terça-feira, 30 de agosto de 2016

A Hora do Pesadelo

            É curioso como que, mais do que em qualquer outro gênero, as franquias de terror tomam rumos completamente diferentes do inicialmente proposto pelo filme original. Pegue, por exemplo, a franquia “Sexta-Feira 13”: Que imagens vêm à cabeça de quem nunca assistiu aos filmes ao ouvir dela? Obviamente elas envolverão um zumbi assassino vestindo uma máscara de hóquei sobre o rosto e de facão na mão, com um ódio particular por adolescentes. É uma imagem tão forte em nosso imaginário coletivo que ficamos surpresos ao assistir pela primeira vez o “Sexta-Feira 13” original e ver que ele é completamente diferente desta imagem.
            O mesmo acontece com o que é considerada a grande rival da franquia “Sexta-Feira 13”, “A Hora do Pesadelo”: De tão acostumados com o que ficou estabelecido como sendo conceitos essenciais a ela, ficamos até um pouco confusos com o quão vagamente estes mesmos são abordados no primeiro filme.
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            Claro que a discrepância aqui não é tão grande quanto a de seu rival. Afinal, os elementos considerados essenciais à franquia ainda estão todos lá: Um grupo de adolescentes se vê assombrado em seus pesadelos por um homem desfigurado chamado Freddy Krueger. Sempre que este os ataca, porém, as marcas e ferimentos permanecem no mundo real ao acordarem, e não demora muito para eles perceberem que a mesma lógica se aplica caso Freddy os mate em seus sonhos.
            Tal premissa, porém, não é feita da forma como o espectador atual esperaria.
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            Em uma era em que todo filme com uma premissa minimamente absurda tem que expor sua lógica nos mínimos detalhes com medo de deixar para trás algum furo no enredo que deixe o público confuso, “A Hora do Pesadelo” nos dá um soco na cara e nos retorna aos velhos tempos (mais conhecidos como anos 80) em que filmes jamais expunham sua própria lógica, ao invés disso nos jogando direto em uma cova dos leões sem de fato qualquer pé nem cabeça, nenhuma explicação sendo realmente dada, e a pouca que aparece vindo lentamente ao longo do filme; uma época em que quarenta minutos de história de origem de um super-herói podiam ser resumidos apenas em “Faço isso porque ninguém mais faz” (sim, estou falando de você, Nolan).
            “A Hora do Pesadelo” não é diferente: Demora quase metade do filme para sequer descobrirmos o nome da figura misteriosa que persegue os protagonistas, e mesmo assim há um hiato antes de nos ser revelado quem ele é. Quaisquer “porquês” ou “comos”, porém, são deixados completamente de lado: Jamais ficamos sabendo como é que Freddy Krueger consegue entrar nos sonhos de suas vítimas, ou porque ele só passou a ataca-las a partir do momento em que o filme começa, e não antes. Nosso trabalho é apenas aceitar que é assim e ponto, qualquer explicação sendo deixada a cargo do próprio espectador... Ou então das continuações.
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            Então como é que um filme com um aspecto narrativo que pesa tão contra ele (afinal, vamos admitir que ser jogado na cova dos leões pode até ser interessante, mas está longe de ser uma experiência agradável) consegue não apenas se salvar, mas ainda ser considerado um dos melhores e mais importantes filmes de terror de todos os tempos? Bom, pelo simples motivo de que sua premissa permite isso. Mais do que permite: Incentiva isso! Afinal, não vamos esquecer que a premissa de “A Hora do Pesadelo” gira em torno de sonhos. O que são sonhos que não momentos em que somos justamente jogados em mundos cuja lógica está muito além de nossa explicação racional? Não é isso que os tem tornado tão fascinantes à humanidade por milênios?
            E é assim, meus caros, que “A Hora do Pesadelo” deixa de ser um filme vago e até meio confuso e torna-se inteligente, talvez até genial.
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            Em primeiro lugar, há a ambientação do filme, sobre a qual muito já se falou. É preciso ao falar disso se lembrar que “A Hora do Pesadelo” foi lançado em 1984, época em que, após o fim da onda hippie nos anos 60, as pessoas voltavam enfim a questionar o “sonho americano” (preparem-se para os trocadilhos, pois há muitos outros por vir). Sendo assim, os protagonistas iniciam o filme como adolescentes tão comuns como adolescentes podem ser, sem nenhum grande problema, vivendo em um subúrbio aparentemente perfeito de uma cidade aparentemente perfeita em Ohio (embora tenha sido filmado inteiramente em Los Angeles, mas que seja). A vida deles é o ideal com o qual a classe média americana tanto sonhava, uma bolha onde a maior preocupação é ter um passe para andar pelos corredores da escola.
            Porém, assim que os pesadelos começam, os adolescentes enfim passam a escavar mais a fundo e descobrir, com o perdão da palavra, as m&rd@s que sustentam a bolha em que vivem, especialmente alguns eventos sombrios nos quais seus pais se envolveram para protege-los e que esconderam justamente para manter essa bolha de aparente perfeição, e dos quais Freddy Krueger retorna nos pesadelos literalmente como um fantasma do passado. Falando em pesadelos, ao serem assombrados por Krueger os adolescentes passam a também perceber os próprios pesadelos de suas vidas familiares dos quais estavam até então completamente alienados, especialmente na forma de seus pais, que vão se revelando como alcoólatras, negligentes e/ou necessitando de remédios psicoativos. Em outras palavras, é Freddy Krueger que faz com que eles saiam de seu mundo de sonhos e acordem para a realidade.
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            Eis aí também outro ponto interessante do primeiro filme de “A Hora do Pesadelo”: A forma como ele retrata Freddy Krueger. Claro que, fisicamente, ele é igual a como o reconhecemos no imaginário popular, com seu chapéu, sua blusa de listras vermelhas e verdes, seu rosto que mais parece uma pizza de pepperoni e, claro, não vamos esquecer de sua temível luva com lâminas nos dedos. Tão famosa quanto sua aparência ficou também sua personalidade sarcástica e espirituosa que parece nunca envelhecer.
            Então eis a surpresa quando se percebe que pouco disso aparece em “A Hora do Pesadelo”. Claro que eventualmente vemos seu rosto queimado, produto da genial maquiagem de David Miller, porém a maior parte do tempo Krueger permanece nas sombras, aterrorizando suas vítimas com sua silhueta e o angustiante arranhar de suas lâminas. Como se isso não bastasse, vemos pouco de sua personalidade espirituosa, tendo no máximo duas ou três falas de maior efeito, a maior parte do tempo apenas rindo maliciosamente – embora eu tenha que admitir que o ator Robert Englund seja realmente muito bom nisso: Sempre que ele ri enquanto corre atrás de suas vítimas, sabemos que elas não têm para onde escapar – e que ele também sabe disso. Como se não bastasse, sua contagem de mortes ao longo do filme é consideravelmente baixa se comparada com a de outros vilões de filmes slasher, e só duas delas possuem o teor gráfico digno do gênero. Toda essa pouca presença faz com que Freddy Krueger seja até menos que um personagem em “A Hora do Pesadelo”, exercendo mais o papel de um bicho-papão.
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            E de uma forma muito curiosa... É exatamente isso que faz com que ele funcione dentro do contexto do filme. Afinal, não vamos esquecer que Freddy ataca suas vítimas dentro de seus sonhos. E tirando algumas exceções, sonhos raramente são coisas muito bem definidas ou desenvolvidas. Sendo assim, é perfeitamente condizente o vilão de “A Hora do Pesadelo” aparecer pouco e falar menos ainda, e não ter muita explicação dada para suas aparições ou seus poderes. Afinal, tente se lembrar dos pesadelos eu você já teve: Você sente que há algo te observando, mas ao olhar para trás não vê nada; você ouve um arranhar de metal ou uma risada, mas não consegue identificar de onde vem; talvez você até veja uma criatura ameaçadora vindo te atacar, mas é difícil descrevê-la muito bem, geralmente sendo apenas algo como uma sombra ou até algo que muda um pouco de forma; e, o mais importante de tudo, os monstros que te perseguem em seus pesadelos não são muito complexos, não precisam de motivos para te atacar ou de explicações, eles apenas aparecem em seus sonhos, te atacam e isso é tudo.
            É exatamente assim que Freddy Krueger age no primeiro “A Hora do Pesadelo”: Não como um personagem complexo, com uma presença marcante, mas devidamente como a criatura que te assombra quando você dorme.
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            “Ah, mas isso não é um sonho de verdade, é um filme. E filmes devem ter nem que seja um mínimo de lógica ou explicação!”. Eu até concordaria com isso... Se não fosse por uma pequena pergunta: Onde é que termina o sonho e começa o filme em “A Hora do Pesadelo”?
            Eis aí a grande genialidade deste filme. Se você achou o final de “A Origem” ambíguo quanto a o que é sonho e o que é realidade, é porque Christopher Nolan tinha muito o que aprender com “A Hora do Pesadelo” (nota: Me refiro ao filme e não ao pessoalmente ao diretor Wes Craven porque a maior ambiguidade foi uma exigência do estúdio... O que por uma vez foi algo positivo!). Quando o filme começa, os limites entre o sonho e a realidade parecem bem definidos: Quando eles estão acordados, tudo está bem, e quando eles deitam e fecham os olhos eles começam a sonhar e Freddy Krueger ataca. Porém à medida que o filme progride, essa linha entre sonho e realidade vai ficando cada vez mais tênue: Dois personagens estão conversando entre si, no que parece bastante real, mas de repente nos é revelado que isso não passava de um sonho. Algum tempo mais tarde, no que você jura que é a realidade, Freddy Krueger surge do nada! Pera aí, mas quando que a personagem dormiu?! Onde é que começa o sonho?! E onde é que ele termina?!
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São perguntas que vão te assombrando cada vez mais, até que você finalmente chega ao ponto de questionar a própria realidade aparentemente perfeita em que os personagens vivem, e se o filme inteiro não passa de um grande sonho! Dentro desse contexto, não é até melhor que o filme seja vago e propositalmente confuso? Sei que não é algo que necessariamente agradará a todo mundo, e a alguns talvez até espante mais que o rosto queimado de Freddy Krueger, porém ainda assim o fato de tal questionamento ser deixado em aberto, e caber a cada espectador decidir o que é real em “A Hora do Pesadelo” e o que não é, dá a ele uma inteligência que poucos filmes slasher possuem... Algo que suas continuações arruinariam, mas essa, meus caros, é outra história.


