quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Vale a Zoeira: A Hora do Pesadelo 5: O Maior Horror de Freddy

            Ok, eu adoro como a versão brasileira resolveu mudar o subtítulo de “A Hora do Pesadelo 5” de “The Dream Child” (algo como “O Filho dos Sonhos” em inglês) para “O Maior Horror de Freddy”... Porém ainda assim manter o pôster original. Tipo, você ouve “O Maior Horror de Freddy” e imagina uma cena grotesca, digna dos seus piores pesadelos, mas quando vai ver o pôster você tem... Um carrinho de bebê. A menos que isso seja “O Bebê de Rosemary”, eu não consigo imaginar um carrinho de bebê como “o maior horror” de coisa alguma.
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                Então... É. Freddy Krueger volta do inferno. De novo. Bom pra ele, mal pra gente. Aliás, dessa vez mal pra gente mesmo. Isso porque esse é considerado o “ponto sem retorno” da franquia, quando o público já estava mais que cansado dessa história de “A Hora do Pesadelo”, o que se pôde notar pela sua bilheteria, que caiu pela metade em relação a “O Mestre dos Sonhos”; e, como se não bastasse, aparentemente os envolvidos na produção da franquia também já estavam mais que cansados dela, pois “O Maior Horror de Freddy” é infinitamente pior que seus antecessores: “Guerreiros” e “Mestre” podem ter sido bestas em diferentes níveis, mas ao menos tinham alguma inteligência... Inteligência a qual inexiste em “O Maior Horror”, que ao invés disso é apenas mais uma de tantas continuações de terror ruins sem nenhuma qualidade que as redima.
            Ou será que não? Bom, vamos analisar então se ao menos “O Maior Horror de Freddy” vale ser assistido apenas pra ser zoado naqueles dias em que você reúne seus amigos pra assistir um filme ruim... Não? Ninguém aí faz isso? Droga, vou ter que assistir esse filme sozinho mesmo então.
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            De um jeito ou de outro, Freddy está de volta... E assim que ele aparece em cena percebe-se que nem mesmo o departamento de maquiagem e figurino se importa mais com a franquia! Não só a maquiagem de Robert Englund deu uma notável piorada, com Freddy Krueger parecendo ter envelhecido trinta anos entre filmes; como também na cena de seu retorno ele aparece com uma óbvia prótese no braço esquerdo que o deixa muito maior que o direito, por motivos de... Nenhum motivo, sendo bem sincero! Está certo que a versão que assisti é a que foi originalmente lançada nos cinemas, que teve vários cortes para diminuir a violência a fim de conseguir uma censura R (algo como uma censura 16 anos nos EUA) ao invés de X (tipo uma censura 18, geralmente associada a filmes pornôs, mas se estendendo também àqueles com violência extrema); ainda assim, duvido que qualquer corte feito explique porque raios Krueger aparece com um braço mais longo que o outro.
            Ah, e adivinhem só: Esse braço esquerdo mais longo nunca mais aparece no resto do filme! A única explicação que consigo imaginar para isso é que a prótese quebrou durante as filmagens e, quando o diretor foi pedir por uma nova ao chefe do departamento de efeitos especiais, este apenas disse, de saco cheio: “Meu caro... Os jovens que forem idiotas o bastante para irem ao cinema assistir este filme não vão se importar com esses detalhes. Você quer realmente nos dar esse trabalho extra?”.
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            Mas enfim, como é que Freddy volta? Sinceramente... Eu não faço a menor ideia. Não, sério, se você achava que Freddy ressuscitar através de um cachorro que o desenterra e mija fogo em cima dele era confuso, dessa vez temos algo envolvendo Alice engravidando de... Hum... Gostosão. Pode soar feio eu como crítico esquecer o nome dos personagens, mas cá entre nós, após quatro continuações você também não se lembrará de todo mundo que aparece e muito menos se importará com isso.
            De qualquer forma, Alice engravida de Gostosão (aliás, o “momento em que ela engravida” é literalmente a primeira cena do filme. Eu sei que filmes slasher gostam de apelar para o sexo tanto quanto para o terror, mas isso é ridículo!). E aparentemente o plano de Freddy é entrar nos sonhos do feto e alimentá-lo com as almas de suas vítimas, para assim lentamente possuí-lo e, quando ele nascer, voltar ao mundo dos vivos através dele. Ah, e tem algo no meio desse plano envolvendo a mãe de Freddy Krueger. Se isso parece não ter nada a ver com tudo isso e parece ter sido lembrado na última hora, é porque é exatamente esse o caso.
            Sabem, a essa altura estou cansado dessas explicações fajutas para Freddy voltar do inferno. Por que ele não simplesmente volta com a única explicação sendo o fato de ser uma continuação?!... Pensando bem, acho que devo tomar cuidado com o que desejo, não?
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            De qualquer forma, isso levanta tantas questões! Em primeiro lugar, como é que Freddy é capaz de invadir os sonhos do feto, se no momento em que a história se passa este está na sua primeira semana, a ponto de Alice inicialmente nem saber que está grávida?! Eu não sou nenhum especialista no assunto, então me corrijam no que eu estiver errado... Mas para qualquer criatura ser capaz de sonhar, seu cérebro precisa estar desenvolvido a um nível minimamente avançado, nível ao qual fetos não chegam antes do segundo trimestre de gravidez. E embora eu tenha lido isso na internet, que está longe de ser uma fonte confiável e que não era tão desenvolvida quando este filme foi lançado (1989, pra ser exato), havia na época uma fonte bem mais confiável: A BIBLIOTECA! E está certo que demora mais tempo para se descobrir coisas numa biblioteca do que na internet, e que a produção deste filme foi bem apressada para que ele fosse lançado apenas um ano após “O Mestre dos Sonhos”; mas tenho certeza que um ou até dois dias pesquisando na biblioteca antes de escrever o roteiro não atrasariam a produção tanto assim!
            E em segundo lugar, há a questão de o filme afirmar que fetos passam 70% do tempo em um estado de sonho, porcentagem que aumenta à medida que a gravidez evolui. E embora, pelo que pesquisei, esses dados estejam razoavelmente corretos (pelo menos o suficiente em termos de Hollywood), há um grande problema nisso: Um ponto importante do enredo é que, devido aos poderes de sonhos de Alice, e pelo feto ser basicamente uma parte dela, ela por vezes ao longo do filme se vê de repente no mundo dos sonhos, apesar de estar acordada. Até aí é uma ideia interessante, se não fosse por um problema: Se o feto está sonhando 70% do tempo, Alice não deveria passar esse mesmo tempo no mundo dos sonhos, ao invés de ser jogada nele apenas de vez em quando?! Vamos lá, filme, se você for criar uma lógica para seu enredo, ao menos faça o favor de se manter fiel a ela!
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            A menos... Que de fato 70% do filme seja na verdade apenas um sonho de Alice, e que “O Maior Horror” tenha decidido voltar às rotas do “A Hora do Pesadelo” original e deixar ambíguo o que é sonho e o que é real... Hum... Nah, quem estou querendo enganar? A essa altura qualquer senso de sutileza nessa franquia está perdido, e é tarde demais para se pensar em trazê-lo de volta.
