Recentemente assisti “Nosferatu”. Um
clássico do cinema, esse filme é uma referência para filmes de terror até os
dias de hoje, com seu estilo expressionista, sua linguagem poética e uma
fenomenal atuação por parte de Max Schreck como o vampiro Orlok. Seria de se
imaginar que eu falaria então desse grande filme, que quase cem anos depois de
lançado continua impressionando quem o assiste.
Que
bonitinhos... Não, ao invés disso vou falar de outro filme de terror
influente... Embora nesse caso estou tentando entender o porque: “Sexta-Feira
13”.
E
quando digo que estou tentando entender o porquê, eu não estou brincando! Já
assisti a esse filme umas três vezes e continuo não vendo o que fez com que ele
tivesse o amplo sucesso que teve quando foi lançado, em 1980, arrecadando muito
mais que filmes de terror muito melhores lançados no mesmo ano, como “O
Iluminado”. Apenas o que é que as pessoas viram nesse filme?!
Ok,
vamos tentar analisa-lo a partir do que muitos consideram seu principal
crédito: O de ser o primeiro filme slasher
“de verdade”. Para aqueles que não sabem, o slasher
é aquele tipo de filme de terror que consiste basicamente de algum psicopata ou
serial killer que por algum motivo sai matando pessoas a torto e a direito de
formas violentas as mais diversas. Embora o crédito de primeiro filme slasher seja geralmente dado a “Halloween”,
de 1978 (apesar de “O Massacre da Serra Elétrica” ser reconhecido como tendo
lançado o primeiro protótipo do gênero em 1974), “Sexta-Feira 13” é tratado
como tendo lançado as bases para os slashers
“de verdade”.
E o que o tornaria um slasher “de verdade”, você talvez me pergunte
(ou talvez não pergunte, mas sendo egocêntrico como sou vou partir do princípio
que sim)? Em primeiro lugar, é muito mais sanguinolento que os dois filmes
supracitados: Gargantas são dilaceradas, cabeças são abertas e sangue é
espirrado para todos os lados, enquanto que “O Massacre da Serra Elétrica” e “Halloween”
eram muito mais sutis, mantendo o sangue e as partes mais “gráficas” dos
assassinatos no escuro ou pura e simplesmente não os mostrando.
Em segundo lugar, a
quantidade de mortes é maior: Em “O Massacre da Serra Elétrica”, cinco pessoas
morrem ao longo do filme inteiro; em “Halloween”, eram sete; em “Sexta-Feira 13”,
dez pessoas morrem durante seus 95 minutos de duração. E isso sendo que o
trailer da época dá a impressão de que são treze (eles chegam a mostrar a mesma
garota três vezes para isso). Apenas para mostrar qual era afinal o motivo pelo
qual as pessoas iriam ver esse filme.

Além
disso, o filme mostra muitas das coisas que mais tarde se tornariam clichês não
apenas em filmes slasher, mas em
filmes de terror no geral: A pessoa que tenta fugir correndo do assassino,
tropeça e morre; um ou mais policiais incompetentes que acham melhor deixar as
pessoas à própria sorte quando o filme deixa bem claro que elas estão em uma
situação perigosa; o casal de adolescentes que morre logo depois de fazer sexo;
o carro que não funciona por algum motivo; a pessoa que diz algo como “Já, já
volto” apenas para morrer dois minutos depois; o assassino que mata quase todo
mundo com eficiência profissional apenas para por algum motivo mostrar-se
incompetente demais para matar a última vítima; o vilão que parece ter morrido
apenas para quando tudo parece bem ser revelado que ele está vivo e com muita
raiva; até mesmo a ambientação do acampamento no meio da floresta; tudo isso
foi usado até a exaustão nos anos que seguiram o sucesso de “Sexta-Feira 13”.
O
problema? Nada disso era original, nem mesmo em 1980! Quase todos esses clichês
já haviam aparecido em outros filmes de terror, como “Psicose” e “Halloween”.
Aliás, “Sexta-Feira 13” rouba descaradamente desses dois exemplos: Logo no
primeiro minuto de filme temos um flashback em que a câmera mostra o ponto de
vista do assassino enquanto ele sobe um lance de escadas e mata uma
adolescente. Se essa descrição lhe soa familiar, é porque é a mesma descrição
que pode ser dada à cena inicial de “Halloween”. Até a própria trilha sonora
não é muito original, lembrando em muito a de “Psicose” com certos tons de “Tubarão”.

