domingo, 20 de março de 2016

Sexta-Feira 13

Recentemente assisti “Nosferatu”. Um clássico do cinema, esse filme é uma referência para filmes de terror até os dias de hoje, com seu estilo expressionista, sua linguagem poética e uma fenomenal atuação por parte de Max Schreck como o vampiro Orlok. Seria de se imaginar que eu falaria então desse grande filme, que quase cem anos depois de lançado continua impressionando quem o assiste.
            Que bonitinhos... Não, ao invés disso vou falar de outro filme de terror influente... Embora nesse caso estou tentando entender o porque: “Sexta-Feira 13”.

            E quando digo que estou tentando entender o porquê, eu não estou brincando! Já assisti a esse filme umas três vezes e continuo não vendo o que fez com que ele tivesse o amplo sucesso que teve quando foi lançado, em 1980, arrecadando muito mais que filmes de terror muito melhores lançados no mesmo ano, como “O Iluminado”. Apenas o que é que as pessoas viram nesse filme?!
            Ok, vamos tentar analisa-lo a partir do que muitos consideram seu principal crédito: O de ser o primeiro filme slasher “de verdade”. Para aqueles que não sabem, o slasher é aquele tipo de filme de terror que consiste basicamente de algum psicopata ou serial killer que por algum motivo sai matando pessoas a torto e a direito de formas violentas as mais diversas. Embora o crédito de primeiro filme slasher seja geralmente dado a “Halloween”, de 1978 (apesar de “O Massacre da Serra Elétrica” ser reconhecido como tendo lançado o primeiro protótipo do gênero em 1974), “Sexta-Feira 13” é tratado como tendo lançado as bases para os slashers “de verdade”.
E o que o tornaria um slasher “de verdade”, você talvez me pergunte (ou talvez não pergunte, mas sendo egocêntrico como sou vou partir do princípio que sim)? Em primeiro lugar, é muito mais sanguinolento que os dois filmes supracitados: Gargantas são dilaceradas, cabeças são abertas e sangue é espirrado para todos os lados, enquanto que “O Massacre da Serra Elétrica” e “Halloween” eram muito mais sutis, mantendo o sangue e as partes mais “gráficas” dos assassinatos no escuro ou pura e simplesmente não os mostrando.
Em segundo lugar, a quantidade de mortes é maior: Em “O Massacre da Serra Elétrica”, cinco pessoas morrem ao longo do filme inteiro; em “Halloween”, eram sete; em “Sexta-Feira 13”, dez pessoas morrem durante seus 95 minutos de duração. E isso sendo que o trailer da época dá a impressão de que são treze (eles chegam a mostrar a mesma garota três vezes para isso). Apenas para mostrar qual era afinal o motivo pelo qual as pessoas iriam ver esse filme.

            Além disso, o filme mostra muitas das coisas que mais tarde se tornariam clichês não apenas em filmes slasher, mas em filmes de terror no geral: A pessoa que tenta fugir correndo do assassino, tropeça e morre; um ou mais policiais incompetentes que acham melhor deixar as pessoas à própria sorte quando o filme deixa bem claro que elas estão em uma situação perigosa; o casal de adolescentes que morre logo depois de fazer sexo; o carro que não funciona por algum motivo; a pessoa que diz algo como “Já, já volto” apenas para morrer dois minutos depois; o assassino que mata quase todo mundo com eficiência profissional apenas para por algum motivo mostrar-se incompetente demais para matar a última vítima; o vilão que parece ter morrido apenas para quando tudo parece bem ser revelado que ele está vivo e com muita raiva; até mesmo a ambientação do acampamento no meio da floresta; tudo isso foi usado até a exaustão nos anos que seguiram o sucesso de “Sexta-Feira 13”.
            O problema? Nada disso era original, nem mesmo em 1980! Quase todos esses clichês já haviam aparecido em outros filmes de terror, como “Psicose” e “Halloween”. Aliás, “Sexta-Feira 13” rouba descaradamente desses dois exemplos: Logo no primeiro minuto de filme temos um flashback em que a câmera mostra o ponto de vista do assassino enquanto ele sobe um lance de escadas e mata uma adolescente. Se essa descrição lhe soa familiar, é porque é a mesma descrição que pode ser dada à cena inicial de “Halloween”. Até a própria trilha sonora não é muito original, lembrando em muito a de “Psicose” com certos tons de “Tubarão”.

