!
            - Ah, deixa os acaras em paz, nenhum deles é um ator muito conhecido!
            - Em primeiro lugar: Christopher Lambert é um ator conhecido sim, e parecia que ele sabia que estava em um filme ruim, então encheu a cara antes das filmagens.
            - Eu achei ele engraçado.
            - E em segundo lugar: Ser desconhecido não te dá permissão para ser ruim.  Especialmente tão ruim! Nenhuma atuação, absolutamente nenhuma estava nos padrões, quanto mais acima deles! Não só o Christopher Lambert, que estava ridículo fazendo aquela vozinha rouca, todos! Especialmente o, como é mesmo o nome do ator que faz o Shang Tsung?
            - Alguma coisa Tagawa, não prestei atenção.
            - Enfim, ele estava quase ótimo de tão ruim! Aquela primeira cena, quando ele mata o irmão do Liu Kang? Eu quase morri de rir com a cara que ele faz naquela cena! E quando ele rouba a alma daquele cara, aponta o dedo pra câmera e diz “Fatality!”...
            - Se bem, que, sendo sincero, não acho que ninguém faria aquilo com uma cara séria.
            - Exato! Mas gente, ele é uma pérola da atuação ruim! Qual que é a dele?! Por acaso o diretor contratou o primeiro ator que apareceu atrás do papel?!
            - Nah, não pode ser! Isso seria até irresponsável!
            - Ah, não sei! Ah, outra atuação ruim: A... Qual o nome da que faz a Kitana?
            - Não me pergunte.
            - Enfim, ela também estava mal. Mas ela nem ao menos estava atuando mal de um jeito engraçado. Ela apenas estava lá, com aquela cara de peixe morto!
            - Verdade. Ela nem fez lá muita coisa durante o filme, pensando agora.
            - Imagino que tinha algo parecido com um romance entre ela e o Liu Kang, mas terminou em lugar nenhum.
            - Eu juro que eles deveriam estar apaixonados, mas eles nunca se beijam ou falam qualquer coisa que não seja referente ao torneio... Mas quem precisa de romance? Esse é um filme de luta! Quem se importa com atuações? Ao menos a habilidade deles na hora das lutas é impressionante!
            - De novo, quando a luta não está em câmera lenta pra esconder o fato de que as coreografias não são tão rápidas assim...
            - E além disso, a produção toda do filme tem seu valor! Você viu o Goro?! Nem dá pra acreditar que foi feito por computador!
            - É verdade. Mas já que eles tinham essa tecnologia toda podiam ter melhorado os movimentos da boca dele. Sério, aquela boca que só abria e fechava e nada mais estava me irritando!
            - Ah, aí você está sendo cri-cri!
            - É, talvez você tenha razão.
            - ...
            - ...
            - ...
            - Mas ainda assim, que filme mais bestinha, não? Parece coisa de “Sessão da Tarde”.
            - Você que diz isso. Eu gostei. Mal posso esperar pela continuação!
            - A continuação já saiu, esqueceu? Não estamos mais em 1995, estamos em pleno 2016! Tem até agora uma série de Mortal Kombat na internet que dizem que é legal! Aliás, nós nem existimos de verdade, isso é tudo invenção de um moleque que nem era nascido na época e só está aqui, sozinho com seu computador, escrevendo asneira porque não tem nada de mais útil pra fazer!
            - Ah é, verdade!
            - ...
            - ...
            - ...
            - Ei.
            - Que foi?
            - MORTAL KOMBAT!!!! TAN TAN TAN TAN TANTANTAN TAN TAN..,
            - Ah, fazer o que? TAN TANTANTAN TAN TAN TAN TANTANTAN TAN...


            Avaliação: Não vale a pena.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Anjos da Lei

            Ok, então um dia desses eu estava checando a TV, apenas exercitando o polegar com o controle, quando passo os olhos por esse filme chamado “Anjos da Lei”. A maioria já deve ter ouvido falar dele, e muitos já devem até ter visto esse filme. Eu assisti com não muita expectativa. Já tinha ouvido falar bem dele, e já tinha ouvido falar bem de sua continuação (o que acreditem em mim quando digo que é algo raro em comédias!), mas achava que só seria mais uma comédia do tipo buddy cops, dessas que Hollywood lança quase todo ano e todo mundo ri na hora que assiste, mas depois de um tempo todo mundo esquece. Mas assisti o filme mesmo assim. E assim que terminei de assisti-lo, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi:
            “PQP, COMO É QUE NUNCA ASSISTI ESSE FILME ANTES?!”