Seria
possível então argumentar que “Sexta-Feira 13” foi o primeiro a juntar todos
esses elementos em um único filme. E, de fato, esses clichês não haviam até
então aparecido todos juntos... Em um filme americano. Porque se você for
analisar o contexto internacional, verá que tudo isso já havia sido feito no
cinema giallo italiano, bastante
popular nos anos 60 e 70, inclusive nos Estados Unidos. Se tiver alguma dúvida
disso, assista “Torso”, de 1973. É um filme ruinzinho, mas é sobre um
assassino, apresentado geralmente através de câmeras que mostram seu ponto de
vista, que enlouqueceu após um conhecido dele morrer quando criança, e a partir
daí ele tenta se vingar matando de forma sanguinolenta um grupo de adolescentes
que gostam de fumar maconha, fazer sexo e desacatar a autoridade.
Se
algum de vocês já assistiu “Sexta-Feira 13”, deve reconhecer aí uma coisinha ou
duas.

Mas
ainda não consigo entender: Por que um filme com tão pouca originalidade
tornou-se um dos filmes de terror mais bem-sucedidos e famosos de todos os
tempos?
Não
é devido ao seu estilo, isso posso ter certeza. Enquanto “Halloween” tinha um
estilo artístico bastante marcante, assim como a maioria dos outros filmes de
John Carpenter, “Sexta-Feira 13” não possui um estilo direcional muito
marcante, parecendo com praticamente qualquer outro filme independente do
início dos anos 80. Uma de suas atrizes até já admitiu que nem o via como um
filme de terror, e mais como, em suas palavras, “um pequeno filme independente
sobre adolescentes despreocupados que estão muito empolgados em um acampamento
de verão onde acontece de eles estarem trabalhando como conselheiros de
camping. E então simplesmente acontece de eles serem mortos”. Melhor definição
para esse filme dificilmente seria possível (talvez empatando com a definição
de outra atriz que o chamou de “uma m&rd@”). E justamente essa definição
traz consigo o problema do “estilo” de “Sexta-Feira 13”: Por ser tão parecido
com qualquer outro pequeno filme independente sobre adolescentes despreocupados
feito naquela época, a única coisa que o torna empolgante são suas mortes, que
acontecem a uma média de uma a cada 9 minutos. Ou seja: É preciso ficar sentado
por 9 minutos de adolescentes irresponsáveis sendo adolescentes irresponsáveis
antes de ter alguns segundos de algo interessante. Eu não sei vocês, mas eu
acho isso quase de dar sono.
Isso
sem falar que, por parecer com quase qualquer outro filme independente do
início dos anos 80, “Sexta-Feira 13” possui todas as breguices que filmes da
época tinham e que definitivamente não envelheceram bem, como todos os atores
usando shortinhos desconfortavelmente curtos e apertados, tanto homens quanto
mulheres, e uma música com efeitos eletrônicos na cena final que se estende até
o fim dos créditos (porque afinal, caso você não saiba, havia uma lei nos anos
80 proibindo um filme de ser feito se não tivesse efeitos eletrônicos na trilha
sonora).
Também
não é por causa de personagens ou atuações memoráveis. Tirando o vilão (sobre o
qual evitarei falar), mesmo tendo assistido esse filme mais de uma vez continuo
não conseguindo me lembrar dos nomes ou o que raios eles fazem além de
morrerem. Os personagens também não possuem nenhuma personalidade que seja:
Quando você vê quem sobrou como a última vítima, tudo o que se consegue dizer é
“Sério? Que que essa pessoa fez pra merecer sobreviver?! Não estou conseguindo
me lembrar quem é!”. Seria de se imaginar até que a personagem principal seria
a que primeiro aparece, uma garota que está atrás de carona para ir ao
acampamento; mas ela morre logo na marca dos 22 minutos. É como se os criadores
do filme estivessem dizendo “Ah, quem se importa, quem for assistir esse filme
vai vir apenas pra ver um monte de adolescentes sendo mortos, não precisamos
nos dar ao trabalho de desenvolvê-los ou coisa do tipo!”.

