segunda-feira, 27 de junho de 2016

Rocky Balboa

            “Ué?! Já ‘Rocky Balboa’?! Não tem ‘Rocky V’ na frente?!

            Sim. Entre “Rocky IV” (1985) e “Rocky Balboa” (2006) há algo chamado “Rocky V” (1990). Mas não quero falar desse filme. Pelo menos, não pretendo falar agora. Mas se você realmente quer saber minha opinião sobre “Rocky V”, eis a cena mais empolgante:

            O que foi, não está vendo nada? Que coincidência...
            Mas, já que é preciso ao menos ter uma noção do que acontece em “Rocky V” pra entender “Rocky Balboa”, eis um resumo: Rocky abandona o boxe devido a danos cerebrais e perde todo o seu dinheiro em um golpe que na vida real não seria capaz de fazer isso, obrigando-o a voltar ao bairro pobre de Philadephia onde vivia no começo do primeiro filme... E ele simplesmente fica lá. Fim.
            Uau, que decepcionante!

            Mas isso não impediu Stallone de tentar se redimir com um novo e definitivo final pra saga, que mantivesse o espírito dramático e até artístico dos primeiros filmes. E ele conseguiu em “Rocky Balboa”? Vamos analisar.
            Quando o filme começa, Rocky está velho, longe do boxe, ainda vivendo no mesmo bairro pobre (e cada vez mais decadente), dono de um restaurante italiano, seu filho (interpretado por Milo Ventimiglia) já adulto e afastado... E viúvo. Yup, Adrian, o suporte moral que vinha apoiando Rocky há quase trinta anos, morre alguns anos antes da história começar, vítima de câncer. Ou seja, o presente nada reserva a Rocky, e ele passa seus dias revivendo o passado, seja recontando suas lutas para os clientes de seu restaurante (que, aliás, se chama Adrian’s), visitando o túmulo de Adrian, ou até andando pelas ruínas dos lugares que marcaram a vida deles, como o pet shop (fechado e depredado) ou a pista de patinação no gelo (demolida). Paulie (sim, aparentemente o tabaco e o álcool ainda não mataram Paulie) tenta até convencer Rocky a seguir em frente, mas ele não consegue superar o luto e a depressão de ver suas glórias passadas tornando-se... Bem, passadas.

            Até aí, pensando bem, ele não está muito diferente de como começou no primeiro filme. Da mesma forma que trinta anos antes, Rocky começa sem muitas perspectivas para o futuro e, embora fale com muitas pessoas em seu trabalho, não tem tantos assim com quem possa conversar de forma mais aberta, sendo forçado assim a guardar suas tristezas dentro de si, como “coisas no porão” (isso será algo importante ao longo do filme). E, embora tenha ainda seus admiradores e fãs, aqueles que o desprezam ou não o respeitam mais já não têm medo de serem abertamente maldosos com Rocky.
Uma inesperada alegria surge, porém, quando ele por acaso, voltando ao bar que frequentava, encontra lá ninguém menos que Marie. Se vocês não estão lembrados (compreensível), Marie era a vizinha de 12 anos que estava sempre em má companhia e que Rocky tentou salvar de cair na mesma desgraça que ele no primeiro filme, dando-lhe um forte sermão sobre ter uma má reputação – apenas para ser xingado por ela, o que o deixou triste e se perguntando quem ele era pra dar conselho. Trinta anos depois (e interpretada agora por Geraldine Hughes), Marie não é mais uma pré-adolescente revoltada, mas nem por isso sua vida melhorou muito, vivendo no pior canto do bairro e tendo que se virar pra sustentar sozinha a ela e a seu filho adolescente (sobre o qual não falarei muito pra não estragar uma cena que não sei se é politicamente incorreta ou não, mas não deixa de ser um comentário interessante). Rocky, sendo o “vagabundo de bom coração” que é, resolve ajuda-los, convidando-os para jantarem em seu restaurante, contratando o filho de Marie para trabalhar como garçom, e no geral apenas tentando alegrá-los, acabando por também alegrar um pouco a si mesmo.
            Eis aqui a volta de algo que não víamos a um bom tempo nos filmes da franquia: o “Rocky-Cachorro”. Em minha crítica ao primeiro filme, eu disse que Rocky, apesar de parecer um brucutu, era tão carismático quanto um cachorro, não sendo muito inteligente, mas isso não o impedindo de ter certa sensibilidade, não apenas no sentido de ser sensível e emotivo, mas também no sentido de compreender os sentimentos dos outros, mesmo que não saiba o porquê de sentirem o que sentem. É por isso que, quando Marie diz que ela aprecia Rocky ajudar seu filho, mas não quer que ele a ajude, ele imediatamente percebe que há algo a incomodando e começa a insistir que ela aceite sua ajuda: “Quando foi a última vez que você foi dançar? Foi há um tempo? Estou perguntando porque se você dança em volta desses problemas, você poderia também dançar comigo”
            Ok, falando assim parece que há um romance rolando entre eles, e honestamente... Eu não sei. O filme deixa meio ambígua essa relação entre Rocky e Marie. E honestamente não acho isso ruim! Bons dramas geralmente têm algo que fica aberto à interpretação do público, não?
Mas não vamos esquecer que Rocky é uma franquia sobre a oportunidade de fazer o impossível. Pois paralelo a isso, um boxeador chamado Mason Dixon (interpretado pelo boxeador de verdade Antonio Tarver) torna-se campeão mundial... Ao som de vaias. Isso porque, além de ter pouco carisma, ele venceu toda luta da qual participou, a maioria por nocaute. Dixon nunca teve um desafio de verdade, alguém que se mostrasse páreo a ele, fazendo o público odiá-lo não por ter feito algo de errado, mas por representar a decadência do boxe, que permite que alguém que transmite tão pouca paixão não tenha um desafiante à altura.
            Se houvesse alguém capaz de resistir a ele, com um carisma tão grande que recuperaria a esperança dos fãs no esporte... Mas todos esses lutadores fazem parte do passado...