            Mas além de um enredo pra lá de confuso e cheio de furos, o que mais “O Maior Horror de Freddy” tem a oferecer? Sendo bem sincero... Nada de muito especial. Embora, sendo também sincero, ninguém deve estar surpreso com isso.
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            Primeiro, as sequências de sonhos, que geralmente são as melhores partes dos filmes de “A Hora do Pesadelo”, aqui podem ser chamadas de tudo, menos de interessantes, variando entre “sonhos dentro de sonhos” (insira aqui sua piada de “A Origem”) que servem apenas para expor pontos importantes do enredo de forma incoerente; sonhos tão estranhos que te deixam desorientado, como um em que Alice anda por um hospital abandonado, e de repente é uma paciente a caminho da sala de parto, e antes que você possa se perguntar o que está acontecendo ela é uma médica observando o nascimento de Freddy Krueger (que por algum motivo já nasce deformado), para logo em seguida sair pela porta da sala de parto e entrar na igreja onde rolou o clímax de “O Mestre dos Sonhos” (já está tonto com tanta informação? Eis como é assistir essa cena); outro sonho que implora por uma piada envolvendo o clipe de “Take on me” (admitam, vocês sabem do que estou falando); e um clímax no qual a igreja se transforma em um quadro de M.C. Escher, com direito a todo tipo de ângulo de câmera estranho para te deixar ainda mais tonto (imagino que seja a tática do “se o público tá tonto, ele não vai questionar as incoerências do filme”), Freddy Krueger se escondendo dentro de Alice e aos poucos saindo dela (acreditem, é ainda mais nojento do que soa), e tudo isso enquanto uma das amigas de Alice procura pelos restos mortais da mãe de Krueger.
            Ok, tenho que admitir: Esse é o clímax mais estranho da franquia até agora. E olha que já tivemos Freddy Krueger em chamas estrangulando uma mulher enquanto ela dorme e em seguida desaparecendo com ela dentro da cama; Freddy voltando ao mundo real como um esqueleto e lutando contra um cara no meio de um ferro-velho no melhor estilo “Jasão e os Argonautas”; e Freddy levando porrada em uma luta mano-a-mano no meio de uma igreja, na qual ele perde para um espelho!
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            Como se não bastassem as sequências de sonho, há ainda os personagens: “O Maior Horror de Freddy” possui um elenco bem menor que o dos filmes anteriores, a ponto de ter a menor contagem de mortes da franquia. Imagina-se então que, com menos personagens, o filme dedicaria mais tempo para desenvolvê-los, certo? Errado: Os personagens de “O Maior Horror” conseguem de alguma forma ser ainda menos complexos que os estereótipos de “Guerreiros” e os personagens com um único traço de personalidade de “Mestre”. De tão sem-graça que esses novos personagens são, já se sabe tudo sobre eles cinco minutos após aparecerem pela primeira vez. Assim como em “Mestre”, eles não passam de sacos de carne fresca para Freddy Krueger ter algo que fazer no filme.
            Além disso, é simplesmente impossível gostar desses novos personagens pelo simples motivo do quão estúpidos eles são: Apesar de anos terem se passado desde a primeira aparição de Freddy no primeiro filme e desde então dezenas de jovens terem sofrido mortes inexplicáveis, todas elas numa mesma cidadezinha, esses novos personagens insistem em não acreditar em Freddy Krueger e ignorar completamente essa epidemia de mortes! Como isso é possível?! Até mesmo em “Mestre dos Sonhos” os jovens começaram a perceber o quanto a cidade deles era um péssimo lugar para se crescer, e agora esses idiotas decidem não levar os avisos de Alice sobre Freddy Krueger a sério e ao invés disso não fazerem nada e tratarem tudo isso como normal?! E o filme ainda pede que eu me importe caso eles morram?! (Embora, para o crédito do filme, as mortes são bastante criativas, com bons efeitos especiais que fazem os personagens fundirem-se com motos, incharem e até transformarem-se em papel)
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                E então temos o nosso querido Freddy Krueger... E infelizmente, o desserviço que “O Mestre dos Sonhos” fez a ele é completado em “O Maior Horror de Freddy”: A maior parte do tempo, ele não parece nem se importar muito em matar suas vítimas, estando apenas “por aí”, fazendo piadas e até dando uma cantada em Alice (“Oi Alice! Quer fazer bebês?”)! Sem falar que a forma como ele leva suas mortes na brincadeira soa quase como uma paródia da franquia, com Freddy transformando-se em uma moto, fantasiando-se de cozinheiro e até andando de skate! Como se isso não bastasse, a partir de certo ponto do filme parece que ele mais apanha do que de fato faz qualquer coisa de útil... Lógico que ele sempre se levanta depois de apanhar como se nada tivesse acontecido, mas ainda assim, fica difícil considera-lo ameaçador.
            Enfim, resumo da ópera: Não, “O Maior Horror de Freddy” simplesmente não vale nem mesmo a zoeira. O pouco do filme que poderia ser considerado interessante foi feito de forma bem melhor nos filmes anteriores, mesmo os ruinzinhos, e os momentos em que o filme cai na autoparódia, embora possam gerar algumas rizadas eventuais, são intercalados com cenas que deixam o espectador confuso e tonto demais para essa ser de fato uma experiência divertida.
            Ah, e antes de terminar, não vamos esquecer a trilha sonora deste filme, que é a pior que a franquia teve até agora, a ponto de duas de suas canções serem indicadas ao Framboesa de Ouro de Pior Canção Original: “Let’s Go”, de Kool Moe Dee, que toca durante os créditos finais (provavelmente uma estratégia daqueles que estavam com vergonha de terem se envolvido no filme, para que o público saísse o mais rápido possível da sessão e assim não visse seus nomes); e “Bring Your Daughter... To The Slaughter”, de Bruce Dickinson (não confundir com a versão cantada pelo Iron Maiden, que até que é legal), que inclusive ganhou o Framboesa de Ouro. Como se não bastasse, enquanto o clipe promocional (sim, naquela época era comum artistas fazerem videoclipes promovendo algum filme) de “Guerreiros dos Sonhos” apresenta a canção sensacional de Dokken, e o clipe de “Mestre dos Sonhos” cantado pelos Fat Boys é razoavelmente medíocre, “O Maior Horror de Freddy” possui um videoclipe inacreditavelmente ruim estrelando o grupo de hip hop Whodini (porque afinal, quando você pensa em um estilo musical que combina com “A Hora do Pesadelo”, hip hop é o primeiro que vem à cabeça, né?). Ah, e para piorar a trilha sonora do filme, eles ainda têm a pachorra de mexer na canção do Freddy! Isso mesmo, a canção de pular corda que vinha sendo repetida em todos os filmes anteriores sem alterações, uma das canções mais famosas da história dos filmes de terror, por algum motivo aqui tem seu último verso mudado de “Never sleep again” para “He’s back again”. E vocês ainda esperam que eu seja gentil com este filme?!


