terça-feira, 15 de novembro de 2016

Kubo e as Cordas Mágicas

Desculpem-me por não ter postado nada semana passada, é que tive uma de minhas típicas crises de melancolia que me impediram de fazer qualquer coisa que não fosse escrever listas intermináveis de absolutamente nada e ouvir repetidas vezes as músicas de Prokofiev (acreditem, é mais preocupante do que soa). Mas, agora que isso se amenizou, estou enfim com disposição para escrever sobre “Kubo e as Cordas Mágicas”.
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            É, eu sei que já estreou faz certo tempo e provavelmente nem está mais nos cinemas. A bem da verdade, nem estava planejando escrever nada a respeito deste filme pelo motivo de que já fiz uma crítica dele para o programa de rádio que minha turma da faculdade produz, o que, para metade dos meus leitores (ou seja, dois ou três), não deve ser novidade alguma. Mas que seja, vou aproveitar este espaço para escrever então uma crítica mais aprofundada deste filme.
            A primeira coisa que se precisa dizer sobre “Kubo e as Cordas Mágicas” é que é o mais novo filme da Laika. Vocês sabem, a mesma companhia responsável por “Coraline” e “Paranorman”. Para quem assistiu a esses filmes, isso é tudo que é preciso saber para já ter uma noção do que esperar... Mas pra quem não sabe do que estou falando, eis o resumo: A Laika é um estúdio independente que vem nos últimos anos fazendo uma pequena revolução no cinema de animação, tanto na questão estilística quanto narrativa. Estilística não apenas por se especializarem em animação stop-motion, técnica ainda bastante subestimada, mas também por aumentarem suas possibilidades, utilizando-se de tecnologia avançada para dar a seus filmes uma expressividade e realismo como nenhuma animação stop-motion teve antes; e narrativa, por terem a ousadia de fazer filmes extremamente sombrios e dramáticos, ao mesmo tempo tristes e assustadores, testando os limites do que é considerado entretenimento infantil como não se via desde as animações “não-Disney” dos anos 80, como os filmes de Don Bluth.
            Como se pode ver, fui assistir “Kubo” com expectativas bastante altas. E então, o filme conseguiu corresponder a elas? Bom, a resposta é curta e simples: COM CERTEZA!
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            Kubo, o protagonista, é um garoto vivendo nos arredores de uma vila no Japão antigo. Sua mãe, Sariatu, é a filha do Rei Lua, com poderes mágicos que Kubo acabou herdando; e seu pai, Hanzo, foi um poderoso samurai, que se sacrificou para que Sariatu pudesse fugir com Kubo ainda bebê da ira do Rei Lua, que não aprovava a união, porém não antes que este arrancasse o olho esquerdo de Kubo.
            Durante a fuga, porém, Sariatu sofreu um acidente que lhe causou sérios danos cerebrais, e por isso passa o dia em um estado catatônico e recupera a lucidez apenas por algumas horas durante a noite, e mesmo assim sua memória vai ficando cada vez mais instável. Para sustenta-los, Kubo todo dia vai à vila com seu shamisen (instrumento de cordas japonês) e, com seus poderes mágicos, dá vida a origamis e utiliza-os para contar as aventuras de seu pai em troca de esmolas. Porém, ele tem ordens bastante expressas de sua mãe para nunca permanecer fora do abrigo deles à noite, pois o Rei Lua poderia assim encontra-lo.
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            Como é de se imaginar, eis que um dia ele acaba ficando fora até mais tarde, e, assim que escurece, suas duas tias aparecem para arrancar-lhe seu olho restante. Antes que elas consigam pôr as mãos nele, porém, eis que sua mãe, usando o que lhe resta de seus poderes, envia Kubo para longe e sacrifica-se para lutar contra suas irmãs.
            No dia seguinte, Kubo se encontra na companhia de uma macaca falante, que é na verdade um macaquinho de madeira ao qual a mãe de Kubo deu vida para que pudesse proteger o garoto. A macaca convence Kubo de que a única coisa que há a se fazer agora é ir atrás das três partes da mística armadura de seu pai (a espada, o peitoral e o elmo), a única coisa que pode ajudar Kubo a enfrentar o Rei Lua. Para ajuda-los na procura, eis que lhes aparecem duas ajudas inesperadas: A primeira é “Pequeno Hanzo”, o samurai de origami que Kubo usava para representar seu pai em suas histórias, que devido à magia do garoto acabou criando vida própria; e Besouro, um samurai de verdade que, devido a uma maldição, não apenas foi transformado em um monstro parecido com um besouro gigante, mas também perdeu sua memória, sua única lembrança sendo a de que foi aprendiz de Hanzo. Com o time formado, a busca efetivamente começa.
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            Há tantas coisas a serem destacadas neste filme que fica até difícil saber muito bem por onde começar. Comecemos então pela animação, que é provavelmente aquilo que primeiro chama a atenção no filme e sobre a qual seria possível escrever um livro inteiro.
            Embora este não seja exatamente o filme mais caro da Laika, “Kubo e as Cordas Mágicas” é bem possivelmente sua principal tentativa em fazer uma “superprodução”, e mostra bem isso: Os cenários são todos colossais, os monstros que os personagens encontram no caminho são maiores que a vida, e as cenas de luta possuem coreografias tão elaboradas que fica difícil acreditar que elas foram feitas apenas com bonecos presos por mini guindastes e fotografados literalmente frame por frame! Sem falar que o filme consegue superar o principal desafio em se fazer uma animação em stop-motion, a fluidez: Os personagens se movem de forma absurdamente natural, a equipe de produção movendo-os milímetro por milímetro com o máximo de cuidado para fazer com que na tela eles pareçam estar se movendo por conta própria, quase como se fossem computadorizados!
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            Não que o filme não tenha sua dose de imagens computadorizadas, principalmente para criar alguns efeitos de água e céu, porém o grosso da animação é de fato stop-motion: Os personagens, objetos, árvores, casas, até mesmo os monstros gigantossáuricos, essas coisas são reais. E a mistura dos dois tipos de animação acaba dando uma atmosfera especial ao filme: A tecnologia de imagens computadorizadas avançou tanto nos últimos anos que ela consegue parecer quase tão têxtil quanto o stop-motion, e ainda por cima contribui para dar ao filme um ar de magia que o stop-motion sozinho talvez não fosse capaz de dar (pelo menos não sem provavelmente levar a Laika à falência); ainda assim, “Kubo e as Cordas Mágicas” não está afogado em imagens computadorizadas, usando-as apenas quando necessário, permitindo que elas se “camuflem” em meio ao que é realmente táctil, evitando assim que o olho se acostume e consiga diferenciar facilmente o que é “real” e o que não é.
            Meu deus, eu poderia ficar falando da animação de “Kubo” para sempre, de toda a beleza, detalhismo, expressividade, trabalho duro, etc., etc., mas eu realmente quero seguir adiante e falar das outras coisas do filme. Se quiserem, há um vídeo de 15 minutos no youtube mostrando o making-of do filme, que vale a pena como um complemento para quem já o assistiu, e os créditos finais até mostram como foi feito o esqueleto gigante (ou Gashadokuro, se quiser chama-lo pelo nome japonês) que aparece em “Kubo”, o maior boneco já feito para um filme em stop-motion, com quase CINCO METROS DE ALTURA!
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            Aproveitando esta deixa, falemos da mitologia de “Kubo e as Cordas Mágicas”: É impressionante o quanto que este filme captura com perfeição a cultura japonesa para criar sua própria versão folclórica do Japão, construindo um universo onde a magia e espiritualidade nipônicas são tão inegável e inquestionavelmente reais a ponto de poucas explicações serem necessárias. E não são apenas os monstros e até alguns personagens que fazem referência a lendas japonesas (é difícil ver a história da mãe de Kubo e não se lembrar do “Conto da Princesa Kaguya”, tanto o conto em si quanto o filme): Por exemplo, uma parte significativa do filme lida com o festival japonês de Obon, que embora nunca tenha seu nome explicitado, tem todos os seus principais costumes retratados com bastante fidelidade, e até mesmo o significado do festival é aqui apresentado da forma mais literal possível, não como mero simbolismo.
            Não que o filme, aliás, não tenha sua dose de fortes simbolismos, principalmente em se tratando, claro, da importância que o filme constantemente dá para os olhos: Assim como em “Coraline”, aqui os olhos não são tratados apenas como meros órgãos do corpo humano, mas como uma forma de ver o mundo e a vida além de suas frustrações, dificuldades e conflitos, e sacrificar os “olhos” (como símbolo) por uma vida sem problemas é também sacrificar a beleza, as pequenas alegrias e tudo o que faz a vida valer a pena (de novo, difícil não se lembrar de “Kaguya”...), pois é com os olhos que se vê a verdadeira “alma” das coisas – tanto para o bem quanto, como se vê em uma cena do filme, para o mal.
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            Mas não são apenas os olhos, pois o filme aborda, ora de forma mais simbólica/metafórica/alegórica/o-que-quer-que-seja, ora de forma mais explícita, toda uma infinidade de questões existenciais que não se espera geralmente de um filme infantil: Os problemas de memória que diversos personagens apresentam ao longo do filme são uma forma de “Kubo” não apenas discutir o quanto ela é importante para a individualidade de uma pessoa, como também abrir espaço para questões como a preservação da “memória coletiva”; as histórias que Kubo conta, e sua dificuldade em termina-las, são uma abordagem metafórica para a vida e a (i)mortalidade; há também abordagens a temas existenciais como humanidade, família, espiritualidade, e tantas outras questões, que a princípio pode parecer que “Kubo e as Cordas Mágicas” está tentando lidar com areia demais para seu caminhãozinho.
Mas não se enganem: Ao final, tudo isso acaba se costurando em uma única narrativa sólida. E o principal mérito por isso é a própria forma como a narrativa do filme é construída, não apenas como mais uma das 1878919831294 “sagas do herói” que se vê por aí, mas aplicando em si a “lógica de conto-de-fadas”, com muitas coisas específicas ganhando significados muito maiores do que a princípio parecem ter. Devido a isso, o filme acaba em muito parecendo de fato com um conto folclórico japonês que por algum motivo ninguém nunca havia ouvido falar, principalmente também devido à seriedade com que trata a si mesmo: “Kubo e as Cordas Mágicas” não se rebaixa a referências à cultura pop, diálogos “moderninhos” que não se encaixem na época antiga retratada, ou qualquer coisa que o faça parecer forçadamente “bacana” ou “divertidinho”, e não vira a cara quando quer mostrar o lado sombrio da vida para as crianças, com morte, luto, dor e medo sendo mostrados em todo o seu impacto, sem nenhum filtro.
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Mas não confundam “seriedade” com “solenidade exagerada”, pois “Kubo e as Cordas Mágicas” não se esquece de que, para seus momentos tristes e/ou sombrios terem um impacto mais eficiente, é preciso ter um pouco de humor no meio para aliviar a tensão nem que seja por um momento (uma personagem do filme, aliás, diz isso explicitamente em uma cena). Assim, há sua dose de humor, mas este em momento algum ocupa espaço demais ou aparece em algum momento indevido, sendo aplicado na medida certa para o público poder respirar entre um momento dramático e outro.
A seriedade com que o filme trata a si mesmo acaba também dando um maior impacto àquilo que é essencialmente a alma de “Kubo e as Cordas Mágicas”: A aventura, que aqui assume ares quase mitológicos, cada provação que Kubo passa em sua busca tendo proporções hercúleas. E para tornar a aventura ainda mais empolgante, o filme utiliza-se em muito não apenas da lógica narrativa dos contos mitológicos, mas também da dos jogos de videogame (aliás, parando pra pensar, é impressionante o quanto ambas as lógicas narrativas são parecidas, não? Alguém mais inteligente que eu, por favor, faça uma tese sobre isso!), com Kubo viajando através de diversos cenários – que variam desde um campo de gelo até um castelo abandonado – em busca de certo número de itens bastante específicos que, juntos, o tornam mais forte, e em cada cenário enfrentando uma criatura diferente, cada uma mais forte que a outra – ou, porque não chama-los assim, “chefões” –, o próprio Kubo ganhando experiência, aprendendo coisas novas e ficando mais poderoso ao longo da jornada. Soa familiar?
Bem que já disseram antes de mim que “Kubo e as Cordas Mágicas” é possivelmente o mais próximo que algum dia teremos de um filme de “The Legend of Zelda”: Basicamente, misture “The Legend of Zelda” com “Okami” e você terá...
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            Hum... Ok, essa também é uma alternativa certa.