            Nisso, a ESPN cria um programa que simula, através de um computador, como seriam lutas entre novos boxeadores e antigos. A luta simulada é entre Mason Dixon e Rocky Balboa no auge da forma física... E Rocky venceria por nocaute.
            Dixon fica furioso com a simulação, mas Rocky, ao vê-la, tem a ideia louca de voltar a lutar. Nada grandioso, apenas algumas lutas locais para recuperar seu orgulho próprio. É claro que todos ficam preocupados com isso, especialmente seu filho, e até a comissão de boxe inicialmente se recusa a dar-lhe de volta a licença para lutar apesar de ele passar nos testes físicos, mas eventualmente acabam cedendo... O que chama a atenção dos patrocinadores de Dixon, que querem aproveitar a simulação para fazerem os boxeadores lutarem na vida real. Ambos no começo ficam relutantes: Dixon não quer lutar contra um velho com artrite, e Rocky não quer fazer papel de ridículo. Mas não demora para aceitarem o desafio.
       Embora temas como a busca pela glória desaparecida e a tentativa de mostrar ao mundo do que você ainda é capaz já tivessem sido abordados anteriormente na franquia, aqui eles possuem um significado mais intimista do que nunca para Stallone. Deixem-me explicar.
Após o desempenho decepcionante de “Rocky V” nas bilheterias, Stallone passou por alguns momentos um tanto difíceis. Eventualmente ele estrelava em um filme ou outro de sucesso, como “Risco Total”, mas seus tempos de glória haviam passado. Com a idade pesando cada vez mais e os estúdios cada vez menos querendo coloca-lo em seus antigos papeis de brucutu, Stallone até tentou mudar um pouco o tom de sua filmografia, passando a atuar em comédias e filmes infantis, com os resultados variando entre desastres de público (“Oscar – Minha Filha Quer Casar”) e desastres de crítica (“Pequenos Espiões 3-D”). Quando “Rocky Balboa” estreou, Stallone estava há três anos longe das telas.

            Neste meio tempo, ele vinha a quase dez anos tentando convencer a MGM a aprovar a produção de um sexto filme do Rocky que ele vinha idealizando como uma forma de dar à sua franquia um encerramento mais apropriado; mas sem sucesso. E então seu pequeno milagre surgiu quando a MGM foi vendida à Sony e mudou de presidente... Que estava disposto a ouvir o que Stallone tinha pensado.
Assim como Rocky Balboa neste filme, Stallone sentia que tinha algo mais a dizer ao mundo; algo que ele precisava soltar de dentro de si – as “coisas no porão”, como Rocky diz. Aqui, ambos estão velhos, a glória passou, e ninguém parece disposto a ouvi-los. Ambos já não são mais como eram – ambos foram. Ambos estão contentes por ao menos terem sido, mas querem continuar sendo – e ninguém os deixa ser. Dessa forma, Stallone é capaz de aqui se conectar ao seu personagem com uma potência emocional que há muito tempo não era vista na franquia, e mais uma vez provar que, ao final, ele não interpreta Rocky – ele é Rocky.

            Mas não é porque esse filme traz um Rocky mais intimista que ele negligencia os outros personagens. Pelo contrário! Lembram que tanto em “Rocky III” quanto em “Rocky IV” critiquei os vilões por serem caricatos demais e apenas mais um adversário para Rocky nocautear? Pois bem, para minha grande surpresa, esse não é o caso aqui! Dixon de fato é o antagonista do filme, mas isso não faz dele o vilão. Por quê? Porque embora ele não seja carismático e todos, achem que ele não tem paixão... Ele tem! Quando o vemos em sua intimidade, com seu treinador, vemos que ele de fato tem coração, e que ele se importa com o boxe. Ele simplesmente precisa de um desafio, algo que o faça sentir medo, porém como ele é de fato melhor que todos os outros não há nada que dê dignidade às suas lutas, fazendo o público antipatizar com ele e ferindo seu orgulho.
            E eis o interessante paralelo que o filme faz entre Rocky e Dixon: Rocky quer provar ao mundo que ainda é capaz de lutar sem parecer ridículo, que ele não é apenas um louco com crise de meia-idade. Dixon quer provar que possui o coração de um verdadeiro campeão, que embora nunca antes tenha sido levado ao limite, caso seja ainda é capaz de lutar bem. Para ambos, o importante é o coração: Um quer provar que ainda o tem; o outro quer provar que sempre o teve.
            Ok, escrevendo assim isso soa realmente brega...