Como se não bastasse os
personagens, também não consigo me lembrar o nome de nenhum dos atores. Isso é,
tirando Kevin Bacon, que coincidentemente faz aqui um de seus primeiros papeis
em filme. Mas mesmo ele eu tenho que toda vez me lembrar que está no filme,
porque sua atuação é tão nada de mais quanto a de qualquer outro. É como se os
atores tivessem sido escolhidos puramente por serem bonitos e aceitarem
trabalhar por um cachê baixo (para seu próprio bem, recomendo não pesquisarem
se isso é verdade).
Mas a pergunta ainda
não foi respondida: Por que se diz que um filme que nem é tão bom assim
influenciou tanto o cinema moderno? No que que ele ajudou a definir toda uma
nova era do cinema de terror? E como foi possível esse filme começar uma
franquia com tamanha longevidade como a franquia “Sexta-Feira 13”, gerando nove
continuações ao longo de mais de vinte anos, além de um crossover com a
franquia “A Hora do Pesadelo” e ainda um remake?!
Bom...
Talvez a resposta esteja justamente aí: Na franquia. Embora o conceito de
franquia de terror estivesse presente no cinema americano desde a época dos
filmes de monstros da Universal, a ideia de que qualquer um podia começar uma
franquia não era muito difundida. No caso supracitado, embora os filmes do Drácula,
do Frankenstein e do Lobisomem não fossem super-produções, estavam longe de
terem um orçamento acessível para qualquer cineasta iniciante. “Sexta-Feira 13”,
porém, foi feito com um orçamento de US$550 mil, o que mesmo em 1980 era um
orçamento bem modesto. Mesmo que ele não fizesse muito sucesso, o lucro estava
quase garantido a partir do momento em que uma grande distribuidora como a
Paramount mostrou um leve interesse no filme. Acontece que ele se mostrou um
grande sucesso, arrecadando mais de dez vezes o que foi gasto em sua produção.
Até
aí, nada de novo: “O Massacre da Serra Elétrica” e “Halloween” também foram
feitos com orçamentos muito modestos e fizeram grande sucesso. A diferença foi
que a Paramount resolveu investir em continuações. E não apenas uma, mas três
logo de cara, por que não? Eram filmes baratos de se fazer, e com o sucesso do
primeiro filme seria fácil ter lucros enormes, mesmo que as continuações não
fizessem tanto sucesso de bilheteria!
Assim
surgiu uma nova era na forma de se fazer filmes de terror: Onde o sonho de ganhar
muito dinheiro fazendo filmes de baixo orçamento e sem atores que exigissem
cachês altos de repente se tornou possível. Mais do que isso: De repente se
tornou possível continuar ganhando dinheiro vendendo continuações tão baratas
quanto, mesmo que o sucesso diminuísse. Não era necessário bater nenhum recorde
de bilheteria para valer a pena continuar investindo em um filme de terror e
transforma-lo em uma franquia. De repente grandes produtores não mais
desdenhavam os pequenos cineastas de terror independentes; agora os grandes
produtores apelavam para estes cineastas, na expectativa de criar uma nova
franquia. De repente, até mesmo filmes de terror consagrados começaram a
investir em suas próprias franquias. “O Massacre da Serra Elétrica” e “Halloween”,
que foram produzidos e lançados sem nenhuma intenção de gerarem continuações,
após o sucesso da franquia “Sexta-Feira 13” transformaram-se eles próprios em
franquias. E as principais franquias de terror eram, como se pode imaginar, as
de filmes slasher.
Mas
e se o público de repente se cansasse de filmes slasher, como de fato aconteceu na década de 90? Não havia problema:
Era só os produtores encontrarem algum cineasta independente com uma ideia nova
e barata e investirem nessa ideia. O que de fato aconteceu após o lançamento de
“A Bruxa de Blair”. Atualmente, filmes de filmagens encontradas (ou found footage) são os novos slashers: Baratos, com grande potencial
de lucro e uma grande habilidade em gerarem continuações. Nada disso teria sido
possível antes de “Sexta-Feira 13”.

Quanto ao filme que
gerou isso tudo? Talvez ele não mereça ter começado toda a forma como filmes de
terror modernos são feitos, mas algum mérito ele tem que ter, não? Bem, se for
pra dizer algum motivo para assisti-lo, eu diria dois. O primeiro é que, de uma
forma curiosa, ele se tornou mais surpreendente atualmente do que deve ter sido
na época de seu lançamento. Isso porque, se você ainda não assistiu o filme,
mas tem algum conhecimento que seja sobre a franquia “Sexta-Feira 13”, perceberá
que há um detalhe muito importante da franquia que não aparece nesse primeiro
filme. Não direi que detalhe que é para não estragar a surpresa, mas digamos
apenas que a impressão que dá é que os criadores do filme sabiam o quão icônico
esse detalhe seria no futuro e propositalmente não o colocaram no primeiro
filme da franquia... Ao contrário de só inventarem esse detalhe depois do
sucesso desse primeiro filme, mas que seja, vale a surpresa.
E o segundo motivo é,
bem, a cena final. Quem já assistiu o filme sabe do que estou falando: Aquele
último susto que faz o público pular da cadeira quando nada mais parece que vai
acontecer. Sem dúvida essa cena é o grande mérito de “Sexta-Feira 13”: Mesmo já
tendo a visto três vezes, toda vez que a vejo tenho um mini-ataque cardíaco. E
tenho certeza que se eu vê-la uma quarta vez continuarei levando um dos maiores
sustos da minha vida.
Fora esses dois
créditos, porém...
Avaliação: Não vale a
pena. Um susto genial não faz um filme bom, honestamente.
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