            Em primeiro lugar, para os fãs de plantão, se é que há algum: Eu estou ciente de que esse filme é baseado na série de TV “21 Jump Street”, que basicamente revelou Johnny Depp nos anos 80, na época em que ele era apenas um dos moleques que morrem em “A Hora do Pesadelo” ou então um dos soldados que morrem em “Platoon”. Também estou ciente de que a série é bem mais dramática do que cômica, ao contrário do filme, e que este até faz parte oficialmente do mesmo universo e é considerado uma continuação da série (Johnny Depp até mesmo mostra a cara em uma cena). Mas adivinha só? Nada disso importa! Por quê? Porque quando assisti o filme pela primeira vez eu não sabia de nada disso, e adivinhem só, eu me diverti montes! Porque o filme não é apenas hilário, mas também tira sarro não apenas de um, mas dos dois gêneros tipicamente americanos que o tornaram possível: Os filmes de buddy cops e as comédias adolescentes de colegial.
            A história gira em torno de dois policiais, Morton Schmidt (interpretado por Jonah Hill) e Greg Jenko (interpretado por Channing Tatum). Ambos estudaram no mesmo colegial quando adolescentes, onde Schmidt era o típico nerd tímido e Jenko o típico bombadão idiota. Na academia de polícia, eles acabam tornando-se amigos, mas ao se formarem são designados com um trabalho enfadonho em um parque. Eles até conseguem prender um cara, mas são obrigados a solta-lo logo em seguida depois que esquecem de dizer a ele seus direitos (você tem o direito de permanecer em silêncio, tudo o que disser pode e será usado contra você, todos já vimos isso em filmes). Seu chefe, porém, decide lhes dar uma segunda chance. Segundo ele, a polícia está revivendo um programa de infiltração dos anos 80. Ele diz: “Os caras responsáveis por essa coisa não têm criatividade e estão completamente sem ideias, então tudo o que eles fazem agora é reciclar m&rd@ do passado e esperar que a gente não note”. (eu vi o que você fez aí, filme!)

