Ah,
sim. Assisti “Procurando Dory” na estreia. A meia-noite. Porque após 12 anos eu
é que não perderia a chance de assistir a continuação de “Procurando Nemo”
antes de todo mundo e sem nenhuma criança ranhenta por perto!
Aviso
que não decidirei aqui qual deles é melhor, “Nemo” ou “Dory”, pois acredito que
isso varia de pessoa pra pessoa. Ambos são razoavelmente parecidos, mas há
alguns pontos que realmente depende do que cada um acha mais importante em um
filme. Mas isso não me impedirá de fazer algumas comparações entre eles.
E
caso você não tenha assistido “Procurando Nemo”: É um filme sobre peixes... Que
vai fazer você chorar. É só isso que digo.
O
filme começa ao estilo dos filmes da Pixar: Com um curta-metragem. Dessa vez é
um chamado “Piper”, sobre um filhote de passarinho. É fofo, não exatamente o
mesmo soco emocional que “Lava”, mas ainda assim uma boa forma de começar a
sessão pelo puro prazer de ver os melhores gráficos já feitos em uma animação
computadorizada. Quero dizer, olhe a imagem abaixo e tente se convencer
(especialmente em 3d) que o que você está vendo não é real!
Após
o curta, o filme enfim começa... De novo ao estilo dos filmes da Pixar:
Aparentemente feliz, mas garantindo que seus filhos vão chorar logo nos
primeiros dez minutos (ou seu dinheiro de volta). Vemos uma Dory ainda criança
e seus pais tentando ensiná-la a ser minimamente independente apesar de sua
perda de memória recente. Esse é o primeiro indício de que o filme, felizmente,
não será totalmente igual a “Procurando Nemo”. Afinal, se Marlin era, sejamos
sinceros, um péssimo pai, extremamente superprotetor com Nemo, os pais de Dory são...
Bons modelos de pais! Embora se preocupem com ela e lhe digam que ela ainda não
está pronta pra fazer algumas coisas, eles também se esforçam pra fazerem sua
filha superar seu problema e assim poder
eventualmente fazer o que ainda não é seguro que faça. Imaginem só!
Mas
não demora pras cores escurecerem e vermos uma Dory criança sozinha e
extremamente assustada. Onde estão seus pais? Ela não se lembra mais. E aí é
que começa o típico espancamento de sentimentos da Pixar, com Dory muito
assustada e procurando seus pais, apenas para ir aos poucos esquecendo das
coisas: Esquecendo onde eles vivem, onde ela própria está, quem são seus pais,
que afinal tem pais, o que está
procurando e por fim que está procurando por alguma coisa. Tudo isso mostrando
bem seu rosto, sua expressão de desespero enquanto se vê incapaz de se lembrar
de coisas que ela sabe que são importantes, mas não consegue saber o que são.
Corta-se
então para um ano após os eventos de “Procurando Nemo”, com Dory vivendo agora
como vizinha de Marlin e Nemo... Que, considerando que peixes-palhaço vivem em
torno de 6 anos, já deveria ser adulto, mas ei, o primeiro filme omitiu que
peixes-palhaço são hermafroditas sequenciais e portanto, quando a fêmea dominante
morre, o macho mais forte transforma-se em fêmea para poder reproduzir com
outro macho do grupo. Então é tarde demais pra ser cri-cri com esses detalhes!
Enfim,
quando Marlin vai levar Nemo para a escola, Dory se confunde e acha que será a
professora assistente, e vai junto com o Professor Raia levar a turma ao
Penhasco para ver a migração das arraias, que, como o professor explica, por
instinto sempre retornam ao lugar de onde vieram. De alguma forma, isso dá um
clique em Dory e de repente ela se lembra de seus pais e, mais importante, da
única informação que ela conhece para encontra-los: Morro Bay, Califórnia.
A
princípio Marlin não quer deixar Dory ir atrás de sua família (“Por que não
podemos chegar perto do Penhasco sem algo de ruim acontecer?!”), mas demora
pouco para ele ser convencido a ajuda-la. Como a Califórnia fica um
pouquiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinho
longe da Grande Barreira de Corais, seria de se imaginar que a viagem deles de
um lado ao outro do Pacífico demoraria o filme todo. Mas, graças a uma corrente
marítima (e uma ajuda de Crush), dois minutos depois Dory, Marlin e Nemo já
estão lá... Apenas para serem perseguidos por uma lula gigante que quase devora
Nemo, fazendo Marlin ser um cretino com Dory, que vai embora e acaba sendo “resgatada”
(durante a fuga da lula, ela ficou presa em um porta-latas) por voluntários de
um Instituto de Vida Marinha.
Ok,
irei admitir que, até esse ponto, não há tanta diferença entre “Procurando Nemo”
e “Procurando Dory”. Os primeiros vinte minutos têm praticamente os mesmos
cenários, praticamente os mesmos personagens, fazendo praticamente as mesmas
coisas (até mesmo a fuga da lula gigante lembra um pouco a de Bruce), o que
pode parecer meio besta. Mas acreditem em mim, os 77 minutos restantes, a
partir do momento em que Dory entra no Instituto, são exatamente o filme bom e
original que esperávamos da Pixar.