Avaliação: Não vale a zoeira.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A Hora do Pesadelo - O Mestre dos Sonhos

Sabem, após ser mandado para o inferno e sair de lá inexplicavelmente quatro vezes, estou começando a achar que ou a justiça no submundo consegue ser pior que a brasileira, ou Freddy Krueger tem um senhor advogado...
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            De uma forma ou de outra, eis “A Hora do Pesadelo: O Mestre dos Sonhos”, e sendo bem sincero... Não é tão mal quanto se esperaria da terceira continuação de uma franquia de terror (ou, sendo bem sincero, de qualquer continuação de uma franquia de terror). Isso porque se percebe que sua premissa está ao menos tentando manter o espírito quase simbólico do “A Hora do Pesadelo” original, com os poderes de sonhos aqui sendo utilizados de uma maneira que, embora continue soando mais como um RPG do que como um sonho de verdade ou um legítimo filme de terror, ao menos é mais sutil e misteriosa, imitando o tom quase surrealista do primeiro filme. Ainda por cima, os efeitos especiais continuam fantásticos, como vinha sendo o padrão da franquia até então, e ajudam a dar esse tom surreal que “O Mestre dos Sonhos” parece procurar. Sem falar que a (ocasional, mas já chego nisso) sanguinolência criativa misturada com o alegre humor mórbido de Freddy Krueger é uma combinação da qual, pelo menos até agora, não me enjoei, algumas cenas até me surpreendendo pelo quão macabras que são.
            Infelizmente, nada disso impede “O Mestre dos Sonhos” de ser uma considerável decadência em relação a “A Hora do Pesadelo”, e inclusive em relação a “Os Guerreiros dos Sonhos”.
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            Começando pelo problema que todo mundo aponta ao falar deste filme: É aqui que Freddy Krueger oficialmente deixa de ser assustador e se torna uma piada, com a maioria de suas cenas soando mais cômicas do que nos filmes anteriores. A imagem acima, por exemplo, é de fato parte do filme: Yup, Freddy Krueger simplesmente bota seus óculos de sol e tortura uma de suas vítimas numa praia ensolarada. Em que mundo que isso soa minimamente assustador?! As frases de efeito deste filme também colaboram para fazer Freddy parecer menos intimidante e mais... Bem... Mais como um “tio do pavê”, como em uma cena em que ele aparece para uma de suas vítimas fantasiado de médico e diz “Bem, o Dr. Seuss é que não sou!”. Falando em fantasias, há inclusive uma cena em que Robert Englund deixa de lado a máscara de pizza e aparece em um sonho fantasiado de enfermeira. Desculpe-me, mas a menos que você tenha uma fobia de drag queens, eu não consigo imaginar isso assustando alguém.
            E eu fico chateado com “O Mestre dos Sonhos” por isso? É claro que fico. Sim, admito que a forma como Freddy Krueger parece se divertir imensamente cada vez que ele tortura e mata alguém é o que o torna tão icônico, e que se for pra lhe dar uma personalidade, ao menos “Guerreiros dos Sonhos” lhe deu uma que é memorável. Mas eis a questão: Sua personalidade engraçada naquele filme é memorável justamente pela forma como, apesar de todos os seus problemas, “Guerreiros dos Sonhos” soube equilibra-la com a crueldade com a qual Freddy trata suas vítimas... Equilíbrio que “Mestre dos Sonhos” não realiza tão bem.
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            Isso porque, ao contrário das mortes bastante criativas que a franquia vinha mantendo até então, parece que em “Mestre dos Sonhos” a criatividade se esgotou um pouco: Temos dois personagens que são mortos simplesmente com uma “luvada de lâminas” (chato...), uma é queimada viva no que soa muito como uma morte “emprestada” do primeiro filme... E sem falar que a ideia que “Guerreiros” (caramba, é impressão minha ou estou ficando nostálgico daquele filme?!) introduziu de Freddy usar as personalidades e fraquezas de suas vítimas para tortura-las não é usada de forma tão bem-feita: Duas das mortes inclusive não tem nada a ver com a personalidade das vítimas. Como se não bastasse, as mortes são tristemente previsíveis, o público muitas vezes sabendo cinco eras antes quem irá morrer em seguida.
            Ainda assim, não diria que “Mestre” perde totalmente o tom: Como eu disse no começo, algumas cenas até me surpreenderam pelo quão macabras que são, como a morte de Garota-de-Cabelo-Grande-dos-Anos-80 (por favor, não me perguntem o nome dela, não seria capaz de me lembrar nem com uma arma na cabeça), que, citando “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, “é realmente uma experiência kafkiana”; e, claro, a famosa e perturbadora cena em que o sr. Cara-de-Pizza come ele próprio uma “pizza de almas” com os rostos de suas vítimas como se fossem azeitonas (motivo pelo qual, se você tem amor ao seu estômago, não chame uma pizza quando for assistir este filme com os amigos).
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                Mas então temos o segundo grande alvo de críticas em “Mestre dos Sonhos”: O roteiro, com seus constantes altos e baixos.
            O filme começa razoavelmente promissor, com os três jovens sobreviventes de “Guerreiros”, os últimos filhos restantes dos pais que queimaram Freddy Krueger vivo, tentando viver vidas razoavelmente normais. Isso é, até o dito-cujo ser ressuscitado via... Mijo de cachorro flamejante. Soa como uma piada, mas é basicamente assim que ele ressuscita neste filme. É sério que alguém foi pago para escrever isso?!
            E então... Freddy mata os três antes da marca dos 40 minutos. E é aí que o roteiro arrasta o filme de mal a pior.
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            Afinal, com a vingança de Freddy terminada antes da metade do filme, como é que este poderá continuar? Que desculpa ele dará para Freddy Krueger continuar existindo, se ele só existe nos sonhos de suas vítimas?
            Bom, lembram-se de Kristen, a protagonista de “Guerreiros”, interpretada por Patricia Arquette? Bem, em “Mestre” não apenas ela passa a ser interpretada por Tuesday Knight (sim, esse é o nome artístico dela), como também ela se torna possivelmente o ser mais burro e insensível de toda a série “A Hora do Pesadelo”!!! Por quê? Porque quando Freddy Krueger a encurrala em seu sonho, ela não apenas usa seu poder de trazer outras pessoas para seus sonhos (que por algum motivo ela ainda não aprendeu a controlar) e traz a melhor amiga dela, como lhe transmite seu poder (porque aparentemente isso ela sabe controlar!) antes de morrer sem lhe dar qualquer aviso de que poder é esse! É pedir por um desastre, não?! Se ela não tivesse feito isso, Freddy simplesmente mataria a amiga, e então desapareceria pois não tem mais quem matar (pelo menos, essa é a lógica que o filme passa). E está certo, Kristen lhe passou o poder para protege-la, mas 1) Mandar outras pessoas para os sonhos ao final não ajudou Kristen em nada; e 2) Transmitir o poder de mandar outras pessoas para seus sonhos a uma pessoa que não faz a menor ideia de que poder é esse é exatamente o que Krueger quer, pois ela vai involuntariamente ficar mandando mais carne fresca pra ele! E adivinhem só, é exatamente isso que acontece! Pense um pouco mais da próxima vez, Kristen, antes de sentenciar mais pessoas inocentes à morte!
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            Mas enfim, após essa péssima desculpa para não terminar o filme por aí, temos a nova protagonista do filme, Alice (interpretada por Lisa Wilcox. E sim, o nome da personagem será usada contra ela em um filme sobre sonhos). E com ela, vem sua turma de sacos de carne, quero dizer, amigos.
            ... Nah, quero dizer sacos de carne mesmo, porque aja personagens sem-sal! Os de “Guerreiros” podiam não ser muito profundos, mas ao menos eram estereótipos coloridos e divertidos de se ver! Aqui, temos apenas um bando de moleques que não apenas são estúpidos ao extremo – conseguindo de alguma forma serem ainda mais teimosos que qualquer adulto da franquia ao insistirem em acreditar que Krueger não é real mesmo depois que quatro de seus amigos morrem de forma misteriosa em uma questão de dois ou três dias! -, mas também possuem quase nenhuma personalidade além de um ou outro traço que é usado contra eles por Krueger: Temos a gênia asmática, o cara que gosta de artes marciais (aparentemente alguém era fã de “Karate Kid” e quis que quis enfiar uma homenagem no meio do filme), a durona temperamental que tem medo de baratas, e um cara que eu juro que o único traço de personalidade dele é ser “o gostosão”.
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            E no centro dessa turma, temos Alice, que no meio desses personagens quase sem personalidade consegue o feito de ter nenhuma personalidade! Sério, zero! Como se isso não bastasse, ao longo do filme é estabelecido várias vezes que Alice possui esses momentos em que ela simplesmente devaneia sobre coisas que ela gostaria de fazer, sendo que “devaneio”, em inglês, é convenientemente chamado de “daydream” (ou “sonho diurno”). E o que o filme faz com tais devaneios? Querem mesmo saber? Vocês não vão acreditar! Mas então lá vai: O que o filme faz com tais devaneios é... Rufem os tambores... ABSOLUTAMENTE NADA!!!! Freddy Krueger nem uma única vez usa isso contra Alice!
            Uau! Apenas... Uau! Aja oportunidade desperdiçada!
            Mas afinal, há algo de positivo em Alice? Bom... E aí é que as coisas começam a ficar um pouco estranhas, porque aparentemente a falta de personalidade de Alice... É de propósito! Isso porque, junto com o poder de trazer outras pessoas para seus sonhos que ela herdou de Kristen, ela aparentemente ganhou também um poder dela: Toda vez que algum de seus amigos morrem, ela ganha um traço da personalidade deles. Assim, quando Kristen morre, ela passa a fumar como Kristen; quando a gênia morre, Alice se torna inteligente como ela; o cara das artes maricias morre, e de repente ela aprende karatê mais rápido que Neo em “Matrix”! E pela união de seus poderes ela é a Capitã Pla... Ah, vocês entenderam!
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            E por mais bizarro que possa soar, essa é de longe a parte mais inteligente do filme! Sim, Alice ganhar poderes no mundo real fazendo pessoas morrerem nos sonhos soa pra lá de fantasioso (e um tanto doentio, parando pra pensar), mas ainda assim está muito mais próximo do surrealismo sutil de “A Hora do Pesadelo” do que os poderes de sonhos de “Guerreiros”.  Não bastasse, a transformação da protagonista está recheada de um óbvio, mas ainda assim surpreendentemente inteligente simbolismo: No começo, o espelho no quarto de Alice está tapado por fotos que ela tem de sua família e amigos. Cada vez que um deles morre, porém, ela arranca a foto dele ou dela do espelho, sendo assim aos poucos capaz de ver seu próprio reflexo. Acho que não preciso dizer o quanto isso é uma metáfora de como que, ganhando traços da personalidade de seus amigos, ela está aos poucos ganhando uma identidade própria, não? (e, para mim, isso é mais que prova o suficiente de que a falta de personalidade de Alice era 100% proposital!)
Além disso, até o terceiro ato do filme Alice está o tempo todo vestindo uma saia “de menininha” e uns sapatos que, não fosse o tamanho, poderiam muito bem ser infantis, e em uma cena uma de suas amigas até comenta maldosamente que “seus hormônios ainda vão começar a trabalhar um dia”, então a construção de uma identidade própria de Alice “pode até” ser vista como uma parábola sobre a transição da infância para a fase adulta. Eu não acredito que estou dizendo isso depois de falar tão mal deste filme, mas... Parabéns, “Mestre dos Sonhos”! Ao menos alguma inteligência você mostra!
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            Mas, infelizmente, isso não é o suficiente para salvar “O Mestre dos Sonhos”. É, desculpe, mas o bom arco de Alice ainda não perdoa o fato de que todos os outros personagens novos são extremamente sem-graça; as mortes são pouco criativas; o enredo faz pouquíssimo sentido, tendo ora reviravoltas desnecessárias que existem apenas para prolonga-lo (há inclusive uma cena completamente desnecessária em que Krueger de alguma forma consegue fazer um “looping no tempo”, e então vemos Alice e “gostosão” fazerem exatamente as mesmas coisas três vezes), ora oportunidades desperdiçadas como os devaneios de Alice; e, o pior de tudo, simplesmente não é assustador, e a transformação de Krueger em uma piada é um verdadeiro desserviço à franquia.
            Ainda assim, entendo quem disser que gosta do filme, pois admito que há inteligência e algumas boas qualidades nele, mesmo que em meio a um lodo cinematográfico. Mas não se preocupem: Os filmes da franquia sem nenhuma qualidade que os redima ainda estão por vir...