                O programa consiste de pegar policiais que pareçam jovens, reuni-los em uma base disfarçada de igreja coreana, com o crucifixo de um Jesus coreano (te desafio a não rir toda vez que os personagens dizem essa combinação de palavras em voz alta), e infiltra-los em colegiais. Mas não basta eles apenas parecerem jovens: Eles precisam também se enturmar com os alunos para descobrir o que está acontecendo, e para isso precisam agir como os típicos estereótipos que se vê em filmes dos anos 80 (o nerd, o atleta, a gostosa, lembra deles?). O próprio chefe deles (interpretado pelo rapper Ice Cube) parece orgulhoso de ser o estereótipo do chefe de polícia negro irritadiço, não falando uma única frase sem incluir a palavra “motherf#ck&r” no meio.
            Schmidt e Jenko são então designados para se disfarçarem de irmãos e se infiltrarem em um colegial onde uma nova droga sintética chamada de PQP (ou HFS, em inglês) está se espalhando, chamando a atenção depois de matar de overdose um estudante branco (porque, como Ice Cube enfatiza, se o moleque fosse negro ninguém se importaria). Ao chegarem no primeiro dia de aula, porém, Schmidt e Jenko têm a grande surpresa de que esse não é o mesmo colegial em que estudaram, aonde daria certo agir como os estereótipos que foram encarregados de interpretar: Esse é o colegial da geração pós-“Glee”, aonde ser legal é ser ecológica e politicamente correto; se esforçar nos estudos é normal e não mais motivo de chacota; há novas tribos como os hipsters, que eles não fazem a menor ideia do que são; e fazer bullying imediatamente te torna odiado pela escola inteira.
Ok, por onde começo a falar dos pontos positivos desse filme? Vejamos, como a maioria dos filmes de buddy cops, é impossível falar de “Anjos da Lei” sem comentar e avaliar a dupla de atores principais. Nesse caso, Hill e Tatum. Pessoalmente, quando notei que esses seriam a dupla que teria que interagir um com o outro durante o filme inteiro, fiquei meio apreensivo. Afinal, Jonah Hill é mais conhecido como o gordinho engraçado em... Bem, em praticamente todo filme em que ele já atuou. E Channing Tatum, por outro lado, é mais conhecido atualmente como o cara que fez strip-tease em “Magic Mike”, e também como o ator cujo tanquinho é mais bonito de se ver do que sua atuação. Vamos admitir, não é exatamente o tipo de dupla que se espera dar certo e interagir bem um com o outro, não?
E qual foi a minha surpresa ao vê-los lado a lado nesse filme! Quem diria que dois atores com personalidades e carreiras tão diferentes pareceriam feitos um para o outro! Eu não sei muito sobre a vida pessoal deles, mas depois desse filme eu não me surpreenderia se me dissessem que Hill e Tatum são amigos na vida real. Se isso não for verdade, então irei me arrepender de todo o tempo que olhei torto para a atuação de Channing Tatum.
Mas não basta as atuações serem boas: A história do filme (que o próprio Jonah Hill ajudou a escrever) colabora para a química entre eles. Você tem esses dois caras que entram nesse ambiente achando que o conhecem, e já estão psicologicamente preparados para um ser o popular e o outro não. Mas, à medida que interagem com os estudantes dessa nova geração, o que acontece é o contrário: Schmidt, que sempre foi ostracizado quando adolescente, de repente se vê popular como sempre quis, e acaba envolvendo-se fundo demais no caso e tornando-se amigo dos distribuidores de PQP (que logo no começo revelam-se como sendo os ecochatos populares), atrapalhando a investigação; enquanto que Jenko, acostumado a se dar bem no colegial apenas por ser bonito e não se esforçar, vê-se na mesma posição que Schmidt vivia, tendo até que se enturmar com os alunos nerds depois que confunde sua identidade falsa com a de seu colega e passa a ter que frequentar as aulas de química avançada.
E não é só Hill e Tatum: Outros atores coadjuvantes fazem trabalhos surpreendentemente bons, especialmente Ice Cube, que parece ter nascido para interpretar o papel do chefe deles. O que é surpreendente, considerando que até então ele nunca havia sido considerado um grande ator. Não estou exagerando quando digo que ele tem quase tanto direito de chamar qualquer um de “motherf#ck&er” quanto Samuel L. Jackson. Quase. Outra que merece crédito é Brie Larson, que interpreta a estudante por quem Schmidt se apaixona (mas não se preocupem, o filme enfatiza que a personagem é maior de idade. Ufa!).

            Mas a verdadeira pérola do filme, que o torna extremamente engraçado (e muito mais inteligente que a típica comédia americana), é o quanto ele é autoconsciente. Todos os envolvidos nele sabiam que era preciso fazê-lo seguindo a mesma premissa da série, mas ao mesmo tempo tinham noção do quanto que os tempos mudaram em três décadas. A adolescência atual já não é a mesma dos filmes de John Hughes (“O Clube dos Cinco”, “Curtindo a Vida Adoidado” e praticamente toda comédia adolescente dos anos 80 que você conseguir imaginar). Os velhos estereótipos adolescentes, embora ainda sejam reconhecíveis, já não possuem o mesmo impacto de antes. Mas, o estúdio tem os direitos sobre a série e já está na hora de fazer um filme antes de perdê-los, então fazer o que, né?
            E então o filme diz “Ok, sabemos que estamos tentando fazer algo dos anos 80 funcionar na era do Youtube e do Twitter. Vamos fazer então com que isso funcione!”.
Assim eis que, tal qual a série, que na época tinha relevância tanto para o público adolescente (que se identificava com as tribos urbanas e o ambiente do colegial) quanto adulto (que se identificava com os adultos tentando se passar por jovens e se enturmar), o filme de “Anjos da Lei” também apela para ambos, porém de forma diferente: Os adolescentes se identificam com as referências à vida moderna, como a internet e os novos gostos musicais, além das novas preocupações que adolescentes atuais têm com os problemas globais e sociais (aquecimento global, homofobia, racismo, tudo isso está na boca dos adolescentes atualmente, coisas com as quais até alguns anos atrás os jovens nem se importavam); e os adultos se identificam com a confusão dos dois policiais ao verem que os novos jovens comportam-se de maneira completamente diferente de como eles se comportavam com a mesma idade.
Quantas vezes você, jovem, já não ouviu de seu pai ou de sua mãe “Mas vocês não fazem mais isso ou gostam mais daquilo? Na minha época não era assim!”? (e quantas vezes você, adulto, já não falou isso?) Esse filme responde pelos jovens (e para os adultos) um enorme e alto “Não. Jovens atualmente não gostam mais dessas coisas. Sexo, drogas e música, tudo agora é diferente. As coisas que vocês gostavam e faziam, é tudo do passado”. Isso não apenas traz uma forma interessante de adaptar uma premissa antiga para o mundo contemporâneo, mas também uma forma igualmente interessante de desenvolver seus personagens, que, achando que vão apenas fazer as mesmas coisas que faziam quando adolescentes, mas sabendo das consequências, veem-se agora encarando de volta as incertezas, medos e ansiedades do colegial, tudo de novo, porém diferente.