Avaliação: Vale muito a pena.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Katyn

Acho que até agora não me foquei em nenhum filme de guerra neste blog, não? Por mais que tenha aqueles filmes de guerra por aí que são realmente muito bons e que todo mundo deveria assistir pelo menos uma vez na vida, sempre tive certa dificuldade em saber como reagir após assistir um. Quero dizer, são filmes tão pesados e que lidam com temas tão difíceis, que pra mim a melhor coisa a se fazer sempre foi deixar seus temas serem digeridos em silêncio, sem tentar verbalizar suas descargas emocionais. Mas, minha proposta aqui é justamente verbalizar minhas impressões dos filmes que assisto, por mais que às vezes seja um tanto difícil, o que vai tornar essa crítica consideravelmente mais curta (e possivelmente medíocre) que o meu normal, já aviso. Sendo assim, falemos aqui de “Katyn”, do diretor polonês falecido a pouco Andrzej Wajda.
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            “Katyn” lida com o que é bem possivelmente um dos episódios mais controversos do front do leste europeu na 2ª Guerra Mundial, no qual mais de 20 mil poloneses, em sua maioria oficiais militares, foram executados e enterrados em uma vala comum na floresta de Katyn, na atual Rússia. Controverso porque, durante décadas, a União Soviética, com o apoio do governo comunista polonês, afirmou que o massacre foi realizado pelos nazistas em 1941, época em que as tropas alemãs controlavam a região. Foi apenas no final da década de 80, com o fim do governo comunista, que os poloneses puderam dizer publicamente o que eles já vinham suspeitando há muito tempo: Que o massacre havia sido na verdade realizado pelos próprios soviéticos.
            E de fato, no ano seguinte, o então líder soviético Gorbachev foi obrigado a admitir que o massacre foi realizado sob ordens de Stalin, e após o fim da União Soviética o presidente russo Yeltsin tornou públicos os documentos que autorizavam a execução de oficiais poloneses em 1940, quando os nazistas ainda não haviam dominado a região de Katyn.
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            Dou essa contextualização toda porque, mais uma vez, estou me metendo em um filme que não foi feito pra mim: Wajda, enquanto vivo, afirmava que fazia filmes para os poloneses, sem pensar no reconhecimento internacional. E “Katyn” mostra bem isso, retratando diversas situações comuns no país durante a guerra e nos anos seguintes com a “naturalidade” de quem viveu elas: De fato, Wajda não apenas permaneceu na Polônia durante a 2ª Guerra, como também seu pai foi um dos oficiais executados em Katyn, o que dá ao filme um tom extremamente pessoal.
            Ainda assim, não vamos esquecer que “Katyn” é uma obra de ficção. E seu enredo, menos do que no massacre em si, foca-se nas famílias dos executados, principalmente nas figuras femininas: As esposas, filhas, mães e irmãs que sobreviveram à guerra e, pelos anos seguintes, foram atormentadas pela dúvida quanto ao que realmente aconteceu com aqueles que perderam, proibidas de qualquer expressão que se oponha à “verdade” divulgada de que o massacre foi realizado pelos nazistas.Resultado de imagem para Katyń film
Entre elas, encontram-se Anna (interpretada por Maja Ostaszewska), esposa de um capitão de cavalaria, a poderosa figura materna capaz de ir de um lado ao outro da Polônia por sua família, e que de certa forma serve como personagem principal do filme; Róza (interpretada por Danuta Stenka), a orgulhosa esposa de um general que se recusa a ceder a qualquer pressão em relação ao massacre; e as duas irmãs de um tenente da aeronáutica, que embora ambas se rebelem contra o regime comunista da Polônia pós-guerra, diferem mesmo assim na forma como acham correto se rebelar.
            Embora o protagonismo seja definitivamente das mulheres, os homens também têm seus papeis importantes, ligando todas essas vidas aparentemente paralelas. Ainda assim, é uma ligação bastante mórbida, com quase todos os personagens masculinos sofrendo algum tipo de destino horrível, mesmo que não tenham sido executados em Katyn. Ao final, apenas elas é que sobram, tendo que, das mais variadas formas, lidar com o novo regime por conta própria.
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            Como os mais importantes filmes de guerra, “Katyn” foge tanto quanto possível do cinema de entretenimento e se aproxima no lugar do cinema essencial: É um filme que não queremos ver, mas que precisamos ver; que não necessariamente alguém pediu para ser feito, mas que precisava ser feito. Através dos olhos daqueles (e principalmente daquelas) que ficaram, não se preocupa em passar uma “moral da história”, uma “lição de superação” ou qualquer resposta fácil para as questões que aborda, tanto que, de forma quase irônica, ao final do filme, quando se espera um letreiro que dê algum dado histórico para o público refletir a respeito, o que se tem é apenas uma tela preta. Sem falar que, para dar um ar ainda maior de documentário para essa obra de ficção, Wajda chegou a inserir nele cenas de cinejornais nazistas (que, ao descobrirem as valas comuns onde os executados foram enterrados, usaram o massacre como propaganda antissoviética) e soviéticos (que, ao assumirem o controle sobre a Polônia, usaram o massacre como propaganda anti-nazista) aos quais ele conseguiu acesso. “Katyn” não pretende ensinar nada que não seja uma tragédia histórica; não pretende dizer nada que não seja um grito de angústia preso por décadas na garganta.
            Claro que tal intensidade devastadora não vem sem seus custos, em especial nos personagens, que em sua maioria possuem aparições, digamos, “rasas” demais, com o filme pouco se aprofundando em seus dramas e sofrimentos íntimos, tornando-os pouco memoráveis individualmente (é bem possível que você acabe por confundi-los entre si em algum ponto da história), o que acaba também, como consequência, fazendo algumas cenas parecerem melodramáticas demais, especialmente aquelas que exigem que nos importemos com os personagens não como representações simbólicas de um povo, mas sim como, bem, personagens; assim, acabamos pouco nos importando quando, por exemplo, dois adolescentes subitamente se apaixonam após três minutos juntos. No geral, os personagens acabam não sendo muito interessantes, e você se importa com eles mais por causa das situações horríveis que vivem.
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Ainda assim, embora sua experiência narrativa seja um tanto desequilibrada, isso não torna “Katyn” um filme ruim. Da mesma forma como “1984” não deixa de ser um clássico da literatura só porque os personagens são a parte na qual você menos se investe, “Katyn” não é muito diferente, e o motivo é o mesmo: Em ambos, a narrativa não é o ponto principal. O ponto principal (curiosamente bastante semelhante nos dois casos) é fazer um ensaio sobre a opressão ideológica e a manipulação em nome do poder, e o que torna ambos bons ensaios é a intensidade de suas narrativas mais do que as narrativas em si, assombrando o público e causando uma impressão difícil de ser esquecida.
E de fato, intensidade é a palavra-chave aqui: Da sequência inicial, mostrando um grupo de poloneses atravessando uma ponte para fugir da invasão alemã, apenas para encontrar outro grupo de poloneses do outro lado fugindo da invasão soviética, com a ponte retratando de forma alegórica a sensação dos poloneses de estarem encurralados e sem terem para onde fugirem (de onde você acha que veio a expressão “corredor polonês”?); até a sequência final, em que Wajda, durante dez angustiantes minutos, retrata, na forma das páginas em branco de um diário, como o massacre de Katyn deve ter ocorrido, não poupando nenhum personagem (e muito menos o público); passando pela pesarosa trilha sonora de Krzysztof Penderecki, que não raro mais lembra uma marcha fúnebre; “Katyn” é um filme dirigido de forma poderosa, cada pequena cena te dando um aperto no peito.Resultado de imagem para Katyń film
Como se não bastasse, não deixa de ser um grande épico, com centenas de figurantes, uma minuciosa reconstrução do período retratado, e uma câmera que parece percorrer cada milímetro de seus enormes e variados cenários, fazendo qualquer cinéfilo se impressionar com a energia que Wajda, na época com mais de 80 anos, dispôs para realizar esta obra.