Avaliação: Não vale a pena.

sábado, 17 de setembro de 2016

Aquarius

Antes que alguém venha me encher o saco: NÃO, não falarei aqui de nenhuma controvérsia política envolvendo este filme, e por dois motivos: 1) Como eu disse em minha crítica de “Stallone Cobra”, discussão política realmente não é minha área, portanto não pretendo e não quero me envolver nisso; e 2) Analiso aqui apenas o conteúdo dos filmes, e embora se possam relacionar as controvérsias com o conteúdo, não é de todo necessário analisa-las para se entender “Aquarius”, e portanto não arriscarei gastar minha paciência respondendo quaisquer comentários políticos que alguém faça (Ha! Como se eu tivesse páginas e páginas de comentários das minhas postagens...).
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            Mas enfim, de qualquer forma, eis aqui o filme sobre o qual todo mundo está falando. E como resumi-lo? Bem, de certa forma a canção de Taiguara que toca durante o filme involuntariamente faz esse trabalho: Quando se pensa bem, “Aquarius” é um filme sobre uma mulher que traz hoje em seu corpo as marcas de seu tempo e no olhar imagens distorcidas; sobre cores, viagens e mãos desconhecidas que trazem a lua, a rua às suas mãos enfraquecidas e vazias, que parecem procurar nuas por alguém pelas luas e ruas na solidão das noites frias; e sobre homens sem medo que aportam no futuro, homens de aço que esperam da ciência, enquanto que ela tem medo, acorda e procura por alguém em seu quarto escuro e inerte como a morte, desesperando-se e abraçando a ausência, que é o que lhe resta, andando morrendo pela vida.
            Apesar de poética, eis aí uma baita descrição do filme, tenho que dizer!
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            A protagonista de “Aquarius” é Clara (interpretada por Sônia Braga), 65 anos, jornalista e escritora aposentada (a internet diz que ela era crítica de música, mas isso fica mais implícito que explícito no filme), viúva e sobrevivente de um câncer de mama que lhe tirou o seio direito mais de trinta anos antes. Clara é a única habitante que resta no Edifício Aquarius, um pequeno edifício antigo de frente para o mar em Recife. Devido a isso, ela a maior parte do tempo sequer sente necessidade de trancar a porta de seu apartamento, e sua rotina consiste principalmente de banhos de mar e ouvir sua gigantesca coleção de LPs (colecionadores com certeza irão babar e ficar com as mãos tremendo diante da estante dela).
            Sua vida, porém, vai ficando cada vez mais abalada pela presença constante de uma empreiteira que pretende comprar o Aquarius para “moderniza-lo” (vulgo demoli-lo e construir um arranha-céus moderno no lugar). Tendo já comprado todos os outros apartamentos do edifício, só lhes falta o de Clara. Esta, porém, se mostra firme e teimosa insistindo em não vender seu apartamento de jeito nenhum, apesar de a empreiteira lhe fazer uma oferta muito acima do mercado. Mas dinheiro algum no mundo convence Clara a vender o apartamento que lhe pertence há décadas, e da qual ela tem tantas memórias. O que ela não imagina é o quão sujo a empreiteira está disposta a jogar para conseguir força-la a vendê-lo, fazendo festas que “acidentalmente” não a deixam dormir, “acidentalmente” sujando o edifício, “acidentalmente” invadindo sua privacidade, e coisas cada vez piores. Mas nada faz Clara desistir, e quanto mais sujo eles jogam, mais ela fica disposta a revidar.
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            Ok, vamos admitir: Essa premissa de “salvar seu lar de tantos anos da companhia corrupta do mal” não chega a ser nada novo no cinema... Mas de uma forma curiosa, o fato de estarmos familiarizados com ela a torna até mais interessante (isso é, claro, quando é bem feita). O primeiro motivo é porque é uma premissa que não só se permite ser adaptada a quase qualquer país do mundo e a quase qualquer época desde que o cinema começou, como também exige estar sintonizada com a realidade que o filme quer retratar; assim, tais filmes nos permitem, através de uma premissa comum, analisar as diferentes realidades de cada lugar e de cada tempo: Se o enredo central de “Aquarius” soa semelhante a, digamos, “Leviatã”, são os detalhes e o desenvolvimento de cada uma das tramas que nos permitem analisar os dois filmes e, assim, comparar a realidade brasileira de “Aquarius” à realidade russa de “Leviatã”.
            O segundo motivo pelo qual essa premissa é tão interessante, apesar de familiar, é que ela geralmente é tão boa quanto seu protagonista; em tais filmes, o importante não é o desenrolar da trama, mas o estudo de personagem do protagonista, dissecar sua personalidade e sua vida para nos fazer entender porque ele não larga de seu osso, o que faz com que ele enfrente empresas poderosas e políticos corruptos por meras quatro paredes que, a princípio, não parecem valer todo esse esforço; ao final, acabamos, através desse estudo de personagem, entendo melhor não apenas sobre o protagonista, mas sobre algum aspecto importante de nossa condição humana.
            E então, como é que “Aquarius” se sai nisso? Afinal, quem é Clara e por que esse apartamento é tão importante para ela?
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            Bem, de uma forma resumida, Clara é uma mulher que está pouco a pouco desaparecendo. Na primeira cena do filme, um flashback, vemos que em 1980 Clara era uma mulher alegre, ativa, de vida social intensa, com um marido que a amava muito e parentes que, cada um a sua maneira, a apoiavam (ou pelo menos tentavam) em sua luta contra o câncer. Enfim, acima de tudo, Clara existia, e seu apartamento é testemunha disso (assim como sua tia, que, no flashback, olha para a mobília e tem memórias um tanto “calorosas” do lugar).
            Atualmente, porém, Clara é uma mulher em vias de desaparecer: Os vizinhos, que antes animavam seu apartamento, mudaram-se todos. Uma repórter que a entrevista ignora um momento em que Clara se abre e insiste em repetir uma pergunta esdrúxula. Os filhos só a vem visitar quando há algo importante ou algum favor envolvido. Um deles inclusive se mostra bastante relutante em lhe mostrar uma foto com seu namorado, apesar de ela aceitar plenamente sua orientação. Seu sobrinho, o parente com o qual ela convive mais, ignora seus conselhos. Sua vida amorosa é um fiasco, pois os homens, assim que descobrem de sua cirurgia de remoção de mama, perdem qualquer desejo por ela. Para piorar, enquanto que em 1980 vemos um casal de adolescentes parando de se beijar para deixa-la passar e, apesar de ela falar que eles podem continuar, ficarem parados, como que em respeito a ela; no presente vemos Clara duas  vezes bisbilhotar pessoas fazendo sexo e estas apenas continuam sem nem notar sua presença!