            Claro que, sendo uma comédia mais voltada para um humor negro, nem toda piada irá apelar para todos. Especialmente as piadas fálicas, que vão ficando cada vez mais provocativas ao longo do filme. Há também algumas piadas recorrentes que nem todos vão achar engraçadas (embora eu pessoalmente tenha achado), como uma envolvendo todos acharem que “piñata” é um código para sexo ou outra em que algo parece que vai explodir mas não explode. Porém, se você está disposto a esse tipo de humor negro, esse filme é pra você, com piadas e situações engraçadas sendo feitas uma atrás da outra, em um estilo completamente frenético que atinge seu auge nos créditos finais, durante os quais aparece uma sequência de imagens aleatória que parece ter sido organizada por um youtuber de 12 anos. Mas não é à toa que os créditos são tão frenéticos, pois é nesse momento que se lê que o filme foi dirigido por Phil Lord e Christopher Miller (os mesmos diretores das animações “Tá Chovendo Hambúrger” e “Uma Aventura Lego”) e teve seu roteiro escrito por Michael Bacall (que, junto com Edgar Wright, escreveu o roteiro de “Scott Pilgrim Contra o Mundo”). Com esses três caras atrás das câmeras, e Jonah Hill tanto atrás quanto na frente delas, alguém pode esperar algo menos do que um filme que parece ter sido feito com uma carreira de cocaína do lado, para o bem ou para o mal?


Avaliação: Vale a pena

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Monstros S.A

            Eis a ironia: Apenas um mês depois de postar minha crítica de “Operação Big Hero”, leio na internet a notícia de que um de seus roteiristas, Dan Gerson, faleceu aos 49 anos, vítima de câncer cerebral.

            É uma pena pensar que alguém que escreveu o roteiro de um filme que gostei tanto veio a falecer tendo trabalhado em apenas quatro filmes, incluindo o ainda não lançado “Carros 3”. Sendo assim, em minha homenagem a ele, escolhi para criticar o filme que foi sua primeira experiência em escrever um roteiro para um longa-metragem: “Monstros S.A”.

            Tendo entrado para a equipe da Pixar em 1999, dois anos antes do lançamento do filme, Gerson escreveu o roteiro a partir de uma primeira base escrita pelo roteirista veterano da Pixar Andrew Stanton, depois que este foi trabalhar no roteiro de “Procurando Nemo”. Assim, coube a Gerson o trabalho de desenvolver melhor o enredo, os personagens e os diálogos do filme. Durante os quase dois anos seguintes, ele trabalhou diariamente junto com os diretores Pete Docter e David Silverman, que lhe diziam o que queriam em determinada cena, com então Dan escrevendo a sequência e adicionando algumas sugestões que ele próprio havia dado para fazê-la funcionar melhor visualmente, antes de enviar o roteiro para um dos artistas responsáveis pelos story boards. Segundo o próprio Dan Gerson, durante esse período não era incomum ele falar com Docter 3 ou 4 noites por semana apenas para checar se estava tudo indo certo e debater em cima do filme.
            Certo... Mas afinal, o filme vale a pena? Bom, é claro que ele vale a pena, é um filme da Pixar, os filmes deles sempre valem a pena!