Avaliação: Vale a pena.

domingo, 23 de outubro de 2016

Vale a Zoeira: A Hora do Pesadelo 6 - Pesadelo Final - A Morte de Freddy

Ok, chega! Sei que foram feitos mais filmes de “A Hora do Pesadelo” após este, e talvez eventualmente algum dia eu fale deles, mas por enquanto estou tão cansado dessa franquia quanto aparentemente a New Lines Cinema estava nos anos 90. Sendo assim, tratarei “A Hora do Pesadelo 6 – Pesadelo Final – A Morte de Freddy” exatamente como foi tratado na época de seu lançamento: Como o último filme estrelando o nosso tão querido Sr. Cara-de-Pizza, Freddy Krueger.
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            E não se deixem enganar pela propaganda de que “eles guardaram o melhor para o final”: “A Hora do Pesadelo 6” é tão ruim quanto se esperaria de uma continuação de filme slasher feita nos anos 90 (fãs de “Sexta-Feira 13” e “Halloween” sabem o quão pesado que é esse argumento).  Aliás, posso dizer com convicção que esta é a pior continuação de “A Hora do Pesadelo”. Sim, pior até mesmo que o quinto filme e o segundo (sobre o qual continuarei me recusando a falar). Então vamos ver apenas se é possível se divertir com alguma coisa que seja deste filme.
            Em primeiro lugar, lembram-se que na minha crítica de “O Maior Horror de Freddy” eu disse que estava cansado de explicações fajutas para Freddy voltar do inferno, e me perguntei por que ele não simplesmente voltava com a única explicação sendo o fato de ser uma continuação? Bem, eu realmente devia tomar cuidado com o que desejo, pois é exatamente isso que “Pesadelo Final” faz: Um simples letreiro logo no começo do filme nos explica que dez anos após os eventos de “O Maior Horror”, Freddy matou (quase) todas as crianças e adolescentes da cidade de Springwood (não me lembro se alguma vez disse isso, mas este é o nome da cidade onde os filmes da franquia se passam), levando os adultos sobreviventes a um estado de psicose em massa. Como é que ele voltou do inferno? Como é que ele conseguiu matar todas as crianças ao longo de dez anos sem que nada o impedisse? Como é que o desparecimento de milhares de crianças e o enlouquecimento dos adultos em uma mesma e única cidade não chamou a atenção dos noticiários? Por que não resolveram fazer um filme sobre isso, que apesar de macabro soa bem mais interessante? Bem, quem se importa com essas perguntas?! Dez minutos depois de dada essa informação, Freddy Krueger aparece fazendo uma referência a “O Mágico de Oz”, por que afinal, se há uma coisa que lhes vêm à mente quando digo “A Hora do Pesadelo”, é Freddy fantasiado de Bruxa do Oeste, não?!
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            Esses primeiros minutos já nos trazem tantos problemas presentes ao longo do filme que não sei nem por onde começar! Vejamos... Em primeiro lugar, ao matar todas as crianças de Springwood, “Pesadelo Final” acaba matando também qualquer conexão que o filme possa ter com a continuidade da franquia. Isso porque Alice e seu filho Jacob, os sobreviventes do filme anterior que poderiam manter essa continuidade, jamais são sequer mencionados aqui! Absolutamente nada do filme anterior faz qualquer diferença neste filme. Não ficamos nem sabendo se eles morreram ou se conseguiram fugir de Springwood e escapar de Freddy; “Pesadelo Final” apenas nos olha confuso e diz “Alice e Jacob? Quem que são esses Alice e Jacob que você está falando?”.
            Em segundo lugar, se o protagonista do filme não é nem Alice nem Jacob, quem que é? Bem, a resposta é um tal de John (interpretado por Shon Greenblatt), o último adolescente vivo de Springwood, que ao tentar sair de lá acaba perdendo a memória. E se os personagens dos filmes anteriores da franquia vinham tendo cada vez menos personalidade, você não viu nada: John, assim como quase todos os personagens do filme, é apenas mais um rosto falante sem sal, desagradável e chato. É tão difícil dar qualquer importância a ele e a 90% dos outros rostos falantes que são introduzidos em “Pesadelo Final” que mal dá para chama-los de personagens! O único pelo qual tenho alguma simpatia é um psicólogo especialista em sonhos que durante o filme inteiro é chamado apenas de Doc, e os únicos motivos para eu ter simpatia por ele são 1: Ele é interpretado por Yaphet Kotto, o mesmo ator que interpretou Parker em “Alien”; e 2: Ele é possivelmente o adulto mais inteligente a aparecer nesta franquia. Mas fora ele, “Pesadelo Final” parece não saber muito bem o que fazer com seus “personagens”, e isso se mostra bem claro em John: Inicialmente o foco parece ser tentar descobrir quem ele era antes de perder a memória, mas então na metade do filme esse enredo simplesmente é abandonado! O resultado é que nunca ficamos sabendo de onde John veio, quem são seus pais, ou por que ele estava tentando sair de Springwood. Todas essas perguntas são simplesmente jogadas no lixo, e John, que começa o filme como um zé-ninguém sem nenhum passado, termina exatamente da mesma forma, sem qualquer desenvolvimento que seja. Reeeeeealmente fica difícil me importar desse jeito!
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            E em terceiro lugar, temos o simples fato de que, como Freddy fantasiado de Bruxa do Oeste indica... “Pesadelo Final” simplesmente não é um filme assustador! E não é que se esforça para ser, mas acaba não sendo: O filme nem sequer tenta deixar o público com medo! A coisa mais assustadora de “Pesadelo Final” é uma ponta de Roseanne Barr! A única cena que eu diria que é merecedora de aparecer em um filme de “A Hora do Pesadelo” é uma na qual um personagem tem um pesadelo sobre desdobrar um mapa que não acaba nunca, e isso porque é a única cena que de fato parece saída de um pesadelo de verdade. Quanto ao Freddy Krueger em si, absolutamente nada do que ele faz ou fala soa minimamente assustador. Nem sequer as mortes são lá tão impressionantes: Enquanto nos filmes anteriores ele havia matado suas vítimas liquefazendo-as em sangue, usando seus tendões como fios e movendo-as como se fossem marionetes, ou até transformando-as em baratas, aqui ele mata suas vítimas com um quadro negro, uma cama de espetos saída direto dos Looney Tunes, e, não estou brincando, um Nintendo!
Eu adoraria dizer que isso é uma piada, mas não: Em um dos momentos mais estúpidos da franquia (e olha que isso quer dizer muito), Freddy transporta uma de suas vítimas para dentro de um jogo de videogame e assim fica movendo seu corpo adormecido para lá e para cá. Se isso lhes soa minimamente assustador, não se preocupe: A diretora do filme, Rachel Talalay, irá adicionar à cena todo tipo de efeito sonoro de desenho animado pra que essa cena não assuste absolutamente ninguém! E com todo tipo, eu quero dizer todo mesmo, assim à louca, a maioria deles nem está sincronizada com o que quer que a vítima esteja fazendo! Por acaso os responsáveis por este filme nunca ouviram falar em um profissional chamado editor de som?! Sinceramente, o que mais poderia haver nessa cena para piorá-la?
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            Ah, é... A Power Glove... Na época em que a Nintendo já havia percebido que ela não seria um sucesso, e o público já a muito percebera que ela não funcionava. Aliás, “O Pesadelo Final” foi lançado em 1991, um ano depois da Nintendo cancelar a produção de Power Gloves, então qual foi o sentido de manter essa cena?
            Mas não basta fazer esse desserviço a Freddy Krueger, é preciso que “Pesadelo Final” destrua completamente a motivação pela qual o Sr. Cara-de-Pizza faz o que faz, dando a indicar que todas as crianças e adolescentes que ele vinha matando não eram por diversão ou para consumir suas almas e ficar mais poderoso; eram na verdade um plano extremamente confuso e cheio de furos e puras coincidências para conseguir de volta sua própria criança. É, lembram-se que antes de virar um “churrasco dos sonhos” Freddy tinha uma criança cuja guarda foi tirada dele? Não? Bem, não se sintam mal, porque isso nunca foi citado em nenhum dos filmes anteriores da franquia, sendo apenas uma desculpa que “Pesadelo Final” inventou para ter um enredo. Um enredo extremamente contraditório, cheio de reviravoltas óbvias e que, o pior de tudo, tenta se legitimar ignorando completamente tudo o que havia sido até então estabelecido sobre a origem de Freddy Krueger, invertendo a ordem de fatos e criando uma linha do tempo que, mesmo considerando “Pesadelo Final” como um filme solo, não faz sentido algum.
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            Mas ei, como eu já havia dito nos filmes anteriores, mesmo que mudem Freddy completamente, ele ainda é capaz de ser intimidante, não? Bem, nem mesmo esse é o caso aqui. Aliás, “intimidante” é a última palavra que eu usaria para descrever Freddy neste filme; “fracote” soa mais apropriado. Lembram-se de quando ele podia ser queimado vivo e sair andando normalmente, ou era imune a qualquer tipo de poder de sonho, podendo levar tiro, porrada e bomba sem mostrar a mínima reação? Pois parece que, apesar de ao longo de dez anos consumir as almas de literalmente milhares de crianças (o que a franquia estabeleceu que o torna mais forte), em “Pesadelo Final” Freddy apanha como um condenado não uma, nem duas, nem três, mas quatro vezes, levando chute nas gônadas, chave de braço, sendo espancado com um taco de beisebol... Nem mesmo na luta mano-a-mano final ele aparenta ter qualquer vantagem que seja (quem diria que eu teria saudades da luta final de “Mestre dos Sonhos”...), o que além de deixar Freddy ainda mais fracote, torna o clímax ainda mais irritante e cansativo.
Por que digo “ainda mais”? Porque além de tudo, o clímax de “Pesadelo Final” é em 3-D.
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            Isso mesmo: Alguém na New Lines Cinema achou que, para vender melhor o filme, um jeito seria fazer com que os últimos 10 minutos fossem em 3-D, de forma que em alguns cinemas o público receberia óculos para ter a “experiência”... Experiência que acabou quando o filme foi lançado em vídeo, e tudo o que sobrou é um final de doer os olhos, com efeitos especiais para os quais o início dos anos 90 claramente não estava preparado, e objetos sendo jogados em direção à câmera que fazem “Pesadelo Final”, assim como os piores filmes a usarem 3-D, parecer aquele seu colega irritante que não sabe falar sem ficar te cutucando o tempo todo. Essa cena sozinha foi um dos principais motivos para que o orçamento deste filme fosse quase o dobro do de “O Maior Horror de Freddy”, e sinceramente foi dinheiro jogado fora: É difícil não assistir o clímax de “Pesadelo Final” e não pensar em todas as crianças que poderiam ter sido alimentadas com o que foi gasto para fazer esses efeitos 3-D.
            Dá pra ver que não tenho uma grande simpatia por “Pesadelo Final”, não? Não que seja a pior coisa que já vi na minha vida, tem seus momentos: Os créditos finais, com uma montagem dos melhores momentos de “A Hora do Pesadelo” ao som de Iggy Pop, é uma boa homenagem que a franquia faz a si mesma, e se você for assistir o filme pela ironia, é bem possível que você acabe rindo com a cena do Nintendo pelo quão absurdamente ridícula que ela é. Mas fora isso, “Pesadelo Final” simplesmente não é um filme interessante. Mesmo se você considera-lo como um trabalho solo e desconsiderar que ele ignora a franquia e no lugar inventa o que quer que tenha passado pela cabeça do roteirista, a maior parte do filme é simplesmente sem-graça, pouco assustadora, pouco engraçada e pouco visualmente impressionante, os três pilares que vinham mantendo a franquia (considerando que o pilar da inteligência foi destruído após o primeiro filme). Nem mesmo as mortes salvam o filme, com apenas três casualidades que ocorrem num espaço de apenas meia hora, e assim o filme...