            É, acho que não dá pra não falar dos problemas que esse filme tem a maioria deles podendo ser resumidos em uma palavra: Implausível. Quero dizer, quantos boxeadores por aí vocês acham que seriam capazes de, como Rocky, aos 60 anos estarem em forma física para não apenas retornarem ao boxe, mas também enfrentarem um campeão mundial com metade de sua idade sem sofrerem uma derrota humilhante? Aproveitando isso, como é que Rocky passou nos testes físicos da comissão? Ele não tinha tido dano cerebral em “Rocky V”? (Essa inconsistência, aliás, foi apontada por muitos fãs, e Stallone justificou dizendo que “a tecnologia médica melhorou muito ao longo dos anos, e descobriu-se que o dano cerebral de Rocky não passava de uma concussão”. Sei...)
            E sem falar de outro grande problema de “Rock Balboa”: Em sua tentativa de ser uma recapitulação/homenagem nostálgica dos bons tempos de Rocky, Stallone acaba se baseando demais no primeiro filme da franquia, e muitos elementos de ambos os filmes ficam quase idênticos (a trilha sonora, por sinal, é literalmente idêntica). Tipo, nível “O Despertar da Força” de quase idênticos. Acho que não preciso falar mais nada.

            Quero dizer, não que ambos os problemas não estivessem presentes em filmes anteriores da franquia, mas aqui, por justamente tentar ser uma retomada ao tempo em que os filmes de Rocky eram dramas artísticos/realistas, eles acabam se destacando mais.
            Aliás, como é que Stallone se sai voltando a dirigir um filme “artístico/realista” após tantos anos? Bom... Surpreendentemente bem! A primeira prova? A iluminação. Isso mesmo: Algo que muitos consideram tão banal (porém é tão essencial) quanto a iluminação revela seu retorno à proposta original. Enquanto “Rocky III”, “IV” e “V” abusavam da iluminação artificial, típica dos blockbusters, “Rocky Balboa” retorna à iluminação mais natural dos primeiros dois filmes (reforçada pela melhor qualidade de imagem possível com os equipamentos modernos), mostrando a área pobre de Philadelphia com um triste realismo. Porém mesmo nos momentos em que a iluminação artificial é acionada, isso raramente é feito sem algum propósito artístico, como é o caso da cena em que Rocky e Paulie discutem diante das ruínas da pista de patinação no gelo, em que a luz dos faróis do carro “envolve” a ambos em uma espécie de aura de luz, de forma completamente irreal, mostrando como estar naquele local distancia Rocky da dura realidade... Embora não sem algumas cenas específicas iluminadas de forma desnecessariamente artificial, como a cena em que Rocky dá um sermão em seu filho quando este o culpa por seus fracassos na vida. Mas no geral, nada mal.

            Mas a grande surpresa que Stallone reservou como diretor é na luta final: Assim que o grande evento começa, somos transportados para uma transmissão de pay-per-view. Sério: Stallone dirige toda a antecipação e boa parte da luta em si imitando uma transmissão de pay-per-view, com os comentaristas antes da luta falando direto pra câmera, a vista do público e do ringue a partir do canto superior do estádio, os cortes em fade... E quando a luta começa, há um cronômetro no canto da tela, como uma transmissão televisiva de verdade. Até mesmo de tanto em tanto cameramans aparecem andando pra lá e pra cá, como aconteceria de verdade, algo até então não visto em nenhum filme da franquia! Fico imaginando quantas horas e horas de transmissões esportivas Stallone assistiu pra conseguir capturar com tamanha perfeição a sensação de uma! Deve ter sido até estranho assistir essa luta no cinema, e até na TV a sensação é de se ter sentado em cima do controle.
            E a luta final em si é extremamente realista: Pela primeira vez na franquia, nenhum golpe foi coreografado, tudo sendo improvisado... Isso é, até a montagem obrigatória, que dessa vez possui algumas imagens em preto-e-branco que em termos cinematográficos talvez pareçam desnecessárias, mas... Vocês já assistiram uma recapitulação de luta em canal de esporte?! Eles adoram fazer isso! Mas quando não é uma montagem, a brutalidade dos improvisos chega a ser assustadora. E independente do resultado, Stallone, assim como Rocky, recupera sua dignidade.


Avaliação: Vale a pena

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