Admito que quando vi
que a continuação de “Procurando Nemo” se focaria em Dory... De todos os
personagens, justamente Dory...
Fiquei um pouco apreensivo. Ela é engraçada e tudo o mais, mas tudo o que
sabemos dela no primeiro filme é que ela sofre de perda de memória recente, e é
isso. Não achava o suficiente pra se fazer um bom protagonista em um filme...
Eu
ia dizer em um filme infantil!
Nenhuma criança teria saco de assistir “Procurando Dory” com uma caderneta na
mão... Embora, como adulto, admito que eu acharia interessante uma versão do
filme reeditada ao estilo de “Amnésia”. Alguém faça isso acontecer!
Mas,
para a minha surpresa, Dory se mostra uma protagonista pela qual é fácil ter
empatia, pelo simples fato de a Pixar fazer com ela o que a Pixar sabe fazer
melhor que qualquer outro estúdio de filmes infantis: Mergulhar na psique dos
personagens sem medo de trazer à tona angústias existenciais. Afinal, pensem
bem: Dory acabou de se lembrar que se esqueceu dos próprios pais. Mesmo que ela
os encontre, o que não é garantido, como é que vai conseguir olha-los nos olhos
sabendo que durante anos nem sequer tentou procura-los? E quando os procurava,
não se lembrava o que estava procurando? Se você já não consegue se perdoar por
uma vez ter confundido a data do aniversário de sua mãe, imagine isso
multiplicado ao infinito!
O
que nos leva ao grande brilho existencial do filme: A consciência que Dory tem
da própria condição mental. Afinal, em “Procurando Nemo”, embora ela soubesse
que sofre de perda de memória recente, isso não a parecia incomodar tanto – e
assim que ela ficava incomodada de esquecer algo, esquecia que ficou incomodada.
Mas e quando ela começa a lembrar de
algumas coisas? E quando enfim lhe acerta na cara a noção de que a qualquer momento
pode se esquecer de algo importante que lhe disseram, ou de onde está? Que pode
nunca encontrar o que procura desesperadamente porque simplesmente não consegue
se lembrar do necessário para achar aquilo em primeiro lugar?
Uau,
isso está realmente soando como uma
versão infantil de “Amnésia”!
E,
com a consciência de sua própria condição, vem também o medo. Aqui, Dory está muito
assustada com a própria perda de
memória, e isso a deixa extremamente desamparada. Há uma cena em que lhe são
dadas instruções para chegar a certo lugar pelo sistema de tubulações do
Instituto de Vida Marinha, e ela implora
para que outro personagem a acompanhe, pois ela tem medo de se esquecer das
instruções e nunca mais achar a saída. E há uma cena no terceiro ato em que,
como alguém que já teve isso, digo que Dory tem o que é uma representação
cinematográfica um tanto fiel de um ataque de pânico.
Isso...
É um tanto pesado, quando se para pra pensar!
Mas,
ao longo do filme Dory percebe que sua perda de memória não a deixa totalmente desamparada e dependente dos
outros. Isso é parte fundamental da mensagem do filme, que é tão
maravilhosamente sutil (ao contrário de muitos filmes infantis, que martelam a
mensagem cena após cena), que não quero estraga-la. Então, embora não seja
exatamente um spoiler, aviso que SPOILERS!!!!!!!!
PULEM ESTE PARÁGRAFO SE NÃO ASSISTIRAM O FILME AINDA!!!!!!! Justamente por
Dory não ser capaz de elaborar planos, quando ela se vê em uma situação
complicada sua reação é simplesmente olhar ao seu redor atrás de algo que lhe
chame a atenção. É assim que seus pais a ensinam a achar o caminho para casa, e
é assim que ela “resolveu” metade de seus problemas em “Procurando Nemo”. E é
justamente por isso, aliado a sua ingenuidade destemida, que ela é capaz de
arrumar soluções que outros mais precavidos (como Marlin) jamais imaginariam. O
que falta a Dory é apenas aceitar esse seu lado.
Uma
vez analisados os temas, é hora de analisar outra coisa que a Pixar sabe fazer
bem: Ambientações. Não é algo tão estimado quanto o primeiro, mas quando se
para pra pensar a Pixar é capaz de fazer até um lixão parecer impressionante.
Então como “Procurando Dory” se sai?
Seria
de se imaginar que ambientar a maior parte do filme em um aquário público ao
invés de um oceano restringiria um pouco as possibilidades do que se fazer.