            Seria possível então argumentar que “Sexta-Feira 13” foi o primeiro a juntar todos esses elementos em um único filme. E, de fato, esses clichês não haviam até então aparecido todos juntos... Em um filme americano. Porque se você for analisar o contexto internacional, verá que tudo isso já havia sido feito no cinema giallo italiano, bastante popular nos anos 60 e 70, inclusive nos Estados Unidos. Se tiver alguma dúvida disso, assista “Torso”, de 1973. É um filme ruinzinho, mas é sobre um assassino, apresentado geralmente através de câmeras que mostram seu ponto de vista, que enlouqueceu após um conhecido dele morrer quando criança, e a partir daí ele tenta se vingar matando de forma sanguinolenta um grupo de adolescentes que gostam de fumar maconha, fazer sexo e desacatar a autoridade.
            Se algum de vocês já assistiu “Sexta-Feira 13”, deve reconhecer aí uma coisinha ou duas.

            Mas ainda não consigo entender: Por que um filme com tão pouca originalidade tornou-se um dos filmes de terror mais bem-sucedidos e famosos de todos os tempos?
            Não é devido ao seu estilo, isso posso ter certeza. Enquanto “Halloween” tinha um estilo artístico bastante marcante, assim como a maioria dos outros filmes de John Carpenter, “Sexta-Feira 13” não possui um estilo direcional muito marcante, parecendo com praticamente qualquer outro filme independente do início dos anos 80. Uma de suas atrizes até já admitiu que nem o via como um filme de terror, e mais como, em suas palavras, “um pequeno filme independente sobre adolescentes despreocupados que estão muito empolgados em um acampamento de verão onde acontece de eles estarem trabalhando como conselheiros de camping. E então simplesmente acontece de eles serem mortos”. Melhor definição para esse filme dificilmente seria possível (talvez empatando com a definição de outra atriz que o chamou de “uma m&rd@”). E justamente essa definição traz consigo o problema do “estilo” de “Sexta-Feira 13”: Por ser tão parecido com qualquer outro pequeno filme independente sobre adolescentes despreocupados feito naquela época, a única coisa que o torna empolgante são suas mortes, que acontecem a uma média de uma a cada 9 minutos. Ou seja: É preciso ficar sentado por 9 minutos de adolescentes irresponsáveis sendo adolescentes irresponsáveis antes de ter alguns segundos de algo interessante. Eu não sei vocês, mas eu acho isso quase de dar sono.

            Isso sem falar que, por parecer com quase qualquer outro filme independente do início dos anos 80, “Sexta-Feira 13” possui todas as breguices que filmes da época tinham e que definitivamente não envelheceram bem, como todos os atores usando shortinhos desconfortavelmente curtos e apertados, tanto homens quanto mulheres, e uma música com efeitos eletrônicos na cena final que se estende até o fim dos créditos (porque afinal, caso você não saiba, havia uma lei nos anos 80 proibindo um filme de ser feito se não tivesse efeitos eletrônicos na trilha sonora).
            Também não é por causa de personagens ou atuações memoráveis. Tirando o vilão (sobre o qual evitarei falar), mesmo tendo assistido esse filme mais de uma vez continuo não conseguindo me lembrar dos nomes ou o que raios eles fazem além de morrerem. Os personagens também não possuem nenhuma personalidade que seja: Quando você vê quem sobrou como a última vítima, tudo o que se consegue dizer é “Sério? Que que essa pessoa fez pra merecer sobreviver?! Não estou conseguindo me lembrar quem é!”. Seria de se imaginar até que a personagem principal seria a que primeiro aparece, uma garota que está atrás de carona para ir ao acampamento; mas ela morre logo na marca dos 22 minutos. É como se os criadores do filme estivessem dizendo “Ah, quem se importa, quem for assistir esse filme vai vir apenas pra ver um monte de adolescentes sendo mortos, não precisamos nos dar ao trabalho de desenvolvê-los ou coisa do tipo!”.
Como se não bastasse os personagens, também não consigo me lembrar o nome de nenhum dos atores. Isso é, tirando Kevin Bacon, que coincidentemente faz aqui um de seus primeiros papeis em filme. Mas mesmo ele eu tenho que toda vez me lembrar que está no filme, porque sua atuação é tão nada de mais quanto a de qualquer outro. É como se os atores tivessem sido escolhidos puramente por serem bonitos e aceitarem trabalhar por um cachê baixo (para seu próprio bem, recomendo não pesquisarem se isso é verdade).
Mas a pergunta ainda não foi respondida: Por que se diz que um filme que nem é tão bom assim influenciou tanto o cinema moderno? No que que ele ajudou a definir toda uma nova era do cinema de terror? E como foi possível esse filme começar uma franquia com tamanha longevidade como a franquia “Sexta-Feira 13”, gerando nove continuações ao longo de mais de vinte anos, além de um crossover com a franquia “A Hora do Pesadelo” e ainda um remake?!

