quinta-feira, 30 de junho de 2016

Procurando Dory

            Ah, sim. Assisti “Procurando Dory” na estreia. A meia-noite. Porque após 12 anos eu é que não perderia a chance de assistir a continuação de “Procurando Nemo” antes de todo mundo e sem nenhuma criança ranhenta por perto!

            Aviso que não decidirei aqui qual deles é melhor, “Nemo” ou “Dory”, pois acredito que isso varia de pessoa pra pessoa. Ambos são razoavelmente parecidos, mas há alguns pontos que realmente depende do que cada um acha mais importante em um filme. Mas isso não me impedirá de fazer algumas comparações entre eles.
            E caso você não tenha assistido “Procurando Nemo”: É um filme sobre peixes... Que vai fazer você chorar. É só isso que digo.

            O filme começa ao estilo dos filmes da Pixar: Com um curta-metragem. Dessa vez é um chamado “Piper”, sobre um filhote de passarinho. É fofo, não exatamente o mesmo soco emocional que “Lava”, mas ainda assim uma boa forma de começar a sessão pelo puro prazer de ver os melhores gráficos já feitos em uma animação computadorizada. Quero dizer, olhe a imagem abaixo e tente se convencer (especialmente em 3d) que o que você está vendo não é real!

            Após o curta, o filme enfim começa... De novo ao estilo dos filmes da Pixar: Aparentemente feliz, mas garantindo que seus filhos vão chorar logo nos primeiros dez minutos (ou seu dinheiro de volta). Vemos uma Dory ainda criança e seus pais tentando ensiná-la a ser minimamente independente apesar de sua perda de memória recente. Esse é o primeiro indício de que o filme, felizmente, não será totalmente igual a “Procurando Nemo”. Afinal, se Marlin era, sejamos sinceros, um péssimo pai, extremamente superprotetor com Nemo, os pais de Dory são... Bons modelos de pais! Embora se preocupem com ela e lhe digam que ela ainda não está pronta pra fazer algumas coisas, eles também se esforçam pra fazerem sua filha superar seu problema e assim poder eventualmente fazer o que ainda não é seguro que faça. Imaginem só!
            Mas não demora pras cores escurecerem e vermos uma Dory criança sozinha e extremamente assustada. Onde estão seus pais? Ela não se lembra mais. E aí é que começa o típico espancamento de sentimentos da Pixar, com Dory muito assustada e procurando seus pais, apenas para ir aos poucos esquecendo das coisas: Esquecendo onde eles vivem, onde ela própria está, quem são seus pais, que afinal tem pais, o que está procurando e por fim que está procurando por alguma coisa. Tudo isso mostrando bem seu rosto, sua expressão de desespero enquanto se vê incapaz de se lembrar de coisas que ela sabe que são importantes, mas não consegue saber o que são.

                Corta-se então para um ano após os eventos de “Procurando Nemo”, com Dory vivendo agora como vizinha de Marlin e Nemo... Que, considerando que peixes-palhaço vivem em torno de 6 anos, já deveria ser adulto, mas ei, o primeiro filme omitiu que peixes-palhaço são hermafroditas sequenciais e portanto, quando a fêmea dominante morre, o macho mais forte transforma-se em fêmea para poder reproduzir com outro macho do grupo. Então é tarde demais pra ser cri-cri com esses detalhes!
            Enfim, quando Marlin vai levar Nemo para a escola, Dory se confunde e acha que será a professora assistente, e vai junto com o Professor Raia levar a turma ao Penhasco para ver a migração das arraias, que, como o professor explica, por instinto sempre retornam ao lugar de onde vieram. De alguma forma, isso dá um clique em Dory e de repente ela se lembra de seus pais e, mais importante, da única informação que ela conhece para encontra-los: Morro Bay, Califórnia.

            A princípio Marlin não quer deixar Dory ir atrás de sua família (“Por que não podemos chegar perto do Penhasco sem algo de ruim acontecer?!”), mas demora pouco para ele ser convencido a ajuda-la. Como a Califórnia fica um pouquiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinho longe da Grande Barreira de Corais, seria de se imaginar que a viagem deles de um lado ao outro do Pacífico demoraria o filme todo. Mas, graças a uma corrente marítima (e uma ajuda de Crush), dois minutos depois Dory, Marlin e Nemo já estão lá... Apenas para serem perseguidos por uma lula gigante que quase devora Nemo, fazendo Marlin ser um cretino com Dory, que vai embora e acaba sendo “resgatada” (durante a fuga da lula, ela ficou presa em um porta-latas) por voluntários de um Instituto de Vida Marinha.
            Ok, irei admitir que, até esse ponto, não há tanta diferença entre “Procurando Nemo” e “Procurando Dory”. Os primeiros vinte minutos têm praticamente os mesmos cenários, praticamente os mesmos personagens, fazendo praticamente as mesmas coisas (até mesmo a fuga da lula gigante lembra um pouco a de Bruce), o que pode parecer meio besta. Mas acreditem em mim, os 77 minutos restantes, a partir do momento em que Dory entra no Instituto, são exatamente o filme bom e original que esperávamos da Pixar.
Admito que quando vi que a continuação de “Procurando Nemo” se focaria em Dory... De todos os personagens, justamente Dory... Fiquei um pouco apreensivo. Ela é engraçada e tudo o mais, mas tudo o que sabemos dela no primeiro filme é que ela sofre de perda de memória recente, e é isso. Não achava o suficiente pra se fazer um bom protagonista em um filme...