Avaliação: Vale a pena.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Vale a zoeira: Stallone Cobra

            Sim, não me confundi: Este é o nome brasileiro do filme. Suponho que quem quer que tenha sido responsável por isso achou que como o nome de Stallone no pôster possui o mesmo tamanho de fonte que o título, os dois deviam ser uma coisa só. Embora, de certa forma, isso torna o filme mais engraçado: Imagine se o protagonista é de fato Stallone, que no seu tempo livre trabalha secretamente em uma divisão de elite do departamento de polícia de Los Angeles sob a identidade de Marion Cobretti (sim, esse é o nome do personagem dele)! Admitam, isso tornaria este filme muito mais interessante!
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            Eu sei que há aqueles que acham este filme divertido, mas sendo bem sincero... Eu concordo com vocês! “Stallone Cobra” é a epítome do filme de ação dos anos 80: Quase todo clichê que possa ser associado ao gênero está aqui, e nada mais. Mas sejamos francos entre nós: Justamente por isso não dá pra levar este filme a sério. Mesmo aqueles que falam que ele é bom são incapazes de dizer isso em voz alta sem dar um sorrisinho irônico. Então não vamos ficar ofendidinhos por eu já partir do princípio de que ele é ruim e só pode no máximo valer a zoeira, ok?
            Pra começar, é quase impossível falar de “Stallone Cobra” sem trata-lo como um produto de seu tempo. E não estou dizendo isso apenas por ele ter a frase “anos 80” estampada em praticamente toda cena: Cabelos grandes, cigarros, gangues em jaquetas de couro, policiais estereotipados, paranoia conservadora americana, um herói que anda por aí com sua arma à mostra sem problemas, trilha sonora pop com efeitos eletrônicos... Só faltou cocaína pra fechar o bingo!
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            Mas não basta o estilo de “Stallone Cobra” ser anos 80 até a medula: As ideias que ele tenta passar também tem que estar perfeitamente inseridas dentro dos ideais da era Reagan. Basicamente a mensagem do filme é que se a lei se importar e agir sempre de acordo com regras que criminosos podem livremente ignorar, a polícia estará sempre em desvantagem. É uma discussão que admito que é interessante e que já rendeu sua dose de filmes polêmicos (“Tropa de Elite” sendo provavelmente o maior representante aqui em terras tupiniquins), porém, sendo um filme de ação dos anos 80 a solução que “Stallone Cobra” encontra é... Bem, f#d@-se julgamentos e direitos civis, bora usar força letal mesmo quando ela é desnecessária e matar todo mundo, porque afinal a lei é cheia de besteiras e o mundo é cheio de canalhas!
Pode soar como uma piada, mas fale isso em um tom mais sério e eis a moral da história de “Cobra”. Sério! O filme até começa com uma narração de Stallone dando estatísticas de crimes nos EUA em um tom seco e durão... Cujos números, se comparados com as reais estatísticas de crimes da época, são um pouco exagerados (no mínimo, são sempre arredondados pra cima), mas a ideia é clara: Criar um sentimento de paranoia no público e fazer este pensar “se ao menos a polícia pudesse apenas... livrar o mundo desses criminosos, se você me entende...”.
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            Ok, talvez eu esteja me metendo um pouco demais em discussão política aqui, o que não é minha área, mas o grande problema em “Stallone Cobra” não é tanto a mensagem que quer passar (isso fica a critério de cada um), e mais como que passa ela. Afinal, não vamos esquecer que este é um filme de ação dos anos 80. Não estamos aqui pra ver temas polêmicos sendo debatidos de forma inteligente; estamos aqui pra ver Stallone metralhar onda após onda de criminosos. E com onda após onda, quero dizer bem isso: A contagem de mortes de Marion Cobretti (meu, esse nome realmente soa estúpido! Melhor chama-lo de Cobra mesmo) é de 41... E o filme tem apenas 87 minutos! Aliás, pensando agora, ele mata sozinho pelo menos o dobro de pessoas que o vilão do filme, interpretado por Brian Thompson.
            Pera aí, Brian Thompson... Onde é que eu o vi antes...
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            Ah, é... Ele estava nesse filme...
            Mas tudo bem, o filme diz, não há problema em Cobra matar toda essa gente; afinal, todo criminoso que ele encontra em seu caminho faz parte desse culto anarquista que “mata os fracos para que os fortes sobrevivam”. É sério! Esse é o nível da “discussão política” que “Stallone Cobra” tenta desenvolver ao longo de sua duração!
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            Aliás, falemos um pouco sobre os vilões deste filme, porque a impressão que se tem é de que absolutamente tudo em cima deles foi feito do jeito errado. Além de serem um culto anarquista que mata qualquer um que considere fraco apenas para justificar que Cobra os mate a todos sem qualquer problema, eles não são exatamente dos mais inteligentes. Especialmente o líder: Após uma perseguição de carro em que o carro de Cobra é destruído, ele simplesmente vai embora sem checar se seu inimigo está morto; e no confronto final, ele diz que Cobra não irá atirar nele pois assassinato vai contra a lei e portanto Cobra teria que prendê-lo mesmo depois do mesmo matar sozinho seu bando de motoqueiros quase inteiro! Digamos que ele é meio lento, não?
            “Stallone Cobra” afirma ainda que o trunfo deste culto é o fato de seu modus operandi não deixar nenhum padrão distinguível... Porém o filme também deixa claro que os ferimentos das vítimas são consistentes entre si; e embora, segundo um noticiário de TV, suas vítimas incluam qualquer um, desde empresários até imigrantes asiáticos e idosos, durante os primeiros 25 minutos os vemos atacando quase exclusivamente mulheres jovens indefesas. Desculpe-me, mas ambos não lhes soam como padrões um tanto óbvios?! E se for pra tentar defender este filme é até possível dizer que um caso com padrões assim ainda não foi resolvido porque o culto possui uma membra infiltrada na polícia, mas honestamente... Não, isso não é desculpa. Aliás, se tudo isso não faz o culto parecer idiota, o que dizer dos policiais (inclusive o próprio Cobra e seu parceiro, Gonzales, interpretado por Reni Santoni, e que, como todo ajudante de Stallone, acaba se ferrando. Sério, qual é o problema de Stallone com seus parceiros?!), que, entre outras burrices além de não perceberem tais padrões mesmo depois de 16 assassinatos: 1) Abandonam a sobrevivente de um ataque do culto (interpretada por Brigitte Nielsen) sozinha no hospital sem qualquer segurança; 2) Não percebem que o líder do culto está andando coberto de sangue e armado de uma faca pelo hospital; 3) Deixam Cobra levar a sobrevivente para fora da cidade porque “se ele acha que aqueles psicóticos irão segui-lo, deixe-o ir, pelo menos os temos fora da cidade” e não usam isso para fazer absolutamente nada a respeito! Eu sei que a intenção de “Stallone Cobra” é fazer os policiais parecerem incompetentes em seu trabalho, mas isso beira ao ridículo!
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            Ok, talvez vocês tenham um pouco de razão em julgar que estou levando este filme um pouco a sério demais; afinal, há motivos para muita gente afirmar que “Cobra” é para Sylvester Stallone o mesmo que “Comando Para Matar” é para Arnold Schwarzenegger. Porém só estou levando este filme tão mais a sério do que merece porque, para ser franco, ele mesmo se leva tão mais a sério do que merece! E eis a ironia: Por ao final ser apenas a epítome do filme de ação estúpido dos anos 80, quanto mais ele tenta levar si mesmo a sério, mais ridículo e engraçado acaba ficando! Falem o que quiserem sobre “Comando Para Matar” ser o um dos filmes mais estúpidos de Schwarzenegger, mas ao menos é apaixonadamente estúpido. “Stallone Cobra”, porém, é igualmente estúpido, mas acha que é inteligente. Só que não é possível levar a sério de verdade qualquer discussão política vinda de um filme em que o protagonista dirige um Mercury 1950 de placa AWSOM 50 (o tapa na testa é livre) e troca diálogos tais como:
           