            Bom... Talvez a resposta esteja justamente aí: Na franquia. Embora o conceito de franquia de terror estivesse presente no cinema americano desde a época dos filmes de monstros da Universal, a ideia de que qualquer um podia começar uma franquia não era muito difundida. No caso supracitado, embora os filmes do Drácula, do Frankenstein e do Lobisomem não fossem super-produções, estavam longe de terem um orçamento acessível para qualquer cineasta iniciante. “Sexta-Feira 13”, porém, foi feito com um orçamento de US$550 mil, o que mesmo em 1980 era um orçamento bem modesto. Mesmo que ele não fizesse muito sucesso, o lucro estava quase garantido a partir do momento em que uma grande distribuidora como a Paramount mostrou um leve interesse no filme. Acontece que ele se mostrou um grande sucesso, arrecadando mais de dez vezes o que foi gasto em sua produção.
            Até aí, nada de novo: “O Massacre da Serra Elétrica” e “Halloween” também foram feitos com orçamentos muito modestos e fizeram grande sucesso. A diferença foi que a Paramount resolveu investir em continuações. E não apenas uma, mas três logo de cara, por que não? Eram filmes baratos de se fazer, e com o sucesso do primeiro filme seria fácil ter lucros enormes, mesmo que as continuações não fizessem tanto sucesso de bilheteria!

            Assim surgiu uma nova era na forma de se fazer filmes de terror: Onde o sonho de ganhar muito dinheiro fazendo filmes de baixo orçamento e sem atores que exigissem cachês altos de repente se tornou possível. Mais do que isso: De repente se tornou possível continuar ganhando dinheiro vendendo continuações tão baratas quanto, mesmo que o sucesso diminuísse. Não era necessário bater nenhum recorde de bilheteria para valer a pena continuar investindo em um filme de terror e transforma-lo em uma franquia. De repente grandes produtores não mais desdenhavam os pequenos cineastas de terror independentes; agora os grandes produtores apelavam para estes cineastas, na expectativa de criar uma nova franquia. De repente, até mesmo filmes de terror consagrados começaram a investir em suas próprias franquias. “O Massacre da Serra Elétrica” e “Halloween”, que foram produzidos e lançados sem nenhuma intenção de gerarem continuações, após o sucesso da franquia “Sexta-Feira 13” transformaram-se eles próprios em franquias. E as principais franquias de terror eram, como se pode imaginar, as de filmes slasher.
            Mas e se o público de repente se cansasse de filmes slasher, como de fato aconteceu na década de 90? Não havia problema: Era só os produtores encontrarem algum cineasta independente com uma ideia nova e barata e investirem nessa ideia. O que de fato aconteceu após o lançamento de “A Bruxa de Blair”. Atualmente, filmes de filmagens encontradas (ou found footage) são os novos slashers: Baratos, com grande potencial de lucro e uma grande habilidade em gerarem continuações. Nada disso teria sido possível antes de “Sexta-Feira 13”.
Quanto ao filme que gerou isso tudo? Talvez ele não mereça ter começado toda a forma como filmes de terror modernos são feitos, mas algum mérito ele tem que ter, não? Bem, se for pra dizer algum motivo para assisti-lo, eu diria dois. O primeiro é que, de uma forma curiosa, ele se tornou mais surpreendente atualmente do que deve ter sido na época de seu lançamento. Isso porque, se você ainda não assistiu o filme, mas tem algum conhecimento que seja sobre a franquia “Sexta-Feira 13”, perceberá que há um detalhe muito importante da franquia que não aparece nesse primeiro filme. Não direi que detalhe que é para não estragar a surpresa, mas digamos apenas que a impressão que dá é que os criadores do filme sabiam o quão icônico esse detalhe seria no futuro e propositalmente não o colocaram no primeiro filme da franquia... Ao contrário de só inventarem esse detalhe depois do sucesso desse primeiro filme, mas que seja, vale a surpresa.
E o segundo motivo é, bem, a cena final. Quem já assistiu o filme sabe do que estou falando: Aquele último susto que faz o público pular da cadeira quando nada mais parece que vai acontecer. Sem dúvida essa cena é o grande mérito de “Sexta-Feira 13”: Mesmo já tendo a visto três vezes, toda vez que a vejo tenho um mini-ataque cardíaco. E tenho certeza que se eu vê-la uma quarta vez continuarei levando um dos maiores sustos da minha vida.
Fora esses dois créditos, porém...


Avaliação: Não vale a pena. Um susto genial não faz um filme bom, honestamente.

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