            Eu ia dizer em um filme infantil! Nenhuma criança teria saco de assistir “Procurando Dory” com uma caderneta na mão... Embora, como adulto, admito que eu acharia interessante uma versão do filme reeditada ao estilo de “Amnésia”. Alguém faça isso acontecer!
            Mas, para a minha surpresa, Dory se mostra uma protagonista pela qual é fácil ter empatia, pelo simples fato de a Pixar fazer com ela o que a Pixar sabe fazer melhor que qualquer outro estúdio de filmes infantis: Mergulhar na psique dos personagens sem medo de trazer à tona angústias existenciais. Afinal, pensem bem: Dory acabou de se lembrar que se esqueceu dos próprios pais. Mesmo que ela os encontre, o que não é garantido, como é que vai conseguir olha-los nos olhos sabendo que durante anos nem sequer tentou procura-los? E quando os procurava, não se lembrava o que estava procurando? Se você já não consegue se perdoar por uma vez ter confundido a data do aniversário de sua mãe, imagine isso multiplicado ao infinito!

            O que nos leva ao grande brilho existencial do filme: A consciência que Dory tem da própria condição mental. Afinal, em “Procurando Nemo”, embora ela soubesse que sofre de perda de memória recente, isso não a parecia incomodar tanto – e assim que ela ficava incomodada de esquecer algo, esquecia que ficou incomodada. Mas e quando ela começa a lembrar de algumas coisas? E quando enfim lhe acerta na cara a noção de que a qualquer momento pode se esquecer de algo importante que lhe disseram, ou de onde está? Que pode nunca encontrar o que procura desesperadamente porque simplesmente não consegue se lembrar do necessário para achar aquilo em primeiro lugar?
            Uau, isso está realmente soando como uma versão infantil de “Amnésia”!

            E, com a consciência de sua própria condição, vem também o medo. Aqui, Dory está muito assustada com a própria perda de memória, e isso a deixa extremamente desamparada. Há uma cena em que lhe são dadas instruções para chegar a certo lugar pelo sistema de tubulações do Instituto de Vida Marinha, e ela implora para que outro personagem a acompanhe, pois ela tem medo de se esquecer das instruções e nunca mais achar a saída. E há uma cena no terceiro ato em que, como alguém que já teve isso, digo que Dory tem o que é uma representação cinematográfica um tanto fiel de um ataque de pânico.
            Isso... É um tanto pesado, quando se para pra pensar!
            Mas, ao longo do filme Dory percebe que sua perda de memória não a deixa totalmente desamparada e dependente dos outros. Isso é parte fundamental da mensagem do filme, que é tão maravilhosamente sutil (ao contrário de muitos filmes infantis, que martelam a mensagem cena após cena), que não quero estraga-la. Então, embora não seja exatamente um spoiler, aviso que SPOILERS!!!!!!!! PULEM ESTE PARÁGRAFO SE NÃO ASSISTIRAM O FILME AINDA!!!!!!! Justamente por Dory não ser capaz de elaborar planos, quando ela se vê em uma situação complicada sua reação é simplesmente olhar ao seu redor atrás de algo que lhe chame a atenção. É assim que seus pais a ensinam a achar o caminho para casa, e é assim que ela “resolveu” metade de seus problemas em “Procurando Nemo”. E é justamente por isso, aliado a sua ingenuidade destemida, que ela é capaz de arrumar soluções que outros mais precavidos (como Marlin) jamais imaginariam. O que falta a Dory é apenas aceitar esse seu lado.

            Uma vez analisados os temas, é hora de analisar outra coisa que a Pixar sabe fazer bem: Ambientações. Não é algo tão estimado quanto o primeiro, mas quando se para pra pensar a Pixar é capaz de fazer até um lixão parecer impressionante. Então como “Procurando Dory” se sai?
            Seria de se imaginar que ambientar a maior parte do filme em um aquário público ao invés de um oceano restringiria um pouco as possibilidades do que se fazer. Santa ingenuidade! Cada área do Instituto de Vida Marinha é explorada ao máximo, tudo que seria possível alguns peixes muito inteligentes fazerem sendo feito, fazendo o lugar parecer muito maior do que realmente é, desde a área de quarentena para animais resgatados, o sistema de encanamento, a área de recreação e, a minha cena favorita, a área infantil, onde as crianças podem enfiar a mão na água e pegar nos bichos. Por que é minha cena favorita? Porque ela faz algo com que tantos de nós nos divertimos quando crianças parecer uma câmara dos horrores! Você achava que “Procurando Nemo” fez o oceano parecer o lugar mais perigoso do mundo?! “Procurando Dory” retrata a área infantil como um verdadeiro inferno aquático onde criaturas inocentes são literalmente levadas à insanidade após serem apertadas, espremidas e esmagadas pelas mãos de centenas de fedelhos, dia após dia, sem perspectiva de em algum momento essa tortura parar! Bem que os criadores do filme falaram que assistiram “Blackfish” enquanto o produziam! Depois disso, nunca levarei uma criança pro aquário!