Motoqueiro anarquista: (após invadir um supermercado e ameaçar Cobra com uma bomba) Irei explodir este lugar inteiro!
            Cobra: Vá em frente, não faço compras aqui.

Ou

            Motoqueiro anarquista: Sou um herói do novo mundo!
            Cobra: Você é uma doença, e eu sou a cura.
           
            Está vendo o que quero dizer?! Depois de uma frase de efeito dessas qualquer política torna-se uma piada!
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            E ok, talvez vocês tenham um pouco de razão em julgar que estou sendo um pouco cruel demais com este filme. Afinal, sim, é ruim, é besta e o diabo a quatro, mas a verdade é que... Justamente por isso tudo é tão divertido! Dá pra não rir quando as más intenções dos vilões são estabelecidas pelo ato profano de um maldito motoqueiro estacionar (oh meu deus!) em uma vaga para deficientes?! Ou quando logo em seguida este mesmo motoqueiro começar a atirar por um supermercado em qualquer coisa que apareça na sua frente exceto as pessoas (suponho que ele tenha um grande ódio por vegetais)?! Sem falar que a gratuidade da violência, entre explosões e tiroteios que acontecem puramente por acontecer, é tão hilária quanto a de um filme de Tarantino. Embora, infelizmente, sem o mesmo senso artístico.
Mas não que “Stallone Cobra” não tente: Afinal, como a maioria dos filmes dos anos 80, ele possui esse estranho “senso artístico” que atualmente vemos o quão brega que realmente é, mas justamente por isso não deixa de no fundo nos fascinar. O que é possível sequer falar quando a cena seguinte à narração inicial de Stallone é um motoqueiro correndo pelas ruas sob um filtro vermelho, intercalado por flashes dos membros do culto batendo machados no que parece ser uma fábrica coberta de lençóis rasgados. Dá pra ver que a intenção era que fosse artístico e intimidante, mas trinta anos depois é impossível não comparar essa cena com um videoclipe brega.
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            Falando em videoclipe, não vamos esquecer que, como todo bom blockbuster dos anos 80, “Stallone Cobra” possui uma montagem musical. Aqui, ela ocorre quando Cobra está fazendo suas investigações pelas sarjetas e zonas de Los Angeles ao som de “Angel of the City”, intercalado por...
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            Robôs? Hum... Por que robôs? O que robôs tem a ver com Cobra fazendo investigações? Aliás, o que eles tem a ver com qualquer coisa do filme?! Por acaso há uma cena pós-créditos que perdi em que estes robôs ganham vida e começam a atacar as pessoas? Será que robôs são na verdade um simbolismo para... ALGUÉM ME EXPLICA POR QUE RAIOS HÁ ROBÔS NESTE FILME?!
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            Eh, acho que é a melhor explicação que terei.
            Entendem por que recomendo assistir este filme pela zoeira? “Stallone Cobra” é tão recheado de clichês e estereótipos dos anos 80 que aparecem apenas porque sim, que mesmo que na época tivesse a intenção de ser sério não dá para, agora que isso tudo já passou, não rir dele. É como uma espécie de vinho muito estranho que, embora de modo algum fique melhor com o tempo, ao menos gera um maior fascínio, além de te deixar em um estado de embriaguez que te fará rir à toa de coisas que, pensando de forma racional, nem são tão engraçadas assim.


Avaliação: Vale a zoeira.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

X-Men: O Filme

            A essa altura do campeonato, é quase impossível falar de “X-Men: O Filme” sem contar uma breve história dos filmes de super-heróis. Isso porque o filme foi um verdadeiro marco ao mostrar ao mundo até onde a qualidade destes filmes podia chegar.