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            É exatamente por isso que ela se mostra tão ferrenhamente apegada a seu apartamento: Não apenas por causa das memórias, mas porque é uma das únicas coisas no presente que, em meio a um mundo que a ignora cada vez mais, ainda lhe permite manter uma identidade, saber que existe; enquanto ela permanecer em seu apartamento, não desaparecerá totalmente, mas se vende-lo e se mudar para outro lugar “mais moderno e seguro”, como todos querem que ela faça, perderá sua identidade e se tornará apenas uma relíquia do passado, como sua coleção de fotos ou seus LPs. Para ela, mudar para um apartamento “mais moderno” seria como uma ossada que é removida do túmulo para ficar guardada em uma gaveta anônima (para quem ainda não assistiu ao filme, quando assistirem essa comparação fará todo o sentido).
            Eis aí o triste lado da condição humana que “Aquarius” nos mostra: O medo que, no fundo, muitos de nós sentimos de “morrer em vida”, perder nossos vínculos com o resto do mundo e com o que nos torna nós mesmos, tornar-se apenas um fantasma de um tempo melhor que já passou e do qual nada nos resta. Para Clara, porém, ainda resta uma última coisa que a evita de se transformar em um fantasma: Seu apartamento. E pode ter certeza que ela o defenderá até a morte, se necessário.
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            Nisso temos em “Aquarius”, como em todo bom estudo de personagem, a transformação da protagonista do início ao fim do filme. Se no começo Clara se mostra discreta, reservada, parecendo até um pouco encolhida quando atende o dono da empreiteira e seu neto (que, aliás, é interpretado por Humberto Carrão em uma atuação tão passiva-agressiva que até Sônia Braga sente a necessidade de enfatizar isso em uma cena) em sua porta, como uma típica senhorinha acostumada ao auto isolamento, à medida que estes vão jogando cada vez mais sujo e testando cada vez mais a paciência de Clara, ela vai endurecendo, falando mais alto, olhando-os nos olhos e de queixo erguido, deixando a educação de lado e jogando alguns bons e merecidos palavrões na cara deles.
            E o mérito por tal transformação é totalmente de Sônia Braga. Há quem diz que essa é a melhor atuação da vida dela, e embora não tenha o conhecimento necessário para confirmar isso, preciso admitir: Meu, que mulher! Braga é capaz de interpretar tanto o desgaste do lento desaparecimento de sua personagem quanto a força que a resistência à empreiteira lhe dá; tanto a fragilidade de seu isolamento quanto o orgulho de, nas palavras de Rocky Balboa, “ficar frente a frente com alguém dizendo ‘Eu sou’”.
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Ok, essa é uma comparação que eu não esperava fazer, mas quando se para pra pensar, não deixa de fazer um estranho sentido, especialmente comparando com o sexto filme. Afinal, tanto “Aquarius” quanto “Rocky Balboa” possuem um(a) protagonista velho(a) e sozinho(a) que passa os dias revivendo o passado, tornando-se cada vez mais uma sombra do que era antes, sem muitas perspectivas para o futuro e não tendo tantas pessoas com quem conversar de forma mais aberta  – até um desafio surgir e lhe dar novas energias de se impor ao mundo e mostrar que ainda existe.
... Eu devo ter irritado uma boa quantidade de intelectuais com essa comparação, não? Bom, não me arrependo de nada!
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            Mas, infelizmente, “Aquarius” não é um filme perfeito. E o motivo? Bom, posso resumi-lo em apenas três dígitos: 142. Por quê? Porque essa é a duração do filme (em minutos, óbvio)!
            E sinceramente, “Aquarius” não precisava de forma alguma ser tão longo assim. Algumas cenas parecem se prolongar puramente por se prolongar, como uma em que Clara e suas amigas conversam por um tempão em uma espécie de “baile da terceira idade” sobre absolutamente nada (o único ponto importante da conversa sendo quando uma das amigas recomenda um “profissional” a Clara). E até suponho que a ideia do diretor Kleber Mendonça Filho (o mesmo de “O Som ao Redor”) fosse com isso dar uma maior “naturalidade” à cena, e se essa foi a intenção, ela funcionou: Eu de fato me senti como em todas as vezes em que sentei junto com um monte de pessoas que não eram minhas amigas e ficavam conversando entre si, me ignorando e fazendo-me balançar o joelho e esperar para que qualquer coisa de interessante acontecesse!!!! (Desculpe, só más lembranças que preciso soltar) Como se não bastasse, apesar de vários personagens aparecerem ao longo do filme, é possível contar nos dedos quantos são de fato relevantes para a trama. Inclusive, há uma cena em que um personagem que Clara conhecia quando ele era criança aparece apenas para lhe dar um aviso nefasto, dizer uma frase de efeito, e então nunca mais mostrar a cara pelo resto do filme! Por que ele está lá?!
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            Ainda assim, não fico tão furioso com esses momentos “inúteis” a ponto de dizer que eles estragam o filme, pois de certa forma dá para entender o que Mendonça queria com elas, com a maioria seguindo uma espécie de padrão: Algum objeto ou pessoa é apresentado, e isso leva a uma intensa explosão de sentimentos que Clara investiu naquilo ou naquela pessoa. Tais objetos ou pessoas não são especiais pela importância que eles têm, mas pelas memórias a eles ligados, pelas histórias pessoais que eles trazem consigo – Clara chega a dizer isso de forma um tanto explícita em uma cena envolvendo um LP de John Lennon. Nisso, essas cenas conseguem passar, com uma sutileza rara de se ver nos filmes nacionais “intelectuais” (que por vezes, honestamente, chegam a parecer mais com aulas de sociologia), a mensagem central do filme: O que nos falta, acima de tudo, é esse senso de memória, de herança, de que as coisas e lugares valem mais do que apenas seu valor material. Mais do que tudo, esse senso não é importante por mera nostalgia – é ele que nos torna mais fortes, é ele que nos faz importar com o que é nosso e lutar por isso, protestar quando alguém quer tirar aquilo de nós, assim como Clara luta por seu apartamento. Se essa mensagem possui alguma conotação política? Claro que sim! Mas essa interpretação deixarei a vocês.
            ...
            ...
            ...
            Mas sério, 142 minutos?! Eu entendo o que você quer dizer, Mendonça, mas precisa dizer tanto?!
            ... Pensando bem, quem sou eu pra falar isso?