Avaliação: Não vale a zoeira.

sábado, 8 de outubro de 2016

Faça a Coisa Certa

            (Comecei a escrever essa crítica no dia 30/09, porém os estudos apertaram e tive que passar alguns dias sem escrever, portanto só consegui termina-la agora. Talvez isso se repita nas próximas postagens, mas tentarei escrever sempre que possível)

Ok, irei direto ao ponto: Simplesmente não tem como eu fazer jus a este filme. E acho que não preciso dizer a vocês o porquê, preciso? Há poucas definições melhores de “meter-se aonde não foi chamado” do que um crítico de cinema branquelo como eu falando sobre um filme de Spike Lee. Seja falando bem, seja falando mal, não importa: Os filmes dele simplesmente não foram feitos pra nós.
            Então por que estou eu próprio me metendo aonde não fui chamado? Bem, após todas essas continuações de “A Hora do Pesadelo”, estou tão cansado delas quanto vocês devem estar (vamos lá, podem ser sinceros comigo, dói mas passa!), e realmente precisava me lembrar de que ainda existem filmes bons por aí. E considerando que eu gosto de de vez em quando me desafiar aqui neste blog; que o ator Bill Nunn morreu recentemente; e que ele teve um papel consideravelmente importante neste filme, então... Eis “Faça a Coisa Certa”!
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            A estrutura toda do filme, quando se para pra pensar, é bem simples: Afinal, ele se passa quase inteiramente em um único dia; tem como cenário uma única rua no bairro de Bedford-Stuyvesant, no Brooklyn; e contar uma sinopse que não acabe por resumir quase o filme inteiro, ou seja decepcionantemente vaga, é uma tarefa um tanto difícil. Tudo isso deveria apontar para um minimalismo, um filme “pequeno”, em todos os sentidos da palavra, e que vá direto ao ponto.
            Deveria. Mas não é o caso de “Faça a Coisa Certa”, que se revela um filme com uma direção e roteiro bastante maduros, o que é ainda mais surpreendente considerando que Spike Lee havia feito apenas dois longas-metragens antes deste.
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            A trama do filme gira em torno das tensões raciais crescentes que ocorrem em uma vizinhança onde, embora a maioria da população seja negra, os únicos comércios locais são uma loja coreana e uma pizzaria italiana. O estopim das tensões ocorre quando um dos clientes da pizzaria percebe que o “mural da fama” dela não possui nenhuma celebridade negra, apesar de os negros formarem quase a totalidade da clientela, e portanto decide armar um boicote ao local. Tudo isso no dia mais quente do verão.
E sim, o calor do dia é de fato uma metáfora para o “clima esquentado” entre os personagens. Aliás, Spike Lee constantemente utiliza-se da temperatura no filme como metáfora para as mais diversas situações: Uma personagem que está quase o tempo todo irritada e falando a palavra “f***k” pelo menos uma vez em toda frase, em uma cena é vista mergulhando o rosto, com uma expressão serena, em um balde de gelo para “esfriar a cabeça” (entendeu?); outra personagem, que não gosta que seu irmão more com ela por ele não conseguir pagar por uma casa própria, após reclamar da situação é vista através da grade do ventilador (grade, presa a uma situação...); e um vendedor de raspadinhas perde sua clientela diante da passagem de um caminhão de sorvete (se isso não for um comentário sobre gentrificação, eu não sei o que é).
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            Spike Lee, porém, não se contenta em ter os personagens constantemente falando sobre o calor e usá-lo como uma metáfora; afinal, ele é um diretor que sabe que o cinema é um meio essencialmente visual, e, portanto, vai além e resolve nos mostrar o calor. Sendo assim, não basta todos os personagens aparecerem suados e o céu estar sem uma única nuvem para tapar o sol: A paleta de cores do filme utiliza-se constantemente de tons quentes como vermelho, laranja e amarelo nos cenários e figurinos, e até mesmo, em boa parte do filme, a câmera filma as cenas com um filtro de luz que deixa tudo nessas cores, como se o sol estivesse batendo direto em tudo ao mesmo tempo. Não é apenas mais um dia quente: A impressão que se tem é que se alguém acender um cigarro, o lugar inteiro pegará fogo. Ao mesmo tempo, porém, isso dá certa beleza ao filme, fazendo o bairro de Bedford-Stuyvesant parecer especial, como que saído de um filme de Almodóvar, um lugar cheio de cores, luz e vida... Porém, infelizmente, cheio de problemas também devido à tensa convivência entre pessoas das mais diversas origens raciais.
            A própria forma como Spike Lee retrata essa tensão, aliás, é outro aspecto visual do filme que merece destaque: Note como que, em situações de tensão e confronto, a câmera nunca está em uma posição “natural”, mostrando os personagens através de ângulos holandeses (nome dado para quando a câmera está inclinada para o lado), contra-plongées (quando a câmera mostra um personagem de baixo pra cima) e closes um tanto desconfortantes. Mas a ideia não é apenas nos causar desconforto: nessas situações, os personagens quase sempre estão olhando diretamente para a câmera, ou pelo menos estão em uma posição que dá a impressão de que nós, o público, estamos participando do confronto. Estamos vendo o personagem de um forma distorcida – e é assim que, de forma visual, Spike Lee mostra a noção de estereótipo. Mas notem que algumas cenas, embora aparentemente tenham um conflito ou tensão, são filmadas em um plano natural. E o segredo é a palavra aparentemente: De forma sutil, Lee está nos dizendo que aquilo que nos parece um conflito na verdade não tem conflito algum.
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                Mas não vamos esquecer que “Faça a Coisa Certa” é um daqueles filmes que conseguem combinar uma direção boa e diferenciada com um roteiro bom e diferenciado. Isso porque, quando se para pra pensar... “Faça a Coisa Certa” praticamente não tem um protagonista. Quero dizer, até se pode dizer que o filme possui um personagem principal, aquele que possui uma maior presença ao longo do filme, que é definitivamente Mookie, o entregador da pizzaria (interpretado pelo próprio Spike Lee), cujo drama é o mais presente dentro da trama.
            Porém, não apenas Mookie pouco muda do começo ao fim do filme, como o drama pessoal dele é apenas mais um entre os diversos que são apresentados ao longo do filme, com maior ou menor presença, motivos pelos quais considero difícil chama-lo de protagonista. E o ponto que conecta todos esses dramas não é Mookie; é o local onde os personagens vivem, e as tensões resultantes de tal convivência.