            Não que não tivessem sido lançados filmes de super-heróis bons antes: Eu gosto dos primeiros filmes do Superman, e os filmes do Batman dirigidos por Tim Burton provaram que é possível unir o gênero a certo senso artístico. Porém, após o lançamento de “Batman – O Retorno” em 1992, parece que algo se perdeu nos anos seguintes, no que alguns chegam a considerar como a “década perdida dos filmes de super-heróis”. O motivo pelo qual os dois exemplos que dei acima são até hoje elogiados é porque tratam seus materiais-fontes com respeito, se aprofundando na subestimada complexidade de seus personagens. Assim, um homem que voa com a cueca vermelha pra fora da calça não parece uma figura ridícula, e a ideia de um bilionário que sai de noite combatendo o crime fantasiado de morcego soa problemática e sombria.
Na década de 90, porém, por algum motivo os grandes estúdios já não viam mais motivo em tratar os filmes de super-heróis com respeito e seriedade; “afinal, são meros filmes de super-heróis!”, eles pensavam. Assim, os filmes do gênero foram cada vez mais se aproximando da paródia, tendo enredos cada vez mais genéricos e personagens cada vez mais superficiais, tudo culminando no desastre que foi “Batman & Robin”, um filme que parecia fazer de tudo para ofender os fãs de seu personagem principal ao tirar dele qualquer seriedade e no lugar tirando sarro dele, tratando como algo ridículo a figura sombria que viu os próprios pais sendo assassinados quando criança e desde então luta sozinho uma guerra aparentemente sem esperanças para limpar uma cidade corrupta e decadente do crime. Mesmo os poucos filmes que tentaram tratar super-heróis de forma mais adulta e com mais estilo artístico, como “Blade”, fracassaram devido a enredos excessivamente vagos e previsíveis, e um estilo que embora para a época soasse “moderninho”, atualmente se percebe o quão datado e brega que é.
Então, tudo mudou quando a Fox atacou (para aqueles que entenderam a referência: Não te conheço, mas já te amo!). E em 2000 “X-Men” foi lançado.

            “X-Men” foi um fenômeno quando lançado (e ainda é) precisamente por enfim fazer certo tudo o que os filmes de super-herói dos oito anos anteriores fizeram errado. Claro, o filme ainda possui sua dose de pequenos detalhes problemáticos, como uma ou outra atuação abaixo do padrão (vulgo Halle Berry como Tempestade e sua tentativa fracassada de imitar um sotaque africano), e os efeitos computadorizados definitivamente não envelheceram bem, porém de resto mantém-se um filme sério, inteligente, com respeito ao seu material-fonte, e que mesmo 16 anos depois continua tão atual, temática e estilisticamente, que parece ter sido lançado ontem.
            A bem da verdade, quando se analisa os quadrinhos no qual é baseado, “X-Men” é um filme que se não fosse para ser feito de forma séria, nem valeria a pena fazê-lo. A começar, os X-Men possuem uma premissa bastante complexa se comparada à de outras histórias em quadrinhos, ambientada em uma versão alternativa do nosso mundo em que alguns humanos, devido a mutações genéticas, desenvolvem os mais variados superpoderes. Ao mesmo tempo em que os humanos comuns sentem um enorme preconceito contra estes mutantes, querendo que sejam excluídos da sociedade, os próprios mutantes, como reação a isso, dividem-se em duas facções: Os X-Men, liderados por Professor X (no filme interpretado por Patrick Stewart), que querem educar os humanos a não temerem os poderes dos mutantes e permitir que ambos coexistam pacificamente; e a Irmandade de Mutantes, liderada por Magneto (Ian McKellen), que acreditam que humanos e mutantes jamais serão capazes de coexistir, e que só uma guerra contra a humanidade permitiria aos mutantes prosperarem. É uma premissa que a princípio é bastante difícil de ser adaptada para um filme, que além de introduzir uma infinidade de personagens teria que mostrar as complicadas e instáveis relações de aliança e inimizidade entre os X-Men, a Irmandade de Mutantes e os humanos, ora se protegendo uns aos outros, ora lutando uns contra os outros, ora ambos ao mesmo tempo.

            O que parece apenas uma premissa interessante, porém, ganha um total novo significado ao se perceber que não está tão longe da nossa realidade. Afinal, pensem bem: Os quadrinhos dos X-Men surgiram pela primeira vez em plenos anos 60, época em que ainda reinava nos EUA a política de segregação racial, e o movimento pelos direitos civis da população afro-americana estava dividido entre aqueles que acreditavam no avanço de seus direitos através de protestos e atos de resistência não-violentos (representados por Martin Luther King Jr.) e aqueles que não acreditavam que uma integração dos negros à sociedade branca seria possível e queriam portanto uma total e efetiva separação entre ambas as raças (representados por Malcolm X). Acho que a metáfora ficou bastante óbvia, não?
            Ao adaptar os quadrinhos para filme, porém, o diretor Bryan Singer resolveu atualizar a premissa tornando-a mais “atemporal”, estendendo sua metáfora para todo tipo de preconceito e perseguição a um grupo específico da sociedade: A primeiríssima cena mostra justamente um jovem Magneto sendo afastado de seus pais em um campo de concentração nazista, o que o leva a revelar seu poder de controlar metal pela primeira vez. E embora esta história de origem esteja também presente nos quadrinhos, o fato de ela ser a primeira cena do filme mostra que Singer queria tornar o tema de consequências do preconceito o mais universal possível.

Como se não bastasse isso, Singer, que é abertamente bissexual, propositalmente resolveu tomar certas liberdades com os quadrinhos originais para representar de forma alegórica a homofobia no filme, principalmente ao escolher a X-Men Vampira (Anna Paquin) como uma das protagonistas. Nos quadrinhos, Vampira possui o poder de absorver a força vital de qualquer um que toque. No filme, isso faz com que, após seu primeiro beijo (que leva seu namorado ao coma), ela fuja de casa achando que é uma aberração e com medo do que possa acontecer, proibindo-se de tocar outras pessoas e assim isolando-se até mesmo dos outros mutantes, que também evitam aproximar-se dela. Preciso dizer mais?! O filme até propositalmente ignora que os outros poderes de Vampira incluem voo e superforça apenas para facilitar a alegoria. Tais alegorias, porém, não chegam a ser explicitadas, permitindo que elas se incorporem naturalmente ao enredo. Essa maturidade ajuda em muito para que o público menos acostumado não considere ridículas coisas como, por exemplo, o fato de os personagens terem codinomes como Tempestade, Ciclope e Dente de Sabre. Aliás, uma cena entre Vampira e Wolverine (Hugh Jackman) até trata essa questão dos codinomes com surpreendente seriedade ao mostrar o quanto os mutantes se importam com eles, sentindo-se de certa forma protegidos ao utiliza-los.
Mas não adianta um filme ter boas intenções se ao final sua trama e personagens continuam genéricos. Eis então outro ponto onde “X-Men” rompe com os filmes de super-heróis anteriores e mostra sua inteligência, ao não ter mocinhos e bandidos tão bem definidos, e fazer disso um ponto importante da trama, cujo ponto de partida é um projeto de lei americano que obrigaria mutantes a se registrarem publicamente e revelarem suas habilidades, o que permitiria, entre outras coisas, que crianças mutantes fossem banidas das escolas.
Magneto, como um sobrevivente do Holocausto, sabe na pele (literalmente) o que acontece quando um governo decide classificar e registrar à força uma parte de sua população, e por isso resolve tomar medidas para que o projeto não seja aprovado. Professor X e os X-Men também querem tomar medidas para isso, porém apenas acontece que as medidas de Magneto são um pouco mais... Radicais. Por outro lado, o criador do projeto de lei, o senador Robert Kelly (Bruce Davison), que é basicamente um McCarthy moderno, ao final percebe o quanto que seu preconceito é fundado em pura e simples ignorância (aliás, crédito para o roteirista David Hayter, que deu a Kelly algumas falas que qualquer um que já sofreu algum tipo de preconceito com certeza já ouviu em algum momento de sua vida). E mesmo entre os próprios X-Men, que idealizam uma convivência pacífica entre mutantes e humanos, há aqueles que não se sentem totalmente à vontade em proteger justamente aqueles que mais os desprezam. Tempestade, em uma cena, até admite que sente medo dos humanos, o que a faz por vezes odiá-los.
Mas e quanto aos aspectos mais, digamos, “cinematográficos” do filme? Bom, não seria possível falar de “X-Men” sem citar seu elenco surpreendentemente engajado, que incluía desde veteranos como Patrick Stewart (que já tinha experiência em representar um líder calmo e bondoso em “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração”) e Ian McKellen (cujas origens no teatro shakespeareano realmente o ajudam a interpretar um vilão “humano”, porém ao mesmo tempo imponente e maior que a vida, sempre de coluna reta exigindo respeito), até atores praticamente desconhecidos como James Marsden (que interpreta o X-Men Ciclope) e, como não poderíamos esquecer, Hugh Jackman como Wolverine. Não há qualquer dúvida de que é este ator australiano, que até então nunca havia pisado em Hollywood e foi uma escolha de última hora, que rouba a cena ao longo do filme, encarnando o papel do homem-criatura que é Wolverine, ao mesmo tempo animalesco e humano, grosseiro e bondoso, e acima de tudo confuso devido à sua falta de memória.