            Nisso vem a animação. E o que posso dizer? É Pixar! Eles inauguraram o longa-metragem computadorizado, e desde então sempre tentaram tornar a tecnologia a melhor possível. Os cenários e muitos dos personagens são de um realismo absurdo, com texturas tão bem definidas que a impressão é de que é possível de fato toca-los. Nisso o filme usa bem o 3d, outra tecnologia que evoluiu muito ao longo dos anos: Não para jogar coisas na nossa cara, mas para de fato nos imergir neste mundo além da nossa imaginação. O único porém que consigo dizer para a animação em “Procurando Dory” é que a renderização de Marlin e Nemo por algum motivo não parece muito certa. Eu não sei, comparado ao resto dos personagens, eles parecem mais “plastificados”. Aliás, no primeiro filme era possível ver as escamas no topo das cabeças deles. Cadê elas aqui?!
            Falando em personagens, vamos introduzir os novos rostos deste filme! O principal deles é Hank, um polvo que foi resgatado, porém quer ser enviado para um aquário em Cleveland junto com as espécies não-nativas do Instituto, pois tem trauma do oceano após um incidente não especificado no qual ele perdeu um dos tentáculos (é, essa é uma carga emocional que faltou no filme. Quero dizer, é como “Toy Story 2” sem o flashback de Jessie, você sente falta desse choro). Hank decide ajudar Dory a encontrar seus pais em troca do crachá que ela recebeu para ser enviada a Cleveland, o que se mostra um verdadeiro teste de paciência para ele, que é o exato oposto de Dory: Objetivo, sério, não querendo saber de papo furado ou qualquer coisa que atrapalhe seus planos, lembrando um pouco um agente secreto ou detetive noir (ainda mais com sua habilidade de camuflagem). Há até uma cena em que ele bebe café, como se não parecesse durão o suficiente!

            Outros personagens novos muito bons incluem Destiny, uma tubarão-baleia com problema de vista que era “amiga de cano” de infância de Dory (o que rende algumas conversas em baleiês, apesar de nenhuma das duas ser de fato uma baleia); Bailey, um beluga hilariamente histérico que após uma concussão acredita não ser capaz de usar sua ecolocalização; Beca (é assim que se escreve?), um pássaro feio e completamente idiota que Marlin e Nemo usam para entrar no Instituto; e, claro, dois leões-marinhos que adoram uma vida mansa e são bem territoriais (pobre Geraldo, o que ele fez de errado?!).
Aliás, notaram algo no elenco? Não há um antagonista! Mesmo os humanos, a maioria deles faz o que faz apenas porque é trabalho deles e acham que estão fazendo bem pros animais! Huh... Parece que a Disney está aos poucos aprendendo uma coisa ou duas...

            Por fim, quero fazer um pequeno comentário sobre a dublagem brasileira, que imagino que é como a maioria de vocês assistirão o filme. Para minha surpresa, não tenho muito que reclamar: A sincronização das falas com os movimentos labiais é absolutamente perfeita, e a maioria dos dubladores parece realmente se importar com o que falam (exceto um no clímax do filme, mas felizmente ele tem só uma fala). O único problema é a voz-guia do Instituto, que na versão original é feita pela Sigourney Weaver como ela mesma. E a dublagem sentiu então a necessidade de colocar uma celebridade brasileira como a voz-guia. É até compreensível, porém há um problema: Uma celebridade brasileira guiando um instituto na Califórnia soa absurdamente estúpido. Então quando ela (que não vou falar quem é) fala “Olá. Eu sou...”, a reação geral no cinema é de “HÃ?!?!”.
            Ah, só uma notinha final: As duas mulheres no trailer, que todo mundo estava debatendo se eram um casal... Os segundos que elas aparecem no trailer é literalmente tudo que vemos delas, então eu não seria capaz de dizer se elas são afinal um casal ou não. Porém... Há outro personagem... Que tenho minhas sérias dúvidas...

Avaliação: Vale muito a pena.

Ps: Tem uma cena pós-créditos. Perdi ela quando assisti e só vi quando pesquisei depois. Não saiam antes do fim da sessão!

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Rocky Balboa

            “Ué?! Já ‘Rocky Balboa’?! Não tem ‘Rocky V’ na frente?!