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            E quem são afinal esses personagens? Eis aí a grande glória do filme: Por mais que você tente encontrar defeitos na forma como eles foram escritos, é preciso ao final se admitir que quaisquer falhas que eles possuam ora são insignificantes ou até contribuem para o filme: Eles são caricatos, mas ao mesmo tempo altamente simbólicos; possuem seus defeitos, que variam de alcoolismo, preguiça, até puro e simples racismo, mas ao mesmo tempo todos possuem pelo menos uma cena que mostra algum lado bom deles, ou pelo menos que seus defeitos não são por pura maldade; e, o mais importante, apesar de aparentemente não contribuírem em muito para a trama, o filme nos permite sentir um grande carisma por todos eles, até mesmo os piores.
            E eis que nisso entra a forma como o roteiro é estruturado: Apesar de as cenas individuais serem bastante aceleradas, energéticas e, de certa forma, “expansivas”, percebe-se que o ritmo no qual seu enredo se desenvolve é extremamente lento. Sempre que parece que o filme irá a algum lugar, qualquer que seja, corta para uma cena que a princípio parece até aleatória, como um trio que passa o dia sentado na rua sob um guarda-sol, conversando e vendo a vida passar entre uma cerveja e outra; ou então um velho vagabundo que tenta conquistar a simpatia de uma sábia, porém rabugenta senhora que há anos o olha torto. Por causa disso, passa-se mais de uma hora de filme e ainda nos perguntamos “Tá, mas quando que algo efetivamente vai acontecer?!”.
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            Mas é apenas no terceiro ato que enfim nos tocamos que, com esse ritmo “passivo-agressivo”, de cenas individualmente rápidas, porém lentas como um todo, Spike Lee não estava enchendo linguiça: Estava nos dando tempo. Tempo para conhecer esses personagens e, assim, nos conectarmos com eles, e vermos que, mais do que figuras caricatas que vemos em quase toda vizinhança de quase toda cidade do mundo, eles possuem personalidades complexas, longe dos típicos “mocinhos e bandidos”: Da Mayor (interpretado por Ossie Davis, que rouba a cena toda vez que aparece), o velho bêbado que está o tempo todo se metendo na vida dos outros, é capaz de realizar um ato nobre; Pino (interpretado por John Turturro), o personagem mais babaca e racista do filme... É, ele continua sendo um babaca racista, mas notem como ele (pelo menos a maior parte do tempo) evita a violência, especialmente por parte de seu pai (exceto quando seu irmão mais novo está envolvido, mas preciso dar um jeito de validar meu argumento). Sem falar que o filme sugere que seu racismo não passa de um gosto reprimido pela cultura negra... Mas ainda assim, aja personagem babaca! E aliás, elogio para a atuação de Turturro, que usa a linguagem corporal para torna-lo ainda mais babaca do que o roteiro exige – note como Pino está constantemente com os braços cruzados e os polegares para cima, numa atitude ao mesmo tempo defensiva e de superioridade.
E todos, todos tem suas desavenças raciais entre si, como demonstra uma das cenas mais famosas do filme, na qual vários personagens olham fixamente para a câmera e ficam se chamando pelas mais variadas injúrias raciais: Mookie xinga os italianos, Pino xinga os negros, um porto-riquenho xinga os coreanos, um policial branco xinga os porto-riquenhos, o vendedor coreano xinga os judeus...     
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E, como já citei, de tão caricatos que alguns personagens parecem ser, fica óbvio que Spike Lee pretende utiliza-los de forma simbólica. Assim, temos Smiley (interpretado por Roger Guenveur Smith), um gago que tenta vender fotos em preto-e-branco de Martin Luther King e Malcolm X coloridas à mão; Radio Raheem (Bill Nunn), um jovem quieto e com cara de bravo que passa o dia inteiro ouvindo a mesma canção hip-hop no volume máximo em sua boombox, da qual ele tem um orgulho que só se compara ao que ele tem de seu par de socos ingleses no formato das palavras “LOVE” e “HATE” (sobre os quais, em uma de suas poucas falas com mais de cinco palavras, ele faz um discurso que sugiro guardarem na cabeça ao final do filme); e não vamos esquecer da primeira e última pessoa que ouvimos no filme, Mister Señor Love Daddy (Samuel L. Jackson), o radialista que 12 horas por dia fica tocando música, dando conselhos e narrando o que vê através da parede de vidro de seu estúdio.
            Sim, isso mesmo: No universo deste filme, você tem a possibilidade de passar diariamente 12 horas ouvindo a voz de Samuel L. Jackson no rádio. Isso soa tão certo em tantos níveis!
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            Se você ainda está lendo esta crítica (pobre alma!), você deve estar se perguntando (ou não, vai saber) aonde quero chegar com tudo isso. E a resposta é: Exatamente no mesmo ponto aonde o filme quer chegar, que é o clímax, no qual todas as tensões explodem, um personagem é morto e um ato de vandalismo é feito, reunindo enfim todos os personagens até então apresentados... E é só então que você percebe que está se importando com todos eles. Isso porque todo o tempo gasto com o que parecia inicialmente enrolação estava na verdade nos dando tempo para ficarmos confortáveis com os personagens. Embora recheado de simbolismos e comentários sociais, “Faça a Coisa Certa” não se esquece de antes te dar personagens que você goste, te dar o tempo necessário para conhecê-los, saber de suas qualidades e defeitos, enfim, ter uma conexão emocional com eles. Assim, quando tudo explode em tragédia, você percebe, para sua grande surpresa, que você está investido naquilo, e se sente tocado pelo que acontece.
            E é justamente nesse ponto, quando você está envolvido com a trama e com os personagens, que o filme te traz sua grande mensagem: Fazer você pensar. Isso mesmo, após tantos simbolismos e comentários, o clímax é feito de uma forma seca, ao estilo do neo-realismo italiano, mostrando “a realidade dura como ela é”. Spike Lee não julga os atos que ocorrem, e a última cena antes dos créditos justamente consiste de duas citações (uma de Martin Luther King e outra de Malcolm X) com visões diametralmente opostas sobre a violência como forma de revolta social. A ideia é justamente fazer o público pensar sobre os atos ocorridos no clímax, sem tentar justifica-los ou condena-los. A ponto de Lee até hoje odiar que críticos e espectadores lhe perguntem se o que foi feito foi “a coisa certa”, sem jamais perguntarem porque a morte que causou isso ocorreu em primeiro lugar. E, para a surpresa de ninguém, adivinha quem que faz essas perguntas? Exatamente aqueles para os quais o filme não foi feito.