            Além disso, mesmo que os efeitos computadorizados do filme já estejam ultrapassados, o fato de Singer equilibra-los com efeitos práticos e maquiagem evita que o olho se canse deles. Caso tenha assistido o filme: Sim, Mística foi feita usando “apenas” nove horas de maquiagem, e Wolverine exigiu mais de 700 pares de garras ao longo das filmagens.
Por fim, não dá pra falar de um filme de super-heróis sem comentar sua ação. E embora esta não seja tão espetacular em “X-Men” quanto foi se tornando nos filmes seguintes da franquia, é interessante notar como que elas ajudam no desenvolvimento dos personagens. Não apenas muitas das sequências de ação, especialmente o clímax, exigem que os heróis trabalhem em equipe para vencer, como também mesmo quando o trabalho em equipe é deixado de lado percebe-se que ninguém é inútil no grupo: Ciclope e Jean Grey podem não ser páreos contra um determinado vilão, mas Tempestade pode; esta pode estar incapacitada de usar seus poderes devido às circunstâncias, mas as mesmas circunstâncias não impedem Wolverine de lutar; e se este não consegue derrotar alguém, Ciclope consegue. São sequências bem pensadas assim que evitam que o filme pareça algo como “Wolverine e sua turma”, e ao invés disso termos de fato uma verdadeira equipe onde todos acabam sendo necessários.

                É bem possível que, se “X-Men” não tivesse trazido de volta a maturidade aos filmes de super-heróis, jamais teríamos filmes como a trilogia do Cavaleiro das Trevas, nem sequer estaríamos no frenesi pelo gênero em que estamos atualmente, com pelo menos três ou quatro filmes de super-heróis sendo lançados todo ano, algo nunca antes visto. Talvez nãos seja o melhor filme de super-heróis já feito, mas sem dúvida alguma é um dos mais importantes.


Avaliação: Vale a pena

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Esquadrão Suicida

            Estou escrevendo isso na quarta-feira, 03 de agosto, logo depois de ir à pré-estreia de “Esquadrão Suicida”. Embora provavelmente vocês só leiam esta crítica completa mais tarde, pois o semestre da faculdade começou e portanto meu tempo pra me dedicar ao blog foi drasticamente reduzido.

            Sinto pena por ter que cortar o barato de muita gente que estava ansiosa para este filme. Eu mesmo inicialmente estava empolgado: O trailer tinha seus momentos engraçados (além de ter Queen como trilha sonora de fundo, o que deixa qualquer coisa melhor), um elenco bastante promissor (especialmente Jared Leto, que todo mundo estava curioso pra ver como retrataria o Coringa), e sem falar que possui uma premissa bastante original ao ser um “anti-filme de super herói”, estrelando não um time de heróis altruístas e dispostos a fazer o bem, mas o exato contrário: Um grupo de vilões forçados a lutarem por uma boa causa contra suas vontades. Admita, é uma ideia interessante, não?
            Mas o tempo para a estreia foi se aproximando e fiquei me perguntando: Será que realmente vai ser tão grande coisa? Afinal, temos praticamente uma dúzia de personagens principais. Como é que a DC iria lidar com tantos rostos a serem apresentados? Falando nela, como é que ela cumpriria a promessa de que o filme seria engraçado e com mais humor que “Homem de Aço” e “Batman v. Superman”? Mas pensei comigo mesmo “Ah, tudo bem. Pode ser que o filme não seja tão bom quanto todo mundo espera e pode ser que os críticos deem suas típicas marretadas, mas vai haver um momento ou outro em que eu vou me surpreender com o quanto estou me divertindo, não?”.
            Eu só não podia imaginar que o filme seria tão ruim!

            É isso mesmo que vocês leram: “Esquadrão Suicida” é bem ruinzinho. Não que não tenha suas coisas boas, mas onde erra... Meu, erra feio!
            Ok, primeiro o enredo: O filme começa com uma oficial do governo americano, Amanda Waller (interpretada por Viola Davis, embora não irei citar todos os atores principais do filme porque senão ficaremos aqui o dia inteiro), informando outros oficiais dos planos que ela tem concebido após os eventos de “Batman v. Superman”: Usar os principais vilões que eles tiverem à disposição (ou seja, encarcerados) e obriga-los a executar missões de alto risco (de preferência, envolvendo meta-humanos) como uma força tarefa ultrassecreta. Se eles forem bem sucedidos, receberão uma redução de pena. Se não forem, morrem. E se fizerem alguma gracinha ou tentarem escapar, serão imediatamente mortos e levarão toda a culpa por tudo que aconteça.

            A força tarefa em si seria liderada pelo braço direito de Waller, Rick Flag, que contaria com a ajuda de seu próprio braço direito, Katana, e teria como membros Arlequina, Pistoleiro, Crocodilo, Capitão Bumerangue, El Diablo, Encantadora e Amarra. Uma vez aprovado o plano, os vilões encarcerados têm nanobombas implantadas no pescoço, que explodirão ao comando de Waller ou Flag caso eles achem que alguém não está colaborando.
            Ok, até aí nada que não tenhamos visto já no trailer. Mas e então, quando é que a ação de verdade começa? Bom, começa quando Encantadora (que é na verdade o espírito de uma bruxa que possuiu a arqueóloga June Moone, e que não tem uma nanobomba implantada) usa seus poderes para roubar a estatuazinha (que Waller tinha o tempo todo) contendo o espírito de seu irmão (cujo nome nunca chegamos a ouvir no filme, e como não acompanho os quadrinhos da DC não faço ideia de quem seja), o faz possuir um cara qualquer, e juntos decidem destruir o mundo porque... Os humanos antes nos reverenciavam como deuses, agora eles reverenciam máquinas, então vamos destruir os humanos! Essa é toda a explicação que temos.

            É, acho que deu pra perceber que a história de “Esquadrão Suicida” é um tanto confusa e cheia de furos. Por que Encantadora não recebeu uma nanobomba, como os outros vilões? Hum... Porque ela só adquire seus poderes caso June invoque a bruxa, aparentemente? E aliás, quando June fala de noite a palavra mágica que invoca Encantadora, por que ela fez isso? Ela fez de propósito? Ela estava sendo manipulada por Encantadora a fazer isso? Por acaso falou a palavra durante um sonho? Nunca é explicado. Ainda falando nisso, por que ao mostrar seus relatórios sobre o projeto Esquadrão Suicida, Waller nunca citou que Encantadora aparentemente tinha um irmão, e que ela tinha guardado o espírito dele este tempo todo?! E por que ela resolveu guarda-lo no banheiro (pelo menos é o que parece) ao invés de na mesma maleta ultra segura em que ela guardava o “coração” de Encantadora, sua única fraqueza?!
            Meu deus, estou falando de uma única sequência de apenas 10 minutos e minha cabeça já dói de tantas perguntas sem respostas... E as coisas só pioram daqui em diante.