Avaliação: Vale a pena.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

A Hora do Pesadelo - Os Guerreiros dos Sonhos

            Enquanto que “A Hora do Pesadelo 2” é considerado pela maioria dos fãs como o filme mais irrelevante da franquia (a ponto de ser perfeitamente possível pular direto do primeiro para o terceiro filme sem perder nada, como estou fazendo aqui), “A Hora do Pesadelo – Os Guerreiros dos Sonhos” é um caso um tanto curioso: Por um lado, essa é de fato uma das melhores continuações de terror já feitas, todo mundo admite isso. Mas por outro... Não há muita concorrência para esse título ter um grande valor, não é?
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            Foi nesse ponto que a franquia assumiu o tom que atualmente conhecemos e reconhecemos: Qualquer ambiguidade é deixada de lado, com Freddy Krueger sendo admitido como real, e portanto deixando de ser um bicho-papão inexplicável e tornando-se um personagem de fato, que exige uma maior caracterização. E embora essa inteligência do filme original tenha sido jogada no ralo, “Guerreiros dos Sonhos” não deixa de ter sua própria criatividade, a começar que as mortes aqui não são meros homicídios com um toque de fantasia: A forma como Krueger mata suas vítimas neste filme reflete a personalidade delas e suas fraquezas. Sem falar que a contagem de mortes aqui, embora relativamente baixa, é pelo menos digna do gênero slasher. E no geral, “Guerreiros dos Sonhos” é um filme mais divertido que o original, com frases de efeito, efeitos especiais, estereótipos dos anos 80, seios e, claro, não vamos esquecer sua música-tema cantada pela banda de heavy metal Dokken que é simplesmente viciante (sério, pelo amor de deus, ouçam essa música, não tem como se arrepender!).
            Mas vamos admitir entre nós: Esse filme é tão idiota!
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            Mais uma vez, a estrutura narrativa básica está aí: Um grupo de jovens se vê perseguidos por Freddy Krueger em seus sonhos, quando eles são feridos ou mortos nos sonhos o mesmo acontece no mundo real e blah, blah, blah, já falei disso anteriormente. Mas essa não é a única coisa que “Os Guerreiros dos Sonhos” possui em comum com o primeiro filme. Se você assistiu “A Hora do Pesadelo” (e por algum motivo nunca tocou nas continuações): Lembra-se dela?
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            Isso mesmo, Nancy, a protagonista do primeiro filme, está de volta, mais uma vez interpretada por Heather Langenkamp. Ué, você não achava que ela havia morrido no final do primeiro filme? Como é que ela escapou?! Bom, guarde essas perguntas para si, pois aparentemente seis anos depois dos eventos do primeiro filme (embora “Os Guerreiros dos Sonhos” tenha sido lançado apenas três anos após “A Hora do Pesadelo”. Ou seja, este filme oficialmente se passa no futuro), Nancy está perfeitamente sã e salva como uma residente médica especialista em sonhos (e com sua mecha de cabelo branco no lado errado)!
            Sabe, Wes Craven, eu sei que você não queria que o final do primeiro filme fosse ambíguo, mas isso não é desculpa pra simplesmente ignorar qualquer continuidade!
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            Cito Wes Craven aqui porque aparentemente, após ficar furioso com a New Lines Cinema por transformar seu filme em uma franquia, Craven resolveu aceitar que não havia volta e retornar a ela, co-escrevendo o roteiro e servindo como produtor executivo. E admito que, se o filme tivesse se mantido de acordo com sua ideia original, ele talvez tenha sido um pouco mais interessante. Infelizmente, porém, o estúdio exigiu revisões que mudaram drasticamente o roteiro original (e acabaram por afastar Craven da franquia por mais muitos anos). Nancy aparecer inexplicavelmente sã e salva neste filme, porém, foi uma das ideias de Craven que se mantiveram.
            Mas enfim, aceitando que Nancy está de volta e não há remédio para isso, qual o papel dela em “Guerreiros dos Sonhos”? Bom... Digamos que ela aqui é uma espécie de Mestre dos Magos. Pode soar como uma piada, mas é a verdade: O papel de Nancy em “Guerreiros dos Sonhos” é quase igual ao do Mestre dos Magos em “Caverna do Dragão”, servindo de amiga e mentora para o grupo de jovens assombrados por Freddy Krueger e tentando lhes providenciar conselhos e ajuda, mas não de uma maneira que efetivamente evite que os jovens se ferrem nas mãos do vilão. Soa familiar?
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            Pensando agora, a comparação está longe de ser forçada. Afinal, “Caverna do Dragão” é baseado no RPG Dungeons & Dragons (parando pra pensar, aja tradução forçada!), e “Guerreiros dos Sonhos”... Bem, “Guerreiros dos Sonhos” em muito soa mais como um RPG de fantasia do que como um filme de terror. Nancy até ensina os jovens a utilizarem – não estou brincando – seus “poderes de sonhos”.
            E antes que alguém diga: Não, o primeiro filme não fazia já referência a isso! O que “A Hora do Pesadelo” fazia referência é às habilidades de sonhos, que dentro do contexto do filme é uma forma de “sonho consciente”, que permite às pessoas controlarem o que estão sonhando e assim evitarem pesadelos – algo que faz sentido no mundo real e há relatos de pessoas capazes de tais habilidades! Os poderes de sonhos de “Guerreiros”, porém, são basicamente poderes mágicos que não apenas são individuais de cada personagem, como também são aparentemente imutáveis e variam de acordo com a personalidade de cada um deles... Mais ou menos como as HABILIDADES DE CLASSE DE UM RPG!!!!! Aliás, é até possível dizer qual que é a “classe” de cada personagem: Temos o bárbaro, o mago, a ladina, a monge... E isso em um filme que é supostamente de terror! Eu já disse que esse filme é idiota?
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            Mas de certa forma... Eu entendo quem por aí disser que é justamente isso o charme de “Guerreiros dos Sonhos”. Afinal, deem uma olhada em uma das fotos promocionais do filme:
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            Vendo uma imagem dessas e pensando sobre o que o filme se trata, você deve estar imaginando a mesma coisa que todo mundo imagina ao ver uma imagem dessas: Um grupo de jovens e coloridos estereótipos dos anos 80 que Freddy Krueger acha que vai ser fácil assombrar, mas que decidem dar o troco e juntos descerem o cacete em cima do sr. Cara-de-Pizza, utilizando-se do que havia de melhor em efeitos especiais naquela época. E adivinhem só, é isso que recebemos ao assistir o filme... Embora mais ou menos: Freddy Krueger não tem muita dificuldade em assombra-los, chegando a matar dois deles sem qualquer resistência... E os jovens não ficam muito unidos, separando-se uns dos outros no clímax aparentemente sem motivo algum... E só um ou dois deles conseguem efetivamente dar uma boa porrada em Krueger... Éééééé... Mas os efeitos especiais pelo menos estão lá! E tenho que admitir que são uma visão gloriosa para todos aqueles que já estão com os olhos cansados de tantas imagens computadorizadas: Quase tudo em “Guerreiros dos Sonhos” é feito de forma prática, com animatrônicos, maquiagem, stop-motion, jogos de iluminação e muito, muito esforço. Especialmente a cena em que Freddy Krueger assume a forma de um verme gigante, que até hoje continua impressionante.
            Falando no sr. Cara-de-Pizza, foi a partir deste filme que a New Lines Cinema resolveu mudar a impressão que ele causava. Agora ele já não era apenas um bicho-papão misterioso com poderes inexplicáveis: Agora ele era um personagem com uma personalidade marcante... E poderes inexplicáveis, isso pelo menos se manteve. Em “Guerreiros dos Sonhos”, ele não se contenta em ficar nas sombras, rindo de suas vítimas enquanto as persegue: Ele mostra a cara, tortura os jovens até se cansar, e o tempo todo faz piada da situação, soltando algumas das frases de efeito mais memoráveis da história do cinema de terror (“Bem-vinda ao horário nobre, vadia!”). Nota-se até uma mudança na atuação de Robert Englund, que aqui assume uma voz grossa, menos maliciosa e mais imponente do que no primeiro filme. Mais do que um personagem, em “Guerreiros dos Sonhos” Freddy Krueger assume uma proporção quase mitológica: É nesse filme, por exemplo, que ele é chamado pela primeira vez pela sua famosa alcunha de “O Filho Bastardo de Cem Maníacos”.
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            Tal mudança, porém, veio a um custo caro: É em “Guerreiros dos Sonhos” que Freddy Krueger começa a ficar cada vez menos assustador. E o motivo eu acabei de dizer: É aqui que ele deixa de ser a criatura que te assombra quando você dorme e se torna um personagem, um vilão. E vilões podem até ser intimidantes – e Krueger não é exceção – mas efetivamente assustadores? Para algo ser assustador, certa dose de mistério é quase necessária. Afinal, no fundo a maioria de nossos medos se resume àquilo que não conseguimos compreender – pois o que não compreendemos, não conseguimos evitar. E em “Guerreiros dos Sonhos”, acontece justamente o que não deveria acontecer: Passamos a compreender melhor Freddy Krueger, entender seu modus operandi e o que ele quer – nos é até esclarecido um pouco mais de seu passado.
            Mas de certa forma, não culpo tanto assim o filme por isso. Afinal, já que uma continuação seria feita de qualquer jeito, manter Freddy Krueger eternamente no mistério eventualmente perderia graça, e ansiaríamos por um pouco mais de caracterização. Sendo assim, “Guerreiros dos Sonhos” até que lida com essa transição de monstro para vilão de uma maneira que está longe de ser ruim, dando a Krueger uma personalidade que, embora o deixe menos assustador, é uma das mais memoráveis dos filmes de terror.
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            Ao final, se você quiser ver “Guerreiros dos Sonhos” mais como um filme de fantasia sanguinolento e meio assustador, mas cheio daquela sensação de diversão particular dos anos 80, talvez você tire algum proveito dele. Mas se você decidir assisti-lo porque gostou do primeiro filme e está com gostinho de “quero mais”, você vai acabar se decepcionando. Mas de um jeito ou de outro, se for pra assistirmos o filme, recomendo irmos até os créditos finais, para podermos cantar todos juntos: With the dreeeeeeeeam waaaaaaarriooooooors, don’t want to dream no mooooore, with the dreeeeeeeeam waaaaaaarriooooooors, and maybe tonight, MAYBE TONIGHT YOU’LL BE GOOOOOOONE!!!!!!!