            Ok, quase sempre. Mas essa é uma exceção! Enfim, vamos falar de “Monstros S.A”.
            Da mesma forma como “Toy Story” lidava (e descontruía) com uma crença comum entre crianças, a de que seus brinquedos tinham vida própria, “Monstros S.A” também lida (e também desconstrói) com outra crença comum entre crianças: A de que algo está espreitando atrás de seus armários de noite, pronto para assusta-las. E, de fato, os personagens principais do filme são exatamente isso: Monstros que assustam crianças. A desconstrução, porém, é que eles não fazem isso por maldade. “Na verdade”, como o filme mostra, todos os monstros vivem em um mundo paralelo ao nosso, e os que nos assustam na verdade trabalham em uma usina que extrai energia a partir dos gritos de crianças. O trabalho, porém, não deixa de ter seus riscos, pois os monstros acreditam que o simples contato com crianças ou até mesmo suas roupas e brinquedos é altamente tóxico para eles. O mundo deles, porém, está começando a passar por uma crise energética, pois as crianças modernas, mais familiarizadas com filmes e histórias de terror, já não se assustam tanto com os monstros que saem de seus armários.

            A ideia de monstros que assustam humanos por simples profissão, por si só, não é de todo original: “Os Fantasmas se Divertem” já havia abordado um conceito parecido treze anos antes. Mas, como já disseram, o que importa de verdade não é o que você faz, mas sim como você faz. Se o conceito por trás de um filme não for original, isso pode ser inteiramente perdoado se ao menos a forma como esse conceito é abordado for original. E é isso que “Monstros S.A” faz.
            Nesse filme, a história se centra em dois amigos, Sulley e Mike, ambos empregados na usina, que juntos formam a melhor equipe de “extração de gritos” do lugar, que competem com o monstro-camaleão Randall para quebrar o recorde de produção.

            Uma noite, porém, enquanto Mike sai para jantar com sua namorada, Sulley encontra uma porta de armário ainda ativa (ou seja, com os monstros podendo entrar no quarto para onde ela leva) na linha de produção da usina. Ao investigar, acaba sem querer trazendo consigo para o mundo dos monstros uma menina de três anos, que fica presa por lá.
Quando a notícia de que tal criatura “altamente tóxica” está solta por aí se espalha, Sulley e Mike precisam leva-la secretamente de volta para seu quarto, sem revelar seu envolvimento no acidente. Sulley, porém, ao perceber que a menina não é tóxica como todos acreditam, acaba formando uma amizade com ela, o que atrapalha os planos de Mike de apenas se livrar logo dela. Nisso, eles também descobrem que o que permitiu que ela entrasse no mundo deles em primeiro lugar é uma conspiração envolvendo Randall em cima de uma nova forma pouco ética de extrair gritos das crianças.