            Falando em minha cabeça doer, tenho sérias reclamações quanto à direção do filme. O que é uma pena, considerando que o diretor de “Esquadrão Suicida” (David Ayer) dirigiu alguns filmes surpreendentemente bons no passado, como “Marcados Para Morrer”, “Corações de Ferro” e... Ok, talvez só esses dois mesmo. Mas assim que o filme começa percebe-se que ele não foi uma boa escolha para dirigir um filme de “super-heróis”. Odeio usar esta palavra, pois pode soar pesada demais, mas... Se for pra descrever a direção de Ayer em “Esquadrão Suicida” em uma única palavra, é irritante. Pegue, por exemplo, o começo do filme, com Waller mostrando as fichas dos vilões que comporão seu esquadrão e, à medida que os apresenta, o filme mostra flashbacks com as, digamos, “histórias de origem” deles, e como eles foram parar em suas mãos. É uma cena que no papel pareceria interessante, com os nomes e habilidades dos vilões aparecendo na tela, algo como num filme de Tarantino. Porém na prática é quase impossível ler o que está escrito, e estes flashbacks se prolongam tanto que, mesmo não ocupando tanto tempo do total, quando estas apresentações terminam tem-se a impressão de que quase metade do filme se passou só nisso!
            Como se não bastasse, a edição é irritante, com constantes usos de câmeras lentas e fast-forwards, 90% dos quais são completamente desnecessários e ainda por cima dão ao filme um ar meio contraditório: fast-forwards são usados para tornar o filme mais frenético, porém aqui são usados em cenas em que nada acontece que justifique essa “freneticidade”. Por outro lado, câmeras lentas são usadas ora para nos dar uma melhor ideia do que está acontecendo durante uma cena de ação, ora como uma pausa dramática, porém em “Esquadrão Suicida” as câmeras lentas durante a ação são usadas em coreografias simples, e a pausa dramática no clímax do filme é longa demais e acaba perdendo o timing.

            Porém o momento em que se percebe que Ayer não sabia muito bem como dirigir este filme é quando a ação começa. Como falar dela? Em primeiro lugar, o pior de todos os problemas: Quase todas as sequências de ação são filmadas no escuro. E até aí, não seria tão problemático assim. Falem o que quiserem de “Batman v. Superman”, mas pelo menos aquele filme mostrou que Zack Snyder sabe filmar uma boa luta noturna. Este, porém, não é o caso aqui: Além de toda a ação do filme ser de noite e com pouca iluminação ambiente (e, em certo ponto, na chuva ainda por cima), quase todos os personagens usam roupas escuras, tudo isso resultando em lutas nas quais é difícil ver o que está acontecendo, dando a impressão de que os protagonistas estão enfrentando uma massa amorfa indistinguível (o que, de certa forma, eles estão). O que é triste, porque algumas das coreografias parecem ter sido bem elaboradas, especialmente no clímax contra a Encantadora em pessoa, porém acaba não dando pra vê-las muito bem.
            E como se não bastasse, há o 3-D. Ai, ai... Dá pra dizer que Ayer levou o 3-D em consideração ao filmar “Esquadrão Suicida”. O problema é que com isso quero dizer que coisas são constantemente jogadas na nossa cara durante o filme. Ok, ainda há algumas cenas em que o 3-D é usado para nos dar uma experiência “imersiva”, separar os planos da cena e dar assim um maior realismo ao que vemos. Ou pelo menos, esta era a intenção, pois muitas vezes a imagem acaba ficando meio borrada no processo, o que me deu uma dor nos olhos... E quando a ação começa, é magias, projeteis e pedaços de corpos sendo arremessados contra o público. Eu diria que parece que Ayer queria bater no cameraman, se quase tudo que é jogado contra nós não fosse computadorizado. E uma vez ou outra um filme 3-D jogar algo na nossa cara pra nos acordar é até legalzinho, mas “Esquadrão Suicida” faz isso o tempo todo! Tenho até pena de quem assistirá este filme em 2-D ou na TV, e terá a mesma experiência daquele seu colega que fica esticando e recolhendo os dedos na frente da sua cara só pra te irritar.

            Como se não bastasse, até mesmo a trilha sonora é mal utilizada! Tá bom, Queen se salva (embora, se você não sabe usar Queen apropriadamente em seu filme, você precisa repensar algumas coisas), mas outras não têm a mesma sorte, soando apenas como ruído de fundo independente da qualidade. E olha que Ayer até tentou dar-lhes algum sentido dentro do contexto do filme, uma vez que se analisa as letras, porém mais de uma vez o ritmo da música não combina com a cena em que toca.
            E quanto ao humor, o que a DC prometeu que seria o trunfo do filme? Bom... Mais uma vez, uma ou outra piada de fato soa engraçada no papel (admita que você riu pelo menos uma vez durante o trailer), porém sua execução acaba estragando-as. Isso porque por mais que o roteiro tente ser bem-humorado e leve, “Esquadrão Suicida” ainda possui aquele tom sombrio e deprê já estabelecido nesta franquia, o que faz o humor soar, como posso dizer... embaraçoso. Mais ou menos como aquela pessoa que tenta tornar o ambiente mais agradável durante um enterro; você percebe que ela tem uma boa intenção, mas simplesmente não é a ocasião certa pra isso (ok, essa foi uma comparação realmente pesada). Pegue, por exemplo, a cena do bar que aparece no segundo ou terceiro trailer: Eles de fato fazem algumas piadas entre si, porém o contexto da cena é tão deprimente e a ambientação é tão pesada que simplesmente não dá pra rir!

                Mas no geral, “Esquadrão Suicida” possui um último grande problema, que, em certo grau, é semelhante ao grande problema de “Batman v. Superman”: Os criadores do filme não souberam como lidar com tudo o que queriam mostrar. Note os flashbacks logo no começo: Os primeiros, mostrando as origens de Arlequina e Pistoleiro, são super longos, porém depois deles os flashbacks vão ficando cada vez mais curtos, como se alguém tivesse dito “eita, isso aqui está ocupando tempo demais do filme, estamos ainda no primeiro ato!”. O resultado é que personagens como Capitão Bumerangue e Encantadora acabam soando superficiais demais, e mesmo quando somos contados que o marido de Katana foi assassinado, esta exposição é tão apressada que não conseguimos nos importar. E é uma pena os personagens terem um tratamento tão superficial, pois, se for pra dar um elogio ao filme, é que o elenco está realmente investido, com todos querendo realmente fazer o melhor que podem com o que o roteiro e a direção lhes dão. Mas isso infelizmente acaba não sendo suficiente para nos importarmos com a maioria deles. Amarra, por exemplo, acaba nem tendo sua história de origem, temos que apenas aceitar que ele é um vilão e que foi capturado. Aliás, sei que isso é um pequeno SPOILER, mas se o filme não se importa, por que irei me importar: FIQUEI MUITO INDIGNADO COM O QUE FIZERAM COM O AMARRA! Ele aparece apenas cinco minutos no filme inteiro, tem uma única fala, e então... Como assim?!
            Se ao menos isso fosse tudo que o filme quisesse mostrar, as duas horas de duração até seriam o suficiente. Infelizmente, é preciso também mostrar um subenredo envolvendo Coringa tentando resgatar Arlequina (que, caso vocês não saibam, é a namorada louca dele). Seria um subenredo interessante, se não fosse o fato de o filme já estar lidando com mais personagens do que aguenta, então o que se faz é que eventualmente aqui e ali Jared Leto aparece, diz qualquer coisa que soa apenas como “Oiiii, eu sou o Coringa e estou neste filme!” e então volta a desaparecer. O que é uma pena, pois Leto é um Coringa realmente muito bom (notem a cara dele quando finalmente lhe é contado onde Arlequina está), embora o roteiro faz dele mais uma espécie de gângster louco do que de fato o “palhaço psicopata anárquico e charmoso” que ele é. Ah, e Batman e Flash têm suas pontas. Desculpe se isso pareceu meio do nada e adicionado na última hora, mas assim também são eles.