            Sim. Entre “Rocky IV” (1985) e “Rocky Balboa” (2006) há algo chamado “Rocky V” (1990). Mas não quero falar desse filme. Pelo menos, não pretendo falar agora. Mas se você realmente quer saber minha opinião sobre “Rocky V”, eis a cena mais empolgante:

            O que foi, não está vendo nada? Que coincidência...
            Mas, já que é preciso ao menos ter uma noção do que acontece em “Rocky V” pra entender “Rocky Balboa”, eis um resumo: Rocky abandona o boxe devido a danos cerebrais e perde todo o seu dinheiro em um golpe que na vida real não seria capaz de fazer isso, obrigando-o a voltar ao bairro pobre de Philadephia onde vivia no começo do primeiro filme... E ele simplesmente fica lá. Fim.
            Uau, que decepcionante!

            Mas isso não impediu Stallone de tentar se redimir com um novo e definitivo final pra saga, que mantivesse o espírito dramático e até artístico dos primeiros filmes. E ele conseguiu em “Rocky Balboa”? Vamos analisar.
            Quando o filme começa, Rocky está velho, longe do boxe, ainda vivendo no mesmo bairro pobre (e cada vez mais decadente), dono de um restaurante italiano, seu filho (interpretado por Milo Ventimiglia) já adulto e afastado... E viúvo. Yup, Adrian, o suporte moral que vinha apoiando Rocky há quase trinta anos, morre alguns anos antes da história começar, vítima de câncer. Ou seja, o presente nada reserva a Rocky, e ele passa seus dias revivendo o passado, seja recontando suas lutas para os clientes de seu restaurante (que, aliás, se chama Adrian’s), visitando o túmulo de Adrian, ou até andando pelas ruínas dos lugares que marcaram a vida deles, como o pet shop (fechado e depredado) ou a pista de patinação no gelo (demolida). Paulie (sim, aparentemente o tabaco e o álcool ainda não mataram Paulie) tenta até convencer Rocky a seguir em frente, mas ele não consegue superar o luto e a depressão de ver suas glórias passadas tornando-se... Bem, passadas.

            Até aí, pensando bem, ele não está muito diferente de como começou no primeiro filme. Da mesma forma que trinta anos antes, Rocky começa sem muitas perspectivas para o futuro e, embora fale com muitas pessoas em seu trabalho, não tem tantos assim com quem possa conversar de forma mais aberta, sendo forçado assim a guardar suas tristezas dentro de si, como “coisas no porão” (isso será algo importante ao longo do filme). E, embora tenha ainda seus admiradores e fãs, aqueles que o desprezam ou não o respeitam mais já não têm medo de serem abertamente maldosos com Rocky.
Uma inesperada alegria surge, porém, quando ele por acaso, voltando ao bar que frequentava, encontra lá ninguém menos que Marie. Se vocês não estão lembrados (compreensível), Marie era a vizinha de 12 anos que estava sempre em má companhia e que Rocky tentou salvar de cair na mesma desgraça que ele no primeiro filme, dando-lhe um forte sermão sobre ter uma má reputação – apenas para ser xingado por ela, o que o deixou triste e se perguntando quem ele era pra dar conselho. Trinta anos depois (e interpretada agora por Geraldine Hughes), Marie não é mais uma pré-adolescente revoltada, mas nem por isso sua vida melhorou muito, vivendo no pior canto do bairro e tendo que se virar pra sustentar sozinha a ela e a seu filho adolescente (sobre o qual não falarei muito pra não estragar uma cena que não sei se é politicamente incorreta ou não, mas não deixa de ser um comentário interessante). Rocky, sendo o “vagabundo de bom coração” que é, resolve ajuda-los, convidando-os para jantarem em seu restaurante, contratando o filho de Marie para trabalhar como garçom, e no geral apenas tentando alegrá-los, acabando por também alegrar um pouco a si mesmo.
            Eis aqui a volta de algo que não víamos a um bom tempo nos filmes da franquia: o “Rocky-Cachorro”. Em minha crítica ao primeiro filme, eu disse que Rocky, apesar de parecer um brucutu, era tão carismático quanto um cachorro, não sendo muito inteligente, mas isso não o impedindo de ter certa sensibilidade, não apenas no sentido de ser sensível e emotivo, mas também no sentido de compreender os sentimentos dos outros, mesmo que não saiba o porquê de sentirem o que sentem. É por isso que, quando Marie diz que ela aprecia Rocky ajudar seu filho, mas não quer que ele a ajude, ele imediatamente percebe que há algo a incomodando e começa a insistir que ela aceite sua ajuda: “Quando foi a última vez que você foi dançar? Foi há um tempo? Estou perguntando porque se você dança em volta desses problemas, você poderia também dançar comigo”
            Ok, falando assim parece que há um romance rolando entre eles, e honestamente... Eu não sei. O filme deixa meio ambígua essa relação entre Rocky e Marie. E honestamente não acho isso ruim! Bons dramas geralmente têm algo que fica aberto à interpretação do público, não?
Mas não vamos esquecer que Rocky é uma franquia sobre a oportunidade de fazer o impossível. Pois paralelo a isso, um boxeador chamado Mason Dixon (interpretado pelo boxeador de verdade Antonio Tarver) torna-se campeão mundial... Ao som de vaias. Isso porque, além de ter pouco carisma, ele venceu toda luta da qual participou, a maioria por nocaute. Dixon nunca teve um desafio de verdade, alguém que se mostrasse páreo a ele, fazendo o público odiá-lo não por ter feito algo de errado, mas por representar a decadência do boxe, que permite que alguém que transmite tão pouca paixão não tenha um desafiante à altura.
            Se houvesse alguém capaz de resistir a ele, com um carisma tão grande que recuperaria a esperança dos fãs no esporte... Mas todos esses lutadores fazem parte do passado...