Avaliação: Não vale a pena.
P.S: Não falei sobre isso porque imagino que todo mundo vai pensar a mesma coisa ao assistir o filme, mas... Por que raios o hospital onde o filme se passa não tem câmeras?! Metade dos problemas estariam resolvidos com isso!
Desculpe, precisava soltar isso da minha cabeça.

domingo, 4 de setembro de 2016

Primavera Para Hitler

            Entre todas as coisas que abalaram a internet esta semana (e olha que a lista é longa...), uma delas foi a morte do ator Gene Wilder aos 83 anos, vítima de complicações do Mal de Alzheimer. Em tudo que era lugar, eu via notícias do tipo “Morre ator que interpretou Willy Wonka”, “Morre Willy Wonka de ‘A Fantástica Fábrica de Chocolate’”, “Gene Wilder, ator que viveu Willy Wonka, falece aos 83 anos”.
            E a minha reação a tudo isso foi simplesmente: “Sério?! É só isso que se lembram dele?! Willy Wonka?! Ninguém menciona que ele foi também o Jovem Frankenstein?! Ou todos os filmes que além de atuar ele também escreveu e dirigiu?! Ou então seu papel como Leo Bloom em ‘Primavera Para Hitler’, pelo qual ele ganhou sua única indicação ao Oscar como ator?!”.
            Pera aí...
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            É, acho que se for pra fazer uma homenagem à carreira de Gene Wilder, um bom lugar para se começar é esta comédia. Afinal, ela foi vários “primeiros” para ele como ator: Foi seu primeiro papel significativo em um filme (seu único outro papel nos cinemas até então havia sido como um refém em “Bonnie e Clyde”); o primeiro filme de sua longa parceria com o diretor Mel Brooks, que renderia mais três outros filmes (“Banzé no Oeste”, “O Jovem Frankesntein” e “O Irmão Mais Esperto de Sherlock Holmes”); e, como eu já disse, sua primeira indicação ao Oscar e única como ator (mais tarde ele, junto com Brooks, seria indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por “Jovem Frankenstein”). E embora ele tenha aqui um papel coadjuvante, este é de grande importância por ser o verdadeiro “foco empático” do filme.
            O protagonista em si é Max Bialystock (interpretado por Zero Mostel), um produtor da Broadway que já foi grande, porém agora está à beira da falência, a ponto de vestir um cinto de papelão e ter que namorar velhinhas ricas para conseguir dinheiro para suas peças, pois ninguém mais quer investir nelas. É justamente quando ele está com uma delas que aparece em seu escritório Gene Wilder na forma do contador Leo Bloom, para fazer suas contabilidades.
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            Quando descobre um pequeno furo nas contas de Bialystock envolvendo o orçamento superfaturado de uma peça que foi um fiasco, Bloom acaba tendo uma epifania: É possível um produtor ganhar mais dinheiro com uma peça ruim do que com uma boa. Qual a lógica disso? Simples: Se o produtor conseguir convencer pessoas a investirem muito mais dinheiro em uma peça do que é realmente necessário para produzi-la, mas ela acabar sendo tão ruim que é cancelada logo após a estreia, os investidores não se darão ao trabalho de ir atrás de suas porcentagens do lucro dela (afinal, a peça presumidamente terá dado prejuízo). Assim, o produtor ao final terá um orçamento sobrando com o qual ninguém está interessado, e tudo que ele precisa então fazer é não declarar nada disso no imposto de renda.
            E se você acha que essa é uma lógica furada e que na vida real algo parecido jamais seria possível... Apenas leia minha crítica de “A Reconquista” para perceber o quando essa sátira do show business está longe de ser implausível.
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            De qualquer forma, a epifania de Bloom imediatamente chama a atenção de Bialystock, que resolve pôr o esquema em prática encontrando uma peça que seja um fracasso certo; namorando velhinhas até arrecadar US$ 1 milhão a mais do que o necessário para se produzi-la; não declarando o dinheiro extra no imposto de renda; e, assim que a peça estrear e, devido à sua ruindade, for cancelada, fugindo com o dinheiro para o Rio de Janeiro (porque né ¯\_()_/¯ ). Para isso, ele precisaria da ajuda de Bloom para que este faça a parte das contabilidades. A princípio, Bloom fica histérico e hesita em partir para a desonestidade com medo de ir pra prisão, mas depois que Bialystock o convence do quão vazia é sua vida contando o dinheiro de pessoas mais ricas que ele e que o dinheiro lhe permitiria ostentar a vida que ele sempre quis, o tímido contador aceita participar do plano, e os dois logo formam um tipo estranho de amizade nascido do puro interesse egoísta.