            Mas se você quer uma prova do quanto o filme não sabia lidar consigo mesmo, é o terceiro ato. Dá pra ver que a ideia era que ele fosse algo como o terceiro ato de “Os Vingadores”, em que eles finalmente se unem e enfrentam o vilão, agora com vontade. Porém isso acaba sendo tratado de forma tão superficial que soa infantil. Sim, infantil é a palavra que melhor descreve o terceiro ato, com o Esquadrão se unindo de vez por um motivo quase tão do nada quanto “Martha!” (a internet nunca perdoará isso) e um dos personagens chamando o resto do Esquadrão de “família”, apesar de eles só se conhecerem a menos de 24 horas e não terem até então nenhum laço real que os una. Sem falar no clímax, com dois momentos aparentemente dramáticos que simplesmente não têm o efeito desejado: Um por não nos dar tempo de nos investir emocionalmente, a ponto de após a sessão ficarmos nos perguntando “Pera aí, isso aconteceu mesmo?!”, e o outro por ter uma conclusão ridícula demais pra ser levada a sério.
            Honestamente, eu não sei o que a DC fará depois deste filme, pois “Esquadrão Suicida” mostra o quanto ela precisa rever alguns dos conceitos que ela tem mantido em seus filmes se quiser que esta franquia sobreviva tanto quanto o Universo Cinematográfico da Marvel. Só espero que eles já tenham se tocado a tempo de salvar “Mulher Maravilha” e “Liga da Justiça”.


Avaliação: Não vale a pena

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Vale a Zoeira: Jornada nas Estrelas: O Filme


            Ok, mais uma vez eu juro que isso é só uma coincidência! Quero dizer, mais ou menos, eu sabia que iria ser lançado um novo filme de “Jornada nas Estrelas” este ano e pretendia então assistir a série original a tempo de escrever sobre “Jornada nas Estrelas: O Filme” antes deste novo ser lançado. Porém o aperto na faculdade atrasou meus planos e, portanto, só agora consegui terminar de assistir a série original. Mas ei, ao menos poderei tirar sarro deste filme enquanto ainda tem um “Jornada nas Estrelas” nos cinemas!

            É impossível falar da história do cinema e da TV sem topar com esta franquia. Foi sua série original que, nos anos 60, provou o quão inteligente podia ser a ficção científica, gênero até então considerado “B”. Mostrando as aventuras da nave Enterprise em sua missão para “explorar mundos novos e estranhos, procurar novas vidas e civilizações e ousadamente ir aonde nenhum homem jamais foi”, “Jornada nas Estrelas” usava da ficção científica como pano de fundo para abordar temas complexos e dilemas humanos profundos. Tanto que seu episódio piloto foi inicialmente recusado por ser considerado então “cerebral demais” (é sério!)! E mesmo quando não lidava com temas intelectuais, ainda conseguia ser de uma qualidade superior à maioria devido a seus roteiros bem escritos e personagens carismáticos, especialmente o trio principal: Capitão James T. Kirk (interpretado de forma hilariamente exagerada por William Shatner), segundo em comando Spock (Leonard Nimoy) e oficial médico “Bones” McCoy (DeForest Kelley), com personalidades distintas e complementares entre si.
            Após o cancelamento da série depois de apenas três temporadas, uma longa tentativa de revivê-la nos anos 70 começou. Não vou ficar contando aqui todos os detalhes porque enrolaria demais, mas recomendo pesquisarem para verem o quão enrolado o processo de produção de uma franquia pode ser (e quanta incompetência pode estar envolvida). Mas, de uma forma ou de outra, nove anos após o cancelamento de “Jornada nas Estrelas”, foi lançado “Jornada nas Estrelas: O Filme”... E meu, que decepção!

            Eu sei que há aqueles que legitimamente gostam deste filme, e odeio cortar o barato de vocês... Mas me desculpem, vocês são a minoria. A maioria, mesmo entre fãs de “Jornada nas Estrelas”, admite que este foi o início de uma “maldição” que seguiria os filmes da franquia por décadas, na qual os de número par seriam ótimos, mas os de número ímpar definitivamente não valeriam tanto a pena. E sendo “Jornada nas Estrelas: O Filme” de número 1... Mas, como vocês viram no título da postagem, vejamos aqui se é possível tirar algum proveito dele.
            O filme começa com três naves klingons aproximando-se de algum tipo de nuvem espacial misteriosa e...

            AAAAAAHHHHH!!!! O que raios aconteceu com os klingons?! Desde quando eles têm o que quer que esteja saindo da testa deles?! Até onde eu me lembro, na série original eles pareciam apenas humanos com uns pelos faciais estranhos e o rosto meio sujo de graxa!

            E antes que algum fã de mais longa data venha me encher o saco: eu sei que há uma explicação oficial para isso! E eu sei que com os anos este novo design com a testa estranha se tornou oficial para os klingons! Mas eis a questão: Quando o filme foi originalmente lançado, não havia explicação nenhuma, e o design oficial continuava sendo o dos rostos engraxados! Então a minha confusão aqui é provavelmente a mesma dos fãs que assistiram o filme quando ele estreou!
            Enfim, sendo klingons, ao verem a nuvem espacial misteriosa a reação imediata deles é atirar nela. A nuvem não recebe isso bem e vaporiza as naves.

            Cortamos então para a Terra, onde Kirk, agora promovido a almirante e não mais fazendo parte da tripulação da Enterprise, descobre que a nuvem está se dirigindo justamente a seu planeta, e a única nave da Frota Estelar próxima o suficiente para intercepta-la a tempo é, vocês adivinharam, a Enterprise, que está passando por reformas que ainda não foram testadas. O que Kirk então faz? Ignora que a Enterprise já possui um novo capitão com conhecimento das reformas (que, aliás, é interpretado por Stephen Collins. E me desculpe, mas por melhor que ele atue neste filme, uma vez que você pesquisa-lo na Wikipedia como eu fiz, perderá qualquer respeito por ele) e assume o comando da nave para si para liderar a missão. Por quê? Bom... Porque ele quer!
            Eis aonde “Jornada nas Estrelas: O Filme” começa a ficar realmente ruim. Como eu disse antes, uma das qualidades fundamentais da série eram seus personagens carismáticos. Afinal, sendo “Jornada nas Estrelas” uma série episódica, era necessário ela ter personagens bem concebidos e escritos para que quiséssemos ver as aventuras deles episódio após episódio. Em “Jornada nas Estrelas: O Filme”, porém, justamente nosso protagonista, Kirk, é extremamente irritante. Sim, na série ele era dinâmico e exageradamente confiante, porém dentro dos limites e com qualidades o suficiente para compensar seus defeitos. Aqui, porém, ele age ao longo do filme inteiro como um idiota insistente que acha que está correto em qualquer decisão apenas por ter experiência em uma nave que já não é mais a mesma!

            Eu diria que as atitudes dele quase levam a tripulação da Enterprise à morte, mas a verdade é que... Elas acabam levando sim! Apenas dois minutos após se autodeclarar capitão da Enterprise, ocorre um problema no transportador quando dois membros da tripulação tentam ser trazidos para dentro da nave. O que Kirk faz? Arranca os controles da mão da mulher treinada para isso e tenta transporta-los por conta própria, mesmo, como lhe é avisado, não conhecendo um décimo da nova Enterprise. E adivinha só? Os dois membros da tripulação morrem, não sem antes serem desfigurados a ponto de a frota estelar dizer que “o que eles receberam de volta não viveu muito. Felizmente”. Uau, duas casualidades antes mesmo de a nave sair da doca! Belo começo, Kirk!
            Aliás, podemos falar do quão perturbadora esta cena é?! Não basta termos dois personagens que mal conhecemos sendo desfigurados até a morte, mas é uma cena que, no total, é praticamente irrelevante para o enredo! Mal tínhamos visto esses personagens antes, e eles nunca mais são citados depois! Por que precisávamos assistir uma coisa desagradável dessas?!