            Nisso, a ESPN cria um programa que simula, através de um computador, como seriam lutas entre novos boxeadores e antigos. A luta simulada é entre Mason Dixon e Rocky Balboa no auge da forma física... E Rocky venceria por nocaute.
            Dixon fica furioso com a simulação, mas Rocky, ao vê-la, tem a ideia louca de voltar a lutar. Nada grandioso, apenas algumas lutas locais para recuperar seu orgulho próprio. É claro que todos ficam preocupados com isso, especialmente seu filho, e até a comissão de boxe inicialmente se recusa a dar-lhe de volta a licença para lutar apesar de ele passar nos testes físicos, mas eventualmente acabam cedendo... O que chama a atenção dos patrocinadores de Dixon, que querem aproveitar a simulação para fazerem os boxeadores lutarem na vida real. Ambos no começo ficam relutantes: Dixon não quer lutar contra um velho com artrite, e Rocky não quer fazer papel de ridículo. Mas não demora para aceitarem o desafio.
       Embora temas como a busca pela glória desaparecida e a tentativa de mostrar ao mundo do que você ainda é capaz já tivessem sido abordados anteriormente na franquia, aqui eles possuem um significado mais intimista do que nunca para Stallone. Deixem-me explicar.
Após o desempenho decepcionante de “Rocky V” nas bilheterias, Stallone passou por alguns momentos um tanto difíceis. Eventualmente ele estrelava em um filme ou outro de sucesso, como “Risco Total”, mas seus tempos de glória haviam passado. Com a idade pesando cada vez mais e os estúdios cada vez menos querendo coloca-lo em seus antigos papeis de brucutu, Stallone até tentou mudar um pouco o tom de sua filmografia, passando a atuar em comédias e filmes infantis, com os resultados variando entre desastres de público (“Oscar – Minha Filha Quer Casar”) e desastres de crítica (“Pequenos Espiões 3-D”). Quando “Rocky Balboa” estreou, Stallone estava há três anos longe das telas.

            Neste meio tempo, ele vinha a quase dez anos tentando convencer a MGM a aprovar a produção de um sexto filme do Rocky que ele vinha idealizando como uma forma de dar à sua franquia um encerramento mais apropriado; mas sem sucesso. E então seu pequeno milagre surgiu quando a MGM foi vendida à Sony e mudou de presidente... Que estava disposto a ouvir o que Stallone tinha pensado.
Assim como Rocky Balboa neste filme, Stallone sentia que tinha algo mais a dizer ao mundo; algo que ele precisava soltar de dentro de si – as “coisas no porão”, como Rocky diz. Aqui, ambos estão velhos, a glória passou, e ninguém parece disposto a ouvi-los. Ambos já não são mais como eram – ambos foram. Ambos estão contentes por ao menos terem sido, mas querem continuar sendo – e ninguém os deixa ser. Dessa forma, Stallone é capaz de aqui se conectar ao seu personagem com uma potência emocional que há muito tempo não era vista na franquia, e mais uma vez provar que, ao final, ele não interpreta Rocky – ele é Rocky.

            Mas não é porque esse filme traz um Rocky mais intimista que ele negligencia os outros personagens. Pelo contrário! Lembram que tanto em “Rocky III” quanto em “Rocky IV” critiquei os vilões por serem caricatos demais e apenas mais um adversário para Rocky nocautear? Pois bem, para minha grande surpresa, esse não é o caso aqui! Dixon de fato é o antagonista do filme, mas isso não faz dele o vilão. Por quê? Porque embora ele não seja carismático e todos, achem que ele não tem paixão... Ele tem! Quando o vemos em sua intimidade, com seu treinador, vemos que ele de fato tem coração, e que ele se importa com o boxe. Ele simplesmente precisa de um desafio, algo que o faça sentir medo, porém como ele é de fato melhor que todos os outros não há nada que dê dignidade às suas lutas, fazendo o público antipatizar com ele e ferindo seu orgulho.
            E eis o interessante paralelo que o filme faz entre Rocky e Dixon: Rocky quer provar ao mundo que ainda é capaz de lutar sem parecer ridículo, que ele não é apenas um louco com crise de meia-idade. Dixon quer provar que possui o coração de um verdadeiro campeão, que embora nunca antes tenha sido levado ao limite, caso seja ainda é capaz de lutar bem. Para ambos, o importante é o coração: Um quer provar que ainda o tem; o outro quer provar que sempre o teve.
            Ok, escrevendo assim isso soa realmente brega...