Só falta, então, começar os preparativos para a produção da pior peça do mundo, que eles encontram na forma de “Primavera Para Hitler”, uma farsa estrelando Adolf Hitler e Eva Braun como protagonistas e fazendo uma explícita apologia ao nazismo, escrita por um ex-soldado alemão (interpretado por Kenneth Mars) que se mantém fiel a seus ideias a ponto de vestir um capacete militar em plena luz do dia. Como se isso não bastasse, Bialystock e Bloom conseguem ainda contratar o pior diretor da Broadway (interpretado por Christopher Hewett), que tem a insana ideia de transformar a peça em um musical, e para o papel de Hitler descobrem por acaso L.S.D., um cantor hippie tão estúpido que é capaz de esquecer-se do próprio nome (interpretado por Dick Shawn).

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            Uma coisa tenho que dizer, Mel Brooks com certeza merece reconhecimento por ter conseguido o feito de propositalmente ter feito tudo em “Primavera Para Hitler” da pior forma possível: Quando você acha que um musical sobre Hitler é a coisa de mais mau-gosto que é possível oferecer, Brooks consegue dar um jeito de piorar a situação, a ponto de, quando o primeiro número musical acaba, você está tão pasmo quanto o público. Os cenários e figurinos são mal feitos, as letras são ofensivas, as falas beiram até ao fascínio de tão absurdas que são, e as atuações... Meu deus, as atuações...

            Pera aí, vocês acham que estou falando da peça?!

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            Eis a grande sacada de “Primavera Para Hitler”: Ao final, percebe-se que a insanidade da peça é apenas um reflexo da inquieta insanidade de seu processo de produção, e daqueles envolvidos nele. Na verdade, depois de ver tudo o que vimos durante o processo de produção retratado no filme, a peça em si quase não chega a nos chocar (quase...): Se o público fica literalmente boquiaberto com os figurinos, cenários, letras, atuações e o próprio fato de estar assistindo um musical sobre o nazismo, nós já ficamos tão boquiabertos quanto durante a primeira hora do filme, não conseguindo acreditar no que vemos: Quando achamos que temos uma noção de qual seria a pior peça já escrita, eis que o filme nos traz algo ainda pior; quando achamos que temos uma noção de qual seria o pior diretor possível, eis que o filme nos traz algo ainda mais “peculiar”, nas palavras de Bialystock; quando achamos que temos uma noção de qual seria a pior performance que já apareceu na face da Terra, eis que o filme nos traz L.S.D. e seus constantes improvisos (que são na maior parte improvisos do próprio Shawn).

O fato de “Primavera Para Hitler” ser tão ruim fora quanto dentro do palco bem possivelmente irá afastar alguns, como fez quando foi lançado em 1968 (em sua estreia, críticos destruíram o filme, que acabou também sendo uma decepção de bilheteria). E mesmo que não afaste, admito que seja um tanto desconfortável assistir um filme em que alguém canta “Don’t be stupid, be a smartie/ come and join the Nazi party!”. E considerando o quão próximas as tragédias do nazismo ainda eram naquela época, o desconforto devia ser ainda maior. Quero dizer, imaginem se alguém atualmente fizesse um filme com uma premissa semelhante, mas ao invés de um musical sobre o nazismo os produtores estivessem tentando fazer um musical sobre, digamos, o 11 de setembro? Só pensar nisso já soa errado, não?

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Felizmente, quase quarenta anos permitiram que os cinéfilos atuais vissem além da ofensa e da ruindade, e percebessem o quanto tudo isso, até mesmo o desconforto, é proposital de uma forma bastante ousada, pois ao fazer uma comédia lidando com o nazismo a ideia de Mel Brooks não era desrespeitar ninguém além daqueles dos quais o musical dentro de seu filme lidava: Os próprios nazistas, que em “Primavera Para Hitler” têm qualquer seriedade arrancada deles e, assim, são jogados ao chão, vistos como loucos ridículos que merecem ser ridos. Poucos, mesmo atualmente, teriam a coragem de fazer algo neste nível, fazendo o público passar a ver o filme com mais bom-humor e uma mente mais aberta.

            Mas o mérito por “Primavera Para Hitler” não é puramente de Mel Brooks: O choque cômico não seria possível se os atores não tivessem entrado na brincadeira, deixando qualquer sutileza de lado e assumido seu lado mais exagerado, a tal ponto que, mesmo aqueles que entendem bem inglês acharão o filme quase incompreensível sem legendas: Temos Zero Mostel gritando vigorosamente suas falas 90% do tempo enquanto esbugalha os olhos em desespero, Christopher Hewett parecendo quase selvagem de tão excêntrico (quando Bialystock e Bloom vão à casa do diretor para convencê-lo a entrar na peça, Bialystock dizer a Bloom “acena o cigarro dele, ele gostou de você” como se o diretor fosse algum animal arredio), e Dick Shawn fazendo uma “atuação-dentro-da-atuação” que beira ao indescritível. Se a falta de sutileza das atuações não ajuda, temos ainda Kenneth Mars imitando um sotaque alemão, Lee Meredith (que interpreta a “secretária” de Bialystock) imitando um sotaque sueco, e Andreas Voutsinas (que interpreta o secretário do diretor) reforçando seu sotaque grego.

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            E em meio a toda essa insanidade, eis que temos Gene Wilder. Entre todas as atuações, a dele é a mais comedida (a maior parte do tempo, pelo menos). Não que ele não seja engraçado; pelo contrário! Quero dizer, olhe a cara dele!

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            Vá dizer que essa cara de Harpo Marx sozinha não te faz rir nem que seja internamente!

            Mas ainda assim, o personagem de Wilder é definitivamente aquele com o qual o público mais se identifica, de personalidade tímida (embora propenso a ataques histéricos) e fazendo uma constante cara de “Eu não pertenço a este lugar. P-por favor não me toque, você está invadindo meu espaço particular” toda vez que encontra um novo personagem completamente louco. E é assim que ele se torna o que chamei no começo desta crítica de o “foco empático” de “Primavera Para Hitler”, personagem de papel curiosamente importante em comédias neste estilo. Afinal, quando sua comédia se passa em um ambiente caótico, onde nada parece fazer muito sentido e os personagens parecem fazer o que bem lhes dá na telha, é bom ter algo em que nos ancorar, algo com que nos identifiquemos para não nos perdermos em meio ao turbilhão de loucura do filme.

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Não que toda comédia sem este papel seria obrigatoriamente ruim: Os Irmãos Marx, por exemplo, constantemente faziam comédias sem qualquer foco empático, onde apenas a anarquia reinava; porém, embora eu goste dos filmes deles, compreendo perfeitamente quem se sente confuso com tanta aleatoriedade reunida e nem uma única coisa que faça sentido. Em “Primavera Para Hitler”, porém, é Gene Wilder que dá essa pequena presença de sentido, como uma Alice que nos guia através de um País das Maravilhas onde nada segue qualquer lógica (uau, eu não esperava fazer essa comparação); curiosamente, um papel exatamente contrário ao que ele interpretou mais tarde em “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, onde ele era o grande foco de insanidade do filme frente à timidez e/ou histeria dos outros.

 


Avaliação: Vale a pena.