Avaliação: Vale muito a pena.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Vale a Zoeira: A Hora do Pesadelo 5: O Maior Horror de Freddy

            Ok, eu adoro como a versão brasileira resolveu mudar o subtítulo de “A Hora do Pesadelo 5” de “The Dream Child” (algo como “O Filho dos Sonhos” em inglês) para “O Maior Horror de Freddy”... Porém ainda assim manter o pôster original. Tipo, você ouve “O Maior Horror de Freddy” e imagina uma cena grotesca, digna dos seus piores pesadelos, mas quando vai ver o pôster você tem... Um carrinho de bebê. A menos que isso seja “O Bebê de Rosemary”, eu não consigo imaginar um carrinho de bebê como “o maior horror” de coisa alguma.
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                Então... É. Freddy Krueger volta do inferno. De novo. Bom pra ele, mal pra gente. Aliás, dessa vez mal pra gente mesmo. Isso porque esse é considerado o “ponto sem retorno” da franquia, quando o público já estava mais que cansado dessa história de “A Hora do Pesadelo”, o que se pôde notar pela sua bilheteria, que caiu pela metade em relação a “O Mestre dos Sonhos”; e, como se não bastasse, aparentemente os envolvidos na produção da franquia também já estavam mais que cansados dela, pois “O Maior Horror de Freddy” é infinitamente pior que seus antecessores: “Guerreiros” e “Mestre” podem ter sido bestas em diferentes níveis, mas ao menos tinham alguma inteligência... Inteligência a qual inexiste em “O Maior Horror”, que ao invés disso é apenas mais uma de tantas continuações de terror ruins sem nenhuma qualidade que as redima.
            Ou será que não? Bom, vamos analisar então se ao menos “O Maior Horror de Freddy” vale ser assistido apenas pra ser zoado naqueles dias em que você reúne seus amigos pra assistir um filme ruim... Não? Ninguém aí faz isso? Droga, vou ter que assistir esse filme sozinho mesmo então.
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            De um jeito ou de outro, Freddy está de volta... E assim que ele aparece em cena percebe-se que nem mesmo o departamento de maquiagem e figurino se importa mais com a franquia! Não só a maquiagem de Robert Englund deu uma notável piorada, com Freddy Krueger parecendo ter envelhecido trinta anos entre filmes; como também na cena de seu retorno ele aparece com uma óbvia prótese no braço esquerdo que o deixa muito maior que o direito, por motivos de... Nenhum motivo, sendo bem sincero! Está certo que a versão que assisti é a que foi originalmente lançada nos cinemas, que teve vários cortes para diminuir a violência a fim de conseguir uma censura R (algo como uma censura 16 anos nos EUA) ao invés de X (tipo uma censura 18, geralmente associada a filmes pornôs, mas se estendendo também àqueles com violência extrema); ainda assim, duvido que qualquer corte feito explique porque raios Krueger aparece com um braço mais longo que o outro.
            Ah, e adivinhem só: Esse braço esquerdo mais longo nunca mais aparece no resto do filme! A única explicação que consigo imaginar para isso é que a prótese quebrou durante as filmagens e, quando o diretor foi pedir por uma nova ao chefe do departamento de efeitos especiais, este apenas disse, de saco cheio: “Meu caro... Os jovens que forem idiotas o bastante para irem ao cinema assistir este filme não vão se importar com esses detalhes. Você quer realmente nos dar esse trabalho extra?”.
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            Mas enfim, como é que Freddy volta? Sinceramente... Eu não faço a menor ideia. Não, sério, se você achava que Freddy ressuscitar através de um cachorro que o desenterra e mija fogo em cima dele era confuso, dessa vez temos algo envolvendo Alice engravidando de... Hum... Gostosão. Pode soar feio eu como crítico esquecer o nome dos personagens, mas cá entre nós, após quatro continuações você também não se lembrará de todo mundo que aparece e muito menos se importará com isso.
            De qualquer forma, Alice engravida de Gostosão (aliás, o “momento em que ela engravida” é literalmente a primeira cena do filme. Eu sei que filmes slasher gostam de apelar para o sexo tanto quanto para o terror, mas isso é ridículo!). E aparentemente o plano de Freddy é entrar nos sonhos do feto e alimentá-lo com as almas de suas vítimas, para assim lentamente possuí-lo e, quando ele nascer, voltar ao mundo dos vivos através dele. Ah, e tem algo no meio desse plano envolvendo a mãe de Freddy Krueger. Se isso parece não ter nada a ver com tudo isso e parece ter sido lembrado na última hora, é porque é exatamente esse o caso.
            Sabem, a essa altura estou cansado dessas explicações fajutas para Freddy voltar do inferno. Por que ele não simplesmente volta com a única explicação sendo o fato de ser uma continuação?!... Pensando bem, acho que devo tomar cuidado com o que desejo, não?
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            De qualquer forma, isso levanta tantas questões! Em primeiro lugar, como é que Freddy é capaz de invadir os sonhos do feto, se no momento em que a história se passa este está na sua primeira semana, a ponto de Alice inicialmente nem saber que está grávida?! Eu não sou nenhum especialista no assunto, então me corrijam no que eu estiver errado... Mas para qualquer criatura ser capaz de sonhar, seu cérebro precisa estar desenvolvido a um nível minimamente avançado, nível ao qual fetos não chegam antes do segundo trimestre de gravidez. E embora eu tenha lido isso na internet, que está longe de ser uma fonte confiável e que não era tão desenvolvida quando este filme foi lançado (1989, pra ser exato), havia na época uma fonte bem mais confiável: A BIBLIOTECA! E está certo que demora mais tempo para se descobrir coisas numa biblioteca do que na internet, e que a produção deste filme foi bem apressada para que ele fosse lançado apenas um ano após “O Mestre dos Sonhos”; mas tenho certeza que um ou até dois dias pesquisando na biblioteca antes de escrever o roteiro não atrasariam a produção tanto assim!
            E em segundo lugar, há a questão de o filme afirmar que fetos passam 70% do tempo em um estado de sonho, porcentagem que aumenta à medida que a gravidez evolui. E embora, pelo que pesquisei, esses dados estejam razoavelmente corretos (pelo menos o suficiente em termos de Hollywood), há um grande problema nisso: Um ponto importante do enredo é que, devido aos poderes de sonhos de Alice, e pelo feto ser basicamente uma parte dela, ela por vezes ao longo do filme se vê de repente no mundo dos sonhos, apesar de estar acordada. Até aí é uma ideia interessante, se não fosse por um problema: Se o feto está sonhando 70% do tempo, Alice não deveria passar esse mesmo tempo no mundo dos sonhos, ao invés de ser jogada nele apenas de vez em quando?! Vamos lá, filme, se você for criar uma lógica para seu enredo, ao menos faça o favor de se manter fiel a ela!
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            A menos... Que de fato 70% do filme seja na verdade apenas um sonho de Alice, e que “O Maior Horror” tenha decidido voltar às rotas do “A Hora do Pesadelo” original e deixar ambíguo o que é sonho e o que é real... Hum... Nah, quem estou querendo enganar? A essa altura qualquer senso de sutileza nessa franquia está perdido, e é tarde demais para se pensar em trazê-lo de volta.