            Mas não se preocupem, esta não será a única vez que Kirk fará tudo errado apenas para satisfazer seu ego. Não, não: Logo depois de saírem da doca, Kirk ordena os engenheiros da Enterprise a entrarem em dobra espacial (aka propulsão mais rápida que a velocidade da luz), e quando é avisado de que é necessário antes fazer uma simulação, ele simplesmente diz algo como “f#da-se simulação, quero dobra agora!”. O que acontece? A Enterprise entra num buraco de minhoca e quase colide com um asteroide! E ele ainda quase mata a tripulação de novo quando ordena atirarem os phasers, algo que nesta situação e com as novas reformas destruiria a Enterprise. E quando o capitão original (que, aliás, se chama Decker) faz a coisa certa ao cancelar a ordem de atirar e destruir o asteroide de outra forma, Kirk não fica nem um pouco feliz e arrasta Decker até seus aposentos exigindo uma explicação, e ainda fica irritado quando este aponta quando ele está obviamente errado.
            Desculpe-me, é de propósito que os criadores deste filme estão fazendo de tudo para que eu odeie Kirk?! Os personagens são uma das coisas que tornaram “Jornada nas Estrelas” uma série grandiosa, então um filme de “Jornada nas Estrelas” com personagens pelos quais não simpatizamos está começando do jeito errado!

            Mas tudo bem. Digamos que eu esteja sendo apenas cri-cri. Digamos que os personagens não sejam assim tão importantes dentro do contexto do filme, pois digamos que ele consegue ainda assim ser bom entretenimento inteligente. É este o caso?
            Bom, eis aí o segundo grande problema deste filme: Não é bom entretenimento. Por quê? Porque “Jornada nas Estrelas: O Filme” é lento quase ao ponto de paralisia! Cenas são arrastadas até esgotar a paciência do público e fazer este gritar para pular o que quer que esteja acontecendo. Ou, mais exatamente, o que não está acontecendo, é só o diretor mostrando do que o orçamento do filme é capaz. Ok, ok, mas mostre um pouco mais rápido, por favor, antes que eu durma!

                Pegue, por exemplo, a cena em que Kirk voa até a Enterprise em uma nave auxiliar. É só e apenas isso que acontece, nada mais. E a cena dura cinco. Longos. Minutos. 290 segundos (sim, eu contei) em que vemos apenas tomadas mostrando cada milímetro do exterior da Enterprise, até sermos capazes de contar suas janelas, alternadas com tomadas de Kirk reagindo. Nem um único espaço da nave é deixado misericordiosamente de fora. E só. Nem mesmo há diálogos, é só Kirk voando ao redor da Enterprise.
            Mas você acha que acabou? Porque adivinha só, quando a Enterprise sai da doca, temos mais DOIS minutos de nada acontecendo. Deus. Do. Céu! Parece pouco, mas é sentido como se fosse uma hora! E isso porque Kirk deixou claro o quão rápido eles precisam ir até a nuvem do mal! Desculpe, mas isso não é empolgante, é chato! Muito, muito chato!

            Mas se você ainda não dormiu com isso, não se preocupe, porque a verdadeira cura pra insônia começa quando eles enfim chegam à nuvem espacial do mal e entram nela... Muito... Muito... Muuuuuuito lentameeeeenteeeeee. E tudo o que se fala é um comentário de Spock (ou, como William Shatner fala ao longo do filme, “SpOck!”) sobre os padrões da nuvem serem irreconhecíveis. E dessa vez, é por DEZ agonizantes minutos que simplesmente vão indo por toda a eternidade sem que ninguém faça nada ou algo aconteça. Não há ação, não há empolgação, não há sequer humor, só longas e entediantes tomadas da nuvem e da máquina dentro dela com cada vez menos cortes. Chega uma hora que até os atores se cansam de fingir alguma reação, então o que se espera do público?! E essa lenta tortura só para (literalmente) quando a Enterprise se vê diante de uma parte da máquina que digamos que lembra uma parte bem... “Específica” do corpo (dica: Tente não ser imaturo(a) quando Spock diz que eles estão em frente do “orifício”). A quem isso estava apelando?! Olha que assisti e gostei de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, e mesmo assim não estava me aguentando quieto vendo isso!
            Aliás, eis algo a ser discutido: Por que afinal este filme não é “2001: Uma Odisseia no Espaço”? Afinal, está claramente tentando ser! Muitas das cenas são tão obviamente “inspiradas” (pra não dizer “imitadas”) no filme de Kubrick que é difícil não fazer essa comparação! Vejam por conta própria:

















            O filme até tem aqueles minutos de tela preta com música antes de aparecer o logo do estúdio! É uma imitação que já seria triste vinda de qualquer diretor, mas fica ainda mais triste sabendo que este filme foi dirigido pelo veterano Robert Wise, o mesmo de clássicos como “O Dia em que a Terra Parou”, “Amor, Sublime Amor”, “Desafio do Além” e “A Noviça Rebelde”. Pra que fazer isso?!
            Mas mesmo considerando esta imitação como uma mera “homenagem”, por que o que em “2001” foi considerado brilhante em “Jornada nas Estrelas” é considerado chato? Bom, por dois motivos bastante parecidos: Proposta e propósito.
A proposta de “2001” era fazer uma experiência audiovisual transcendental, algo como uma “poesia cinematográfica”. Essa, porém, nunca foi a proposta de “Jornada nas Estrelas”. A proposta da franquia sempre foi trazer personagens e ideias interessantes, por vezes até provocativas para sua época, mas sempre de forma racional, não transcendental. Em “Jornada das Estrelas: O Filme”, porém, os personagens são ou irritantes ou irrelevantes, e as ideias abordadas não são tão novas assim, mesmo para a época (muitos já comentaram o quão parecido o enredo do filme é com o do episódio “The Changeling” da segunda temporada da série original). Então o filme tentar se focar em ser uma “experiência cinematográfica” simplesmente soa confusa.
Mas mesmo se você aceita-lo como um filme em si, fora das propostas da franquia, há a questão do propósito. “2001” é um filme interessante justamente porque, apesar de sua extrema lentidão, é possível perceber que todo mínimo detalhe do filme tem seu significado, está querendo transmitir uma mensagem, por mais sutil que seja. Quando, porém, “Jornada nas Estrelas: O Filme” procura fazer as mesmas coisas sem o mesmo significado por trás, todo o interesse se esvai e sobra apenas a chatice. Quando “2001” deixa a tela preta por cinco minutos antes do logo do estúdio, é porque o filme narra a história da evolução da humanidade, e assim a falta de imagens simboliza que “no início havia o nada”. Quando “Jornada nas Estrelas” faz a mesma coisa, porém sem o mesmo propósito, a tela preta soa apenas como encheção de linguiça. Claro, fãs do filme podem argumentar que ao final o filme possui um tema razoavelmente parecido, porém ele é abordado tão na última hora e de forma tão superficial que não justifica todas as horas e horas de nada acontecendo.

            Mas ainda não respondi a pergunta: Vale a pena assistir “Jornada nas Estrelas: O Filme” nem que seja pra zoar? Bom, fora os figurinos ridículos (sim, os novos figurinos do filme conseguem ser ainda mais ridículos que os pijamas e minissaias da série original), não há muito o que legitimamente se divertir com este filme. A menos que sua ideia de diversão seja gritar “Corta logo!” e “Pula essa cena!” por duas horas...


Avaliação: Não vale a zoeira