            Primeiro, vamos elogiar a animação. Como sempre, a Pixar não economizou despesas para tornar a animação computadorizada desse filme o mais realista possível. O que, nesse caso, deve ter sido um desafio maior que qualquer outro que o estúdio havia enfrentado até então, considerando a quantidade de cenários e personagens difíceis de transferir do papel para o computador de forma convincente. Sulley, por exemplo, possui um corpo coberto por mais de 2 milhões de pelos, mas não é só isso: Cada fio de pelo produz uma sombra própria sobre os fios de pelo abaixo, que mudam de acordo com a iluminação e o movimento da pelagem dele de acordo com o vento e os movimentos do próprio Sulley. Aja paciência para fazer isso!
Mas não são só os monstros: Muitos dos cenários (e há muitos deles nesse filme, aliás) utilizam-se de uma riqueza de detalhes sem precedentes. O cenário do clímax do filme, um galpão onde as portas de armário que não estão sendo utilizadas são guardadas, por exemplo, é preenchido por mais de 5 milhões de portas, segundo a própria Pixar. Um minuto para pensar quantas horas na frente de centenas de computadores foram necessárias para fazer tudo isso.
Apesar de todos os monstros que aparecem ao longo do filme, muitos dos quais com designs extremamente criativos, “Monstros S.A” está longe de ser um filme de fato assustador. Quero dizer, está bem, a cena inicial, com um monstro espreitando a cama de uma criança (apenas para logo em seguida descobrirmos que é tudo na verdade uma simulação) é um tanto assustadora, e eu me lembro de ficar com medo de Randall quando criança, mas de resto é um filme bastante acessível ao público infantil, especialmente porque em nenhum momento o filme indica que os monstros são “malvados” (tirando Randall). Eles estão apenas fazendo seu trabalho, e quando não o estão fazendo mantém uma vida igual a de qualquer humano: Namoram, cuidam de suas casas, assistem TV, enfim, são perfeitamente normais, e isso os torna mais simpáticos aos olhos de uma criança (de novo, tirando Randall, não tenho nenhuma simpatia por aquele bicho). A ideia que o filme também traz de que os monstros têm tanto medo das crianças quanto elas têm deles apenas acrescenta pontos positivos. Não vou dizer que com certeza ajudará crianças a lidarem com seus medos noturnos (pelo menos comigo pessoalmente não ajudou, mas essa é uma total outra história), mas quem sabe? Vocês que assistiram “Monstros S.A” quando criança, respondam se o filme lhes ajudou.
            A verdadeira gema, porém, do filme, fica para a relação entre Sulley e a menina, que ele apelida de “Bu” em homenagem a uma das três ou quatro palavras que ela é capaz de falar. Embora a história não dure muito mais do que um dia, o arco pelo qual ambos passam é mais uma demonstração da tão elogiada sensibilidade da Pixar. Inicialmente, Sulley trata Bu como um animal, até mesmo colocando algumas folhas de jornal no chão para ela dormir. Quando ele percebe que ela é na verdade uma criança igual às dos monstros, e que não há nada de perigoso nela, é aí que ele vai ficando cada vez mais afeiçoado à menina e vice-versa. Assim, toda vez que algo acontece que os separa, é possível sentir a preocupação de Sulley. Não que ajam momentos que põem essa amizade à prova, como quando Boo, que até então em momento algum tem medo de Sulley, chamando-o até de “Gatinho”, percebe o quanto ele pode ser assustador. Aliás, esse é um momento chave do filme, pois é a partir daí que Sulley começa a se perguntar se realmente a melhor forma de os monstros fazerem seu trabalho é traumatizando essas crianças que nada lhes fizeram e não oferecem perigo algum. Além disso, tornando a relação deles ainda mais única, Sulley de forma alguma é possessivo sobre ela: Do começo ao fim, ele quer leva-la de volta ao seu quarto, nunca ficar com ela; o que muda é a natureza da missão, com Sulley querendo que isso seja feito em segurança, ainda mais quando ele percebe que há algo errado com o quanto Randall parece querer Bu.

            Tudo isso, porém, não teria o impacto que tem se não fosse pelo quão bem escrito o roteiro foi por Dan Gerson (que, aliás, na dublagem em inglês faz uma ponta como dois zeladores idiotas). Isso porque, ao contrário de outros filmes infantis inferiores, “Monstros S.A” em nenhum momento é apelativo. E não estou falando apenas no sentido emocional, que seria o mais fácil de se apelar, estou falando em todos os sentidos: Nenhuma cena dramática se rebaixa levando-se a sério demais e fazendo algo simples parecer desnecessariamente trágico; nenhuma cena cômica se rebaixa levando-se a sério de menos e tornando-se ridícula ou ofensiva; nenhuma cena de aventura se rebaixa estendendo-se além do que deveria e tornando-se cansativa ou sendo rápida demais a ponto de parecer que irá causar um ataque epiléptico; o filme sabe quando deve ir em determinada direção e não em outra e, principalmente, até que ponto ir nessa direção.


Avaliação: Vale muito a pena

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A Bruxa de Blair

Em julho de 1999 dois cinéfilos voltaram para casa perto de um cinema depois de assistir “A Bruxa de Blair”...

16 anos e meio depois a postagem em um blog narrando o diálogo desses dois idiotas que jamais existiram mas que seja, estamos fazendo aqui uma paródia, foi encontrada.