            É, acho que não dá pra não falar dos problemas que esse filme tem a maioria deles podendo ser resumidos em uma palavra: Implausível. Quero dizer, quantos boxeadores por aí vocês acham que seriam capazes de, como Rocky, aos 60 anos estarem em forma física para não apenas retornarem ao boxe, mas também enfrentarem um campeão mundial com metade de sua idade sem sofrerem uma derrota humilhante? Aproveitando isso, como é que Rocky passou nos testes físicos da comissão? Ele não tinha tido dano cerebral em “Rocky V”? (Essa inconsistência, aliás, foi apontada por muitos fãs, e Stallone justificou dizendo que “a tecnologia médica melhorou muito ao longo dos anos, e descobriu-se que o dano cerebral de Rocky não passava de uma concussão”. Sei...)
            E sem falar de outro grande problema de “Rock Balboa”: Em sua tentativa de ser uma recapitulação/homenagem nostálgica dos bons tempos de Rocky, Stallone acaba se baseando demais no primeiro filme da franquia, e muitos elementos de ambos os filmes ficam quase idênticos (a trilha sonora, por sinal, é literalmente idêntica). Tipo, nível “O Despertar da Força” de quase idênticos. Acho que não preciso falar mais nada.

            Quero dizer, não que ambos os problemas não estivessem presentes em filmes anteriores da franquia, mas aqui, por justamente tentar ser uma retomada ao tempo em que os filmes de Rocky eram dramas artísticos/realistas, eles acabam se destacando mais.
            Aliás, como é que Stallone se sai voltando a dirigir um filme “artístico/realista” após tantos anos? Bom... Surpreendentemente bem! A primeira prova? A iluminação. Isso mesmo: Algo que muitos consideram tão banal (porém é tão essencial) quanto a iluminação revela seu retorno à proposta original. Enquanto “Rocky III”, “IV” e “V” abusavam da iluminação artificial, típica dos blockbusters, “Rocky Balboa” retorna à iluminação mais natural dos primeiros dois filmes (reforçada pela melhor qualidade de imagem possível com os equipamentos modernos), mostrando a área pobre de Philadelphia com um triste realismo. Porém mesmo nos momentos em que a iluminação artificial é acionada, isso raramente é feito sem algum propósito artístico, como é o caso da cena em que Rocky e Paulie discutem diante das ruínas da pista de patinação no gelo, em que a luz dos faróis do carro “envolve” a ambos em uma espécie de aura de luz, de forma completamente irreal, mostrando como estar naquele local distancia Rocky da dura realidade... Embora não sem algumas cenas específicas iluminadas de forma desnecessariamente artificial, como a cena em que Rocky dá um sermão em seu filho quando este o culpa por seus fracassos na vida. Mas no geral, nada mal.

            Mas a grande surpresa que Stallone reservou como diretor é na luta final: Assim que o grande evento começa, somos transportados para uma transmissão de pay-per-view. Sério: Stallone dirige toda a antecipação e boa parte da luta em si imitando uma transmissão de pay-per-view, com os comentaristas antes da luta falando direto pra câmera, a vista do público e do ringue a partir do canto superior do estádio, os cortes em fade... E quando a luta começa, há um cronômetro no canto da tela, como uma transmissão televisiva de verdade. Até mesmo de tanto em tanto cameramans aparecem andando pra lá e pra cá, como aconteceria de verdade, algo até então não visto em nenhum filme da franquia! Fico imaginando quantas horas e horas de transmissões esportivas Stallone assistiu pra conseguir capturar com tamanha perfeição a sensação de uma! Deve ter sido até estranho assistir essa luta no cinema, e até na TV a sensação é de se ter sentado em cima do controle.
            E a luta final em si é extremamente realista: Pela primeira vez na franquia, nenhum golpe foi coreografado, tudo sendo improvisado... Isso é, até a montagem obrigatória, que dessa vez possui algumas imagens em preto-e-branco que em termos cinematográficos talvez pareçam desnecessárias, mas... Vocês já assistiram uma recapitulação de luta em canal de esporte?! Eles adoram fazer isso! Mas quando não é uma montagem, a brutalidade dos improvisos chega a ser assustadora. E independente do resultado, Stallone, assim como Rocky, recupera sua dignidade.