Santa ingenuidade! Cada área do Instituto de Vida Marinha é explorada ao máximo,
tudo que seria possível alguns peixes muito inteligentes fazerem sendo feito,
fazendo o lugar parecer muito maior do que realmente é, desde a área de
quarentena para animais resgatados, o sistema de encanamento, a área de
recreação e, a minha cena favorita, a área infantil, onde as crianças podem
enfiar a mão na água e pegar nos bichos. Por que é minha cena favorita? Porque
ela faz algo com que tantos de nós nos divertimos quando crianças parecer uma
câmara dos horrores! Você achava que “Procurando Nemo” fez o oceano parecer o
lugar mais perigoso do mundo?! “Procurando Dory” retrata a área infantil como
um verdadeiro inferno aquático onde criaturas inocentes são literalmente
levadas à insanidade após serem apertadas, espremidas e esmagadas pelas mãos de
centenas de fedelhos, dia após dia, sem perspectiva de em algum momento essa
tortura parar! Bem que os criadores do filme falaram que assistiram “Blackfish”
enquanto o produziam! Depois disso, nunca levarei uma criança pro aquário!
Nisso
vem a animação. E o que posso dizer? É Pixar! Eles inauguraram o longa-metragem
computadorizado, e desde então sempre tentaram tornar a tecnologia a melhor
possível. Os cenários e muitos dos personagens são de um realismo absurdo, com
texturas tão bem definidas que a impressão é de que é possível de fato
toca-los. Nisso o filme usa bem o 3d, outra tecnologia que evoluiu muito ao
longo dos anos: Não para jogar coisas na nossa cara, mas para de fato nos
imergir neste mundo além da nossa imaginação. O único porém que consigo dizer
para a animação em “Procurando Dory” é que a renderização de Marlin e Nemo por
algum motivo não parece muito certa. Eu não sei, comparado ao resto dos
personagens, eles parecem mais “plastificados”. Aliás, no primeiro filme era possível
ver as escamas no topo das cabeças deles. Cadê elas aqui?!
Falando
em personagens, vamos introduzir os novos rostos deste filme! O principal deles
é Hank, um polvo que foi resgatado, porém quer ser enviado para um aquário em
Cleveland junto com as espécies não-nativas do Instituto, pois tem trauma do
oceano após um incidente não especificado no qual ele perdeu um dos tentáculos
(é, essa é uma carga emocional que faltou no filme. Quero dizer, é como “Toy
Story 2” sem o flashback de Jessie, você sente falta desse choro). Hank decide
ajudar Dory a encontrar seus pais em troca do crachá que ela recebeu para ser
enviada a Cleveland, o que se mostra um verdadeiro teste de paciência para ele,
que é o exato oposto de Dory: Objetivo, sério, não querendo saber de papo
furado ou qualquer coisa que atrapalhe seus planos, lembrando um pouco um
agente secreto ou detetive noir (ainda mais com sua habilidade de camuflagem).
Há até uma cena em que ele bebe café, como se não parecesse durão o suficiente!
Outros
personagens novos muito bons incluem Destiny, uma tubarão-baleia com problema
de vista que era “amiga de cano” de infância de Dory (o que rende algumas
conversas em baleiês, apesar de nenhuma das duas ser de fato uma baleia);
Bailey, um beluga hilariamente histérico que após uma concussão acredita não
ser capaz de usar sua ecolocalização; Beca (é assim que se escreve?), um
pássaro feio e completamente idiota que Marlin e Nemo usam para entrar no
Instituto; e, claro, dois leões-marinhos que adoram uma vida mansa e são bem
territoriais (pobre Geraldo, o que ele fez de errado?!).
Aliás, notaram algo no
elenco? Não há um antagonista! Mesmo os humanos, a maioria deles faz o que faz
apenas porque é trabalho deles e acham que estão fazendo bem pros animais! Huh...
Parece que a Disney está aos poucos aprendendo uma coisa ou duas...
Por
fim, quero fazer um pequeno comentário sobre a dublagem brasileira, que imagino
que é como a maioria de vocês assistirão o filme. Para minha surpresa, não
tenho muito que reclamar: A sincronização das falas com os movimentos labiais é
absolutamente perfeita, e a maioria dos dubladores parece realmente se importar
com o que falam (exceto um no clímax do filme, mas felizmente ele tem só uma
fala). O único problema é a voz-guia do Instituto, que na versão original é
feita pela Sigourney Weaver como ela
mesma. E a dublagem sentiu então a necessidade de colocar uma celebridade
brasileira como a voz-guia. É até compreensível, porém há um problema: Uma
celebridade brasileira guiando um instituto na Califórnia soa absurdamente
estúpido. Então quando ela (que não vou falar quem é) fala “Olá. Eu sou...”, a
reação geral no cinema é de “HÃ?!?!”.
Ah,
só uma notinha final: As duas mulheres no trailer, que todo mundo estava
debatendo se eram um casal... Os segundos que elas aparecem no trailer é
literalmente tudo que vemos delas, então eu não seria capaz de dizer se elas
são afinal um casal ou não. Porém... Há outro personagem... Que tenho minhas
sérias dúvidas...
Avaliação: Vale muito a pena.
Ps: Tem uma cena pós-créditos. Perdi ela
quando assisti e só vi quando pesquisei depois. Não saiam antes do fim da
sessão!