            Mas além de um enredo pra lá de confuso e cheio de furos, o que mais “O Maior Horror de Freddy” tem a oferecer? Sendo bem sincero... Nada de muito especial. Embora, sendo também sincero, ninguém deve estar surpreso com isso.
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            Primeiro, as sequências de sonhos, que geralmente são as melhores partes dos filmes de “A Hora do Pesadelo”, aqui podem ser chamadas de tudo, menos de interessantes, variando entre “sonhos dentro de sonhos” (insira aqui sua piada de “A Origem”) que servem apenas para expor pontos importantes do enredo de forma incoerente; sonhos tão estranhos que te deixam desorientado, como um em que Alice anda por um hospital abandonado, e de repente é uma paciente a caminho da sala de parto, e antes que você possa se perguntar o que está acontecendo ela é uma médica observando o nascimento de Freddy Krueger (que por algum motivo já nasce deformado), para logo em seguida sair pela porta da sala de parto e entrar na igreja onde rolou o clímax de “O Mestre dos Sonhos” (já está tonto com tanta informação? Eis como é assistir essa cena); outro sonho que implora por uma piada envolvendo o clipe de “Take on me” (admitam, vocês sabem do que estou falando); e um clímax no qual a igreja se transforma em um quadro de M.C. Escher, com direito a todo tipo de ângulo de câmera estranho para te deixar ainda mais tonto (imagino que seja a tática do “se o público tá tonto, ele não vai questionar as incoerências do filme”), Freddy Krueger se escondendo dentro de Alice e aos poucos saindo dela (acreditem, é ainda mais nojento do que soa), e tudo isso enquanto uma das amigas de Alice procura pelos restos mortais da mãe de Krueger.
            Ok, tenho que admitir: Esse é o clímax mais estranho da franquia até agora. E olha que já tivemos Freddy Krueger em chamas estrangulando uma mulher enquanto ela dorme e em seguida desaparecendo com ela dentro da cama; Freddy voltando ao mundo real como um esqueleto e lutando contra um cara no meio de um ferro-velho no melhor estilo “Jasão e os Argonautas”; e Freddy levando porrada em uma luta mano-a-mano no meio de uma igreja, na qual ele perde para um espelho!
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            Como se não bastassem as sequências de sonho, há ainda os personagens: “O Maior Horror de Freddy” possui um elenco bem menor que o dos filmes anteriores, a ponto de ter a menor contagem de mortes da franquia. Imagina-se então que, com menos personagens, o filme dedicaria mais tempo para desenvolvê-los, certo? Errado: Os personagens de “O Maior Horror” conseguem de alguma forma ser ainda menos complexos que os estereótipos de “Guerreiros” e os personagens com um único traço de personalidade de “Mestre”. De tão sem-graça que esses novos personagens são, já se sabe tudo sobre eles cinco minutos após aparecerem pela primeira vez. Assim como em “Mestre”, eles não passam de sacos de carne fresca para Freddy Krueger ter algo que fazer no filme.
            Além disso, é simplesmente impossível gostar desses novos personagens pelo simples motivo do quão estúpidos eles são: Apesar de anos terem se passado desde a primeira aparição de Freddy no primeiro filme e desde então dezenas de jovens terem sofrido mortes inexplicáveis, todas elas numa mesma cidadezinha, esses novos personagens insistem em não acreditar em Freddy Krueger e ignorar completamente essa epidemia de mortes! Como isso é possível?! Até mesmo em “Mestre dos Sonhos” os jovens começaram a perceber o quanto a cidade deles era um péssimo lugar para se crescer, e agora esses idiotas decidem não levar os avisos de Alice sobre Freddy Krueger a sério e ao invés disso não fazerem nada e tratarem tudo isso como normal?! E o filme ainda pede que eu me importe caso eles morram?! (Embora, para o crédito do filme, as mortes são bastante criativas, com bons efeitos especiais que fazem os personagens fundirem-se com motos, incharem e até transformarem-se em papel)
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                E então temos o nosso querido Freddy Krueger... E infelizmente, o desserviço que “O Mestre dos Sonhos” fez a ele é completado em “O Maior Horror de Freddy”: A maior parte do tempo, ele não parece nem se importar muito em matar suas vítimas, estando apenas “por aí”, fazendo piadas e até dando uma cantada em Alice (“Oi Alice! Quer fazer bebês?”)! Sem falar que a forma como ele leva suas mortes na brincadeira soa quase como uma paródia da franquia, com Freddy transformando-se em uma moto, fantasiando-se de cozinheiro e até andando de skate! Como se isso não bastasse, a partir de certo ponto do filme parece que ele mais apanha do que de fato faz qualquer coisa de útil... Lógico que ele sempre se levanta depois de apanhar como se nada tivesse acontecido, mas ainda assim, fica difícil considera-lo ameaçador.
            Enfim, resumo da ópera: Não, “O Maior Horror de Freddy” simplesmente não vale nem mesmo a zoeira. O pouco do filme que poderia ser considerado interessante foi feito de forma bem melhor nos filmes anteriores, mesmo os ruinzinhos, e os momentos em que o filme cai na autoparódia, embora possam gerar algumas rizadas eventuais, são intercalados com cenas que deixam o espectador confuso e tonto demais para essa ser de fato uma experiência divertida.
            Ah, e antes de terminar, não vamos esquecer a trilha sonora deste filme, que é a pior que a franquia teve até agora, a ponto de duas de suas canções serem indicadas ao Framboesa de Ouro de Pior Canção Original: “Let’s Go”, de Kool Moe Dee, que toca durante os créditos finais (provavelmente uma estratégia daqueles que estavam com vergonha de terem se envolvido no filme, para que o público saísse o mais rápido possível da sessão e assim não visse seus nomes); e “Bring Your Daughter... To The Slaughter”, de Bruce Dickinson (não confundir com a versão cantada pelo Iron Maiden, que até que é legal), que inclusive ganhou o Framboesa de Ouro. Como se não bastasse, enquanto o clipe promocional (sim, naquela época era comum artistas fazerem videoclipes promovendo algum filme) de “Guerreiros dos Sonhos” apresenta a canção sensacional de Dokken, e o clipe de “Mestre dos Sonhos” cantado pelos Fat Boys é razoavelmente medíocre, “O Maior Horror de Freddy” possui um videoclipe inacreditavelmente ruim estrelando o grupo de hip hop Whodini (porque afinal, quando você pensa em um estilo musical que combina com “A Hora do Pesadelo”, hip hop é o primeiro que vem à cabeça, né?). Ah, e para piorar a trilha sonora do filme, eles ainda têm a pachorra de mexer na canção do Freddy! Isso mesmo, a canção de pular corda que vinha sendo repetida em todos os filmes anteriores sem alterações, uma das canções mais famosas da história dos filmes de terror, por algum motivo aqui tem seu último verso mudado de “Never sleep again” para “He’s back again”. E vocês ainda esperam que eu seja gentil com este filme?!