Avaliação: Vale a pena

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Invocação do Mal 2


Após uma das semanas mais infernais desta minha vida de estudante universitário, finalmente posso falar sobre “Invocação do Mal  2”!
Tive a chance de assistir este filme no fim de semana de estreia e pretendia escrever sobre ele logo em seguida para minha opinião ser ainda relevante. Porém, com o aperto nos estudos e entregas de trabalhos, isso não foi possível, e agora todos que poderiam se interessar neste filme já o assistiram e têm suas próprias opiniões formadas.
Porém escreverei mesmo assim. Como eu disse em minha crítica de “O Menino e o Mundo”, “Não ligo. Assisti o filme, e quero falar sobre ele. Isso é tudo o que importa”.
Antes, porém, um breve comentário sobre os outros filmes desta franquia.

Lançado em 2013, “Invocação do Mal” tem como protagonistas um casal que não entendo como não teve seu próprio filme antes: Ed e Lorraine Warren, dois dos investigadores paranormais mais famosos do mundo, e os únicos cujo trabalho é reconhecido pela Igreja Católica. Independente de se você acredita ou não em fenômenos paranormais, não dá pra negar que a vida deles está cheia de material para filmes de terror. E, de fato, seus casos já inspiraram uma infinidade de livros e filmes, como “Terror em Amytivile”. Mas por algum motivo ninguém até então quis fazer um filme sobre eles, a relação deles e como eles resolviam seus casos.
“Invocação do Mal” trata de um destes casos, o da família Perron, que em 1971 teve sua casa em Rhode Island assombrada por uma bruxa que lá viveu no século 19. E o filme é sensacional! Eu até gostaria de fazer uma crítica só sobre ele, mas resumidamente, ele possui personagens extremamente carismáticos, que fogem de estereótipos e tomam atitudes realistas; excelentes atuações de Patrick Wilson e Vera Farmiga como os Warren; uma direção surpreendentemente madura e até artística de James Wan; e, o mais importante, valoriza mais uma boa história e uma atmosfera assustadora do que sustos desnecessários ou sanguinolência. Mesmo se você não for um fã de filmes de terror, é possível apreciá-lo como um filme em si... O que acreditem quando digo que é raro no gênero!
Mas então veio “Annabelle” em 2014.

“Annabelle” não é uma continuação de “Invocação do Mal”, mas sim um spin-off baseado em outro caso dos Warren, de uma boneca encontrada por duas mulheres na casa em que elas moravam e que aparecia em diferentes lugares sem ninguém ter mexido nela.
O caso foi brevemente apresentado em “Invocação do Mal”, e daí veio a ideia de um spin-off. Porém “Annabelle”, sendo sincero, é bem ruinzinho. Sim, há alguns sustos que funcionam, porém o enredo é fraco, valorizando mais os sustos que a tensão e fugindo do caso real, no lugar inventando uma história clichê à la “O Bebê de Rosemary”, com personagens estúpidos (e mal atuados) que após se livrarem da boneca mais feia do mundo (diferente da Annabelle de verdade) antes de se mudarem, não veem nada de errado quando esta aparece em sua nova casa e ainda a botam de volta em uma estante! Ah, e James Wan foi aqui substituído por John R. Leonetti, que dirigiu também “Mortal Kombat: A Aniquilação”. E vocês já sabem o que acho daquele filme!
Após a decepção de “Annabelle”, fiquei apreensivo com “Invocação do Mal 2”. Ainda mais que a chance de uma continuação de filme de terror ser boa é de em torno de uma em um milhão: Geralmente elas sofrem de diversos fatores que diminuem drasticamente sua qualidade, como uma hiper-valorização dos efeitos especiais sobre o enredo (ou o contrário, um corte de orçamento que compromete sua qualidade técnica), substituições de elenco e produção por pessoas mais baratas e menos competentes, ou, o mais comum, um puro e simples esgotamento da premissa, tornando a continuação repetitiva.
Mas resolvi dar a “Invocação do Mal 2” uma chance, não apenas porque James Wan voltou à cadeira de direção neste filme, como também, ao contrário de “Annabelle”, ele foca-se de volta nos Warren em outro de seus casos famosos, embora por motivos infames: O da família londrina Hodgson, que em 1977 alegou que estava sendo assombrada por um poltergeist, que não apenas movia violentamente objetos pela casa, como também supostamente possuiu uma das meninas da família, Janet, levitando-a e falando através dela em uma voz grossa demais para uma garota de 11 anos.
Digo que o caso é infame porque até mesmo investigadores paranormais acreditam que os Hodgson estavam inventando tudo, o que afetou a credibilidade dos Warrens... E aumentou de volta minhas preocupações: Será que o filme iria simplesmente não citar esta controvérsia? Os trailers não pareciam citar, e eles até mostravam o fantasma, deixando claro o posicionamento do filme de que tudo era verdade! (O que, pensando bem, era inevitável. Seria muito decepcionante se ao final fosse revelado que tudo era uma pegadinha, não?)
Mas eis que, para minha surpresa, o filme não recua da polêmica! Pelo contrário! Os Warrens só são chamados pela Igreja Católica para investigar porque, devido à grande repercussão midiática do caso, ela quer antes confirmar se está havendo de fato uma assombração para evitar manchar sua reputação. E, uma vez na casa dos Hodgson, tudo faz os Warrens duvidarem da existência de um fantasma entre eles, embora nós, o público, tenhamos já o visto em ação, então sabemos que a família não está mentindo. (oportunidade de suspense desperdiçada...)