            - Isso... Foi... Incrível! Sério, esse é sem dúvida um dos filmes mais assustadores de todos os tempos, você não acha?
            - Não.
            - Pera aí, o que?
            - Não.
            - Como, assim, “não”?! Não achou “A Bruxa de Blair” assustador?!
            - Não! Achei que foi uma bagunça total, com aquela câmera chacoalhante que me deu vontade de vomitar o filme inteiro!
            - Você não gostou? Achei que aquilo deu um visual tão autêntico para o filme!
            - Talvez até seja autêntico, mas aquele movimento todo toda vez que a mocinha, qual o nome mesmo dela?
            - Heather?
            - Isso! Essa autenticidade toda não me impediu de ficar enjoado toda vez que ela disparava pela floresta!
            - Ah, mas achei isso tão legal! Parecia aquelas filmagens de combate que se vê na TV!
            - E você sabe o quanto aquilo é enjoativo! Pelo menos na TV eles têm a misericórdia de só mostrar alguns segundos disso, enquanto você me fez assistir 80 minutos de um filme que parece que foi filmado dentro de um liquidificador!
            - Bom, o que posso fazer se os caras que fizeram esse filme não tinham dinheiro nem pra financiar um tripé?! Ao menos foi uma ideia inovadora! Imagine só, um filme de terror sem sangue, sem violência, que não mostra nem explica nada...
            - Exato! Não mostra nem explica nada! Metade do tempo a tela estava preta, e a outra metade tudo que aparecia era árvores e mais árvores! Chegou uma hora que comecei a achar que elas eram a tal bruxa do título!
            - Se bem que... Pensando agora... Essa seria uma ideia interessante.
            - Você andou fumando maconha?!
            - Não, estou falando sério! Imagine um filme de terror em que as vilãs são na verdade as árvores! Elas não fazem nada, só balançam com o vento, mas é revelado no meio do filme que são elas que estão causando tudo.
            - Essa é a ideia mais estúpida que já ouvi! Quem é que dirigiria um filme assim?!
            - Ah, não sei. Hum... Oh! Oh! Já viu o trailer desse novo filme que vai sair mês que vem, qual o nome mesmo? Esse novo do Bruce Willis com um molequinho...
            - “O Sexto Sentido”?
            - Isso, “O Sexto Sentido”! Parece legal esse filme, não? Tenho certeza que o diretor dele daria um jeito de fazer isso funcionar!
            - Mesmo que esse filme seja bom, o que concordo com você que parece ser, ainda assim, as árvores são as vilãs? Até mesmo um diretor iniciante que promete como ele não faria isso! Hum... Com no meio do filme ser revelado, você não quer dizer de fato no meio do filme, né?
            - Não, claro que não!
            - Ah, tá! Só perguntando. Está uma noite quieta, né?
            - Sim. Do que estávamos falando... Ah, sim, “A Bruxa de Blair”! Não...
            - E aí está outro problema do filme! Você não concorda que ele divaga um pouco de tempo demais?
            - Bem... É, ele é meio enrolado.
            - Meio não! Eu de bom grado cortaria fora metade do filme!
            - Ei, ei, ei, nem tanto assim, né?! Calma lá! Pode não acontecer muita coisa durante o filme, mas o que acontece assusta facilmente qualquer um! Imagino que até você entende isso, não?
            - A mim não assustou. Aliás, para mim o filme não significou nada! Eu mal consigo me lembrar da história tirando que era uns idiotas perdidos na floresta. Se o filme me significou alguma coisa, é que me serviu como prova de que as pessoas conseguem ser facilmente impressionadas com um filme que pela qualidade não parece ter sido feito por cineastas profissionais.
            - Exato! Não percebe isso?! Se “A Bruxa de Blair” significa algo, é que um filme não precisa ter uma qualidade profissional para ser inovador e original! Ouvi dizer até que os atores que fizeram os personagens principais tiveram que improvisar os diálogos deles.
            - Onde você viu isso?
            - Li em uma entrevista com os diretores.
            - Bom, se eles realmente improvisaram os diálogos, parabéns, porque estavam bons.
            - Ahá! Algo que você concorda que o filme teve de bom!
            - Mas ainda assim, isso é só um truque de direção. Aliás, o filme inteiro é um truque de direção! Essa coisa toda de ele parecer uma filmagem caseira encontrada por acaso...