Avaliação: Não vale a zoeira.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A Hora do Pesadelo - O Mestre dos Sonhos

Sabem, após ser mandado para o inferno e sair de lá inexplicavelmente quatro vezes, estou começando a achar que ou a justiça no submundo consegue ser pior que a brasileira, ou Freddy Krueger tem um senhor advogado...
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            De uma forma ou de outra, eis “A Hora do Pesadelo: O Mestre dos Sonhos”, e sendo bem sincero... Não é tão mal quanto se esperaria da terceira continuação de uma franquia de terror (ou, sendo bem sincero, de qualquer continuação de uma franquia de terror). Isso porque se percebe que sua premissa está ao menos tentando manter o espírito quase simbólico do “A Hora do Pesadelo” original, com os poderes de sonhos aqui sendo utilizados de uma maneira que, embora continue soando mais como um RPG do que como um sonho de verdade ou um legítimo filme de terror, ao menos é mais sutil e misteriosa, imitando o tom quase surrealista do primeiro filme. Ainda por cima, os efeitos especiais continuam fantásticos, como vinha sendo o padrão da franquia até então, e ajudam a dar esse tom surreal que “O Mestre dos Sonhos” parece procurar. Sem falar que a (ocasional, mas já chego nisso) sanguinolência criativa misturada com o alegre humor mórbido de Freddy Krueger é uma combinação da qual, pelo menos até agora, não me enjoei, algumas cenas até me surpreendendo pelo quão macabras que são.
            Infelizmente, nada disso impede “O Mestre dos Sonhos” de ser uma considerável decadência em relação a “A Hora do Pesadelo”, e inclusive em relação a “Os Guerreiros dos Sonhos”.
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            Começando pelo problema que todo mundo aponta ao falar deste filme: É aqui que Freddy Krueger oficialmente deixa de ser assustador e se torna uma piada, com a maioria de suas cenas soando mais cômicas do que nos filmes anteriores. A imagem acima, por exemplo, é de fato parte do filme: Yup, Freddy Krueger simplesmente bota seus óculos de sol e tortura uma de suas vítimas numa praia ensolarada. Em que mundo que isso soa minimamente assustador?! As frases de efeito deste filme também colaboram para fazer Freddy parecer menos intimidante e mais... Bem... Mais como um “tio do pavê”, como em uma cena em que ele aparece para uma de suas vítimas fantasiado de médico e diz “Bem, o Dr. Seuss é que não sou!”. Falando em fantasias, há inclusive uma cena em que Robert Englund deixa de lado a máscara de pizza e aparece em um sonho fantasiado de enfermeira. Desculpe-me, mas a menos que você tenha uma fobia de drag queens, eu não consigo imaginar isso assustando alguém.
            E eu fico chateado com “O Mestre dos Sonhos” por isso? É claro que fico. Sim, admito que a forma como Freddy Krueger parece se divertir imensamente cada vez que ele tortura e mata alguém é o que o torna tão icônico, e que se for pra lhe dar uma personalidade, ao menos “Guerreiros dos Sonhos” lhe deu uma que é memorável. Mas eis a questão: Sua personalidade engraçada naquele filme é memorável justamente pela forma como, apesar de todos os seus problemas, “Guerreiros dos Sonhos” soube equilibra-la com a crueldade com a qual Freddy trata suas vítimas... Equilíbrio que “Mestre dos Sonhos” não realiza tão bem.
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            Isso porque, ao contrário das mortes bastante criativas que a franquia vinha mantendo até então, parece que em “Mestre dos Sonhos” a criatividade se esgotou um pouco: Temos dois personagens que são mortos simplesmente com uma “luvada de lâminas” (chato...), uma é queimada viva no que soa muito como uma morte “emprestada” do primeiro filme... E sem falar que a ideia que “Guerreiros” (caramba, é impressão minha ou estou ficando nostálgico daquele filme?!) introduziu de Freddy usar as personalidades e fraquezas de suas vítimas para tortura-las não é usada de forma tão bem-feita: Duas das mortes inclusive não tem nada a ver com a personalidade das vítimas. Como se não bastasse, as mortes são tristemente previsíveis, o público muitas vezes sabendo cinco eras antes quem irá morrer em seguida.
            Ainda assim, não diria que “Mestre” perde totalmente o tom: Como eu disse no começo, algumas cenas até me surpreenderam pelo quão macabras que são, como a morte de Garota-de-Cabelo-Grande-dos-Anos-80 (por favor, não me perguntem o nome dela, não seria capaz de me lembrar nem com uma arma na cabeça), que, citando “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, “é realmente uma experiência kafkiana”; e, claro, a famosa e perturbadora cena em que o sr. Cara-de-Pizza come ele próprio uma “pizza de almas” com os rostos de suas vítimas como se fossem azeitonas (motivo pelo qual, se você tem amor ao seu estômago, não chame uma pizza quando for assistir este filme com os amigos).
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                Mas então temos o segundo grande alvo de críticas em “Mestre dos Sonhos”: O roteiro, com seus constantes altos e baixos.
            O filme começa razoavelmente promissor, com os três jovens sobreviventes de “Guerreiros”, os últimos filhos restantes dos pais que queimaram Freddy Krueger vivo, tentando viver vidas razoavelmente normais. Isso é, até o dito-cujo ser ressuscitado via... Mijo de cachorro flamejante. Soa como uma piada, mas é basicamente assim que ele ressuscita neste filme. É sério que alguém foi pago para escrever isso?!
            E então... Freddy mata os três antes da marca dos 40 minutos. E é aí que o roteiro arrasta o filme de mal a pior.
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            Afinal, com a vingança de Freddy terminada antes da metade do filme, como é que este poderá continuar? Que desculpa ele dará para Freddy Krueger continuar existindo, se ele só existe nos sonhos de suas vítimas?
            Bom, lembram-se de Kristen, a protagonista de “Guerreiros”, interpretada por Patricia Arquette? Bem, em “Mestre” não apenas ela passa a ser interpretada por Tuesday Knight (sim, esse é o nome artístico dela), como também ela se torna possivelmente o ser mais burro e insensível de toda a série “A Hora do Pesadelo”!!! Por quê? Porque quando Freddy Krueger a encurrala em seu sonho, ela não apenas usa seu poder de trazer outras pessoas para seus sonhos (que por algum motivo ela ainda não aprendeu a controlar) e traz a melhor amiga dela, como lhe transmite seu poder (porque aparentemente isso ela sabe controlar!) antes de morrer sem lhe dar qualquer aviso de que poder é esse! É pedir por um desastre, não?! Se ela não tivesse feito isso, Freddy simplesmente mataria a amiga, e então desapareceria pois não tem mais quem matar (pelo menos, essa é a lógica que o filme passa). E está certo, Kristen lhe passou o poder para protege-la, mas 1) Mandar outras pessoas para os sonhos ao final não ajudou Kristen em nada; e 2) Transmitir o poder de mandar outras pessoas para seus sonhos a uma pessoa que não faz a menor ideia de que poder é esse é exatamente o que Krueger quer, pois ela vai involuntariamente ficar mandando mais carne fresca pra ele! E adivinhem só, é exatamente isso que acontece! Pense um pouco mais da próxima vez, Kristen, antes de sentenciar mais pessoas inocentes à morte!
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            Mas enfim, após essa péssima desculpa para não terminar o filme por aí, temos a nova protagonista do filme, Alice (interpretada por Lisa Wilcox. E sim, o nome da personagem será usada contra ela em um filme sobre sonhos). E com ela, vem sua turma de sacos de carne, quero dizer, amigos.
            ... Nah, quero dizer sacos de carne mesmo, porque aja personagens sem-sal! Os de “Guerreiros” podiam não ser muito profundos, mas ao menos eram estereótipos coloridos e divertidos de se ver! Aqui, temos apenas um bando de moleques que não apenas são estúpidos ao extremo – conseguindo de alguma forma serem ainda mais teimosos que qualquer adulto da franquia ao insistirem em acreditar que Krueger não é real mesmo depois que quatro de seus amigos morrem de forma misteriosa em uma questão de dois ou três dias! -, mas também possuem quase nenhuma personalidade além de um ou outro traço que é usado contra eles por Krueger: Temos a gênia asmática, o cara que gosta de artes marciais (aparentemente alguém era fã de “Karate Kid” e quis que quis enfiar uma homenagem no meio do filme), a durona temperamental que tem medo de baratas, e um cara que eu juro que o único traço de personalidade dele é ser “o gostosão”.
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            E no centro dessa turma, temos Alice, que no meio desses personagens quase sem personalidade consegue o feito de ter nenhuma personalidade! Sério, zero! Como se isso não bastasse, ao longo do filme é estabelecido várias vezes que Alice possui esses momentos em que ela simplesmente devaneia sobre coisas que ela gostaria de fazer, sendo que “devaneio”, em inglês, é convenientemente chamado de “daydream” (ou “sonho diurno”). E o que o filme faz com tais devaneios? Querem mesmo saber? Vocês não vão acreditar! Mas então lá vai: O que o filme faz com tais devaneios é... Rufem os tambores... ABSOLUTAMENTE NADA!!!! Freddy Krueger nem uma única vez usa isso contra Alice!
            Uau! Apenas... Uau! Aja oportunidade desperdiçada!
            Mas afinal, há algo de positivo em Alice? Bom... E aí é que as coisas começam a ficar um pouco estranhas, porque aparentemente a falta de personalidade de Alice... É de propósito! Isso porque, junto com o poder de trazer outras pessoas para seus sonhos que ela herdou de Kristen, ela aparentemente ganhou também um poder dela: Toda vez que algum de seus amigos morrem, ela ganha um traço da personalidade deles. Assim, quando Kristen morre, ela passa a fumar como Kristen; quando a gênia morre, Alice se torna inteligente como ela; o cara das artes maricias morre, e de repente ela aprende karatê mais rápido que Neo em “Matrix”! E pela união de seus poderes ela é a Capitã Pla... Ah, vocês entenderam!
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            E por mais bizarro que possa soar, essa é de longe a parte mais inteligente do filme! Sim, Alice ganhar poderes no mundo real fazendo pessoas morrerem nos sonhos soa pra lá de fantasioso (e um tanto doentio, parando pra pensar), mas ainda assim está muito mais próximo do surrealismo sutil de “A Hora do Pesadelo” do que os poderes de sonhos de “Guerreiros”.  Não bastasse, a transformação da protagonista está recheada de um óbvio, mas ainda assim surpreendentemente inteligente simbolismo: No começo, o espelho no quarto de Alice está tapado por fotos que ela tem de sua família e amigos. Cada vez que um deles morre, porém, ela arranca a foto dele ou dela do espelho, sendo assim aos poucos capaz de ver seu próprio reflexo. Acho que não preciso dizer o quanto isso é uma metáfora de como que, ganhando traços da personalidade de seus amigos, ela está aos poucos ganhando uma identidade própria, não? (e, para mim, isso é mais que prova o suficiente de que a falta de personalidade de Alice era 100% proposital!)
Além disso, até o terceiro ato do filme Alice está o tempo todo vestindo uma saia “de menininha” e uns sapatos que, não fosse o tamanho, poderiam muito bem ser infantis, e em uma cena uma de suas amigas até comenta maldosamente que “seus hormônios ainda vão começar a trabalhar um dia”, então a construção de uma identidade própria de Alice “pode até” ser vista como uma parábola sobre a transição da infância para a fase adulta. Eu não acredito que estou dizendo isso depois de falar tão mal deste filme, mas... Parabéns, “Mestre dos Sonhos”! Ao menos alguma inteligência você mostra!
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            Mas, infelizmente, isso não é o suficiente para salvar “O Mestre dos Sonhos”. É, desculpe, mas o bom arco de Alice ainda não perdoa o fato de que todos os outros personagens novos são extremamente sem-graça; as mortes são pouco criativas; o enredo faz pouquíssimo sentido, tendo ora reviravoltas desnecessárias que existem apenas para prolonga-lo (há inclusive uma cena completamente desnecessária em que Krueger de alguma forma consegue fazer um “looping no tempo”, e então vemos Alice e “gostosão” fazerem exatamente as mesmas coisas três vezes), ora oportunidades desperdiçadas como os devaneios de Alice; e, o pior de tudo, simplesmente não é assustador, e a transformação de Krueger em uma piada é um verdadeiro desserviço à franquia.
            Ainda assim, entendo quem disser que gosta do filme, pois admito que há inteligência e algumas boas qualidades nele, mesmo que em meio a um lodo cinematográfico. Mas não se preocupem: Os filmes da franquia sem nenhuma qualidade que os redima ainda estão por vir...


Avaliação: Não vale a pena.