            - Ah, vá, não precisa rejeitar o filme por isso! Está bem, é um truque. É uma jogada de marketing. Mas mesmo que seja uma jogada de marketing, ela não deixa de ser ousada e inteligente. Eu pessoalmente admiro o filme por isso, e acho que ele merece ser admirado por mais pessoas!
            - Exato! Falou tudo! A jogada de marketing dele merece ser admirada! Lembra-se quando todo mundo enlouqueceu porque aparecia em todo lugar na internet esses relatórios de polícia e entrevistas dizendo que os adolescentes do filme eram pessoas que realmente desapareceram, e o pessoal ficou um tempão discutindo se as filmagens que o filme ia mostrar eram reais ou não? Então, aquilo foi inteligente! Foi divertido. Mas nada mais que isso. O filme não é nada mais que isso!
            - Hum. Mas a campanha de marketing do filme foi brilhante, não foi?
            - Com certeza.
            - Esse plano todo de fazer parecer que os personagens eram reais e tinham morrido... Pensando agora, é um tanto diabólico, não?
            - Sim.
            - Então! Nesse sentido, o filme funcionou. Chamou-me a atenção para vê-lo, fui ver e me diverti com ele.
            - Bom, eu não. Desculpe-me, mas eu como um fã de filmes de terror me decepcionei. Achei difícil lidar com toda essa coisa do filme de tentar abordar a história de um jeito não convencional. Eu prefiro filmes de terror mais sanguinolentos, que me afetem, mas que também me façam sorrir um pouco. Lembra-se quando fomos assistir “Pânico”, que ficamos o filme inteiro nos cutucando e piscando um pro outro toda vez que o filme fazia uma referência a outros filmes de terror, e só não fomos expulsos do cinema porque todo mundo na sessão estava fazendo a mesma coisa?
            - É, pensando agora aquela vez nos divertimos muito. A coisa mais divertida hoje foi ver os adolescentes saindo da sessão e chamando pelas mamães com medo de um monte de árvores.
            - Falando assim, você está fazendo o filme parecer mais divertido do que realmente é.
            - Mas também, nem todo filme de terror precisa ser divertido.
            - Mas você falou agora a pouco que se divertiu vendo o filme!
            - Sim, mas me diverti mais no sentido de ficar perturbado com o filme. Não é isso que filmes de terror devem fazer acima de qualquer outra coisa? Perturbar o público? E “A Bruxa de Blair” fez isso com uma sutileza que me impressionou! É tão simples!
            - Exato! É simples. Simples até demais! A história é simples, a qualidade é simples, a própria ideia de jovens perdidos na floresta e encontrando uma criatura do mal é tão velha e simples quanto Chapeuzinho Vermelho ou João e Maria!
            - É, talvez você tenha razão. Talvez o filme como filme não valha tanto a pena assim... Mas de qualquer forma, admita que os diretores dele estavam dispostos a assumir alguns riscos. Não é qualquer um que faz um filme assim.
            - É...
            - Estou louco de expectativa pra ver qual vai ser o próximo projeto deles!
            - Eu não sei. Chame-me de pessimista, você vem me chamando assim desde que achei que “Vida de Inseto” iria acabar com a Pixar...
            - E foi ótimo.
- Está certo, mas o mais provável é que eles ajudem a criar a história para uma continuação, porque lembre que todo, absolutamente todo filme de terror tem que ter uma continuação, por pior que seja, e depois eles meio que desapareçam do mapa. Façam alguns filmes direto em vídeo, talvez daqui a uns dez anos quando o dinheiro que eles conseguirem com esse filme apertar façam algo maior, mas não acho que nenhum deles fará algo tão bom quando “A Bruxa de Blair”.
            - Então você está admitindo que “A Bruxa de Blair” é bom?
            - Eu não disse isso.
            - Certo, certo... Então você acha que eles não farão outros filmes bons com essa coisa de filmagem encontrada?
            - Não... Mas sabe quem faria um bom filme assim?
            - Quem?
            - O diretor desse tal de “O Sexto Sentido”.
            - Agora é você que andou fumou maconha!


Avaliação: Não vale a pena. O filme, não ler essa crítica até o final. Ou ambos. Sei lá.