Mas independente de polêmicas, analisando “Invocação do Mal 2” como filme e como continuação, é possível dizer que derrubou minhas expectativas negativas?
Sim! Pois possui tudo que o primeiro “Invocação do Mal” tinha de bom, mas com elementos novos o suficiente para não ficar repetitivo.

Começando com os personagens: Assim como no primeiro filme, “Invocação do Mal 2” possui personagens com os quais você realmente se importa! Não são estereótipos, ou personagens irritantes que você apenas quer que morram (exceto um cara esnobe que ofende os Warren em um programa de TV, mas ele só aparece por um minuto). Não! Você não quer que nada de ruim aconteça a eles! Os Hodgson são apresentados como uma família que passa por todo tipo de dificuldade: A mãe tem que sustentar quatro filhos sozinha já que o marido a deixou e não paga a pensão, e as crianças sofrem bullying na escola, especialmente o menino mais novo, que é gago (e louco por biscoitos).
Porém, apesar de todas estas dificuldades, eles ainda tentam se manter unidos. Lógico que, como toda família, por vezes eles se estressam e gritam uns com os outros, mas sempre tentam se ajudar da forma que for possível. Uma das cenas mais fofas do filme é quando este mesmo menino mais novo, ao ver sua mãe à beira de um ataque de nervos devido às assombrações, oferece-lhe um prato de biscoitos.
Como posso desejar algum mal a eles depois disso?!
Os Hodgsons também possuem algo que poucos personagens de filmes de terror possuem: Inteligência. Quando a mãe enfim vê um objeto se movendo sozinho como suas filhas diziam que estava acontecendo, nem vemos ela falando nada: O filme imediatamente corta para os Hodgson saindo correndo da casa, refugiando-se com os vizinhos e a mãe chamando a polícia (o que não adianta, pois Janet já está possuída, mas daí fica só ela e a mãe na casa, os outros filhos ficam morando com os vizinhos). Nada de “Ai, mas não podemos deixar esta casa!” ou “Ai, é só uma brincadeira, vou tocar pra mostrar que nada de ruim vai acontecer!”.
E quando a polícia chega, ao invés do típico clichê de filme de terror em que o fantasma finge não existir e todos acham que a família é louca, ele continua na boa e mexe uma cadeira na frente dos policiais (que têm uma reação simples mas hilária). Afinal, ele não tem nada a temer por parte de meros policiais! Apenas quando os Warren entram em cena, com real poder de expulsá-lo da casa, que ele passa a agir de forma mais ambígua, botando à prova a veracidade dos relatos dos Hodgson.
Falando nos Warren, o que falar deste casal além de... Eles são incríveis! Independente de como eles eram na vida real, em “Invocação do Mal 2” eles mais uma vez aparecem como este casal que se ama mais do que tudo (talvez um pouco exageradamente), mas não é para menos: A relação deles como casal é aqui mais explorada. Somos contados sobre porque eles se casaram, a fé que eles têm um no outro, e como eles se preocupam um com o outro. Especialmente Lorraine, que é o foco de um subenredo envolvendo uma premonição macabra dela e seu medo de que, se eles continuarem se envolvendo tão a fundo nos casos, esta premonição se realize.
Mas o principal ponto positivo dos Warren é que, assim como no primeiro filme, eles fazem o que for necessário para ajudar a família, independente de se há ou não um fantasma os assombrando. Como Ed ressalta em uma cena, os demônios ficam mais fortes quando as pessoas estão emocionalmente fracas e desesperançosas. Assim eles passam a fazer tudo para animar os Hodgson e tornar a vida deles melhor, seja ouvindo seus desabafos, cantando Elvis para alegrar o natal (a segunda cena mais fofa do filme), ou até concertando o encanamento da casa! Este lado “humanitário” dos Warren já fora explorado no primeiro filme, mas aqui o impacto é maior pois, ao contrário dos Perron, que eram felizes até as assombrações começarem, os Hodgson são uma família pobre e desamparada, que realmente precisa de alguém que os faça sorrir outra vez.

Então vêm as atuações. Patrick Wilson e Vera Farmiga retornam como os Warren, e eles continuam espetaculares: Quando eles olham um para o outro, não há qualquer dúvida de que eles se amam. Farmiga o filme todo mantém essa expressão de alguém que já viu coisas que enlouqueceriam a qualquer um (Lorraine é uma médium renomada), e após tudo isso está nos limites de suas forças mentais, tendo apenas seu marido em quem se apoiar. E Wilson, por sua vez, mais uma vez dá a impressão de ser o cara mais legal do mundo, alguém verdadeiramente “cristão” (por que usei este termo? Sou judeu!), no sentido de que ele procura sempre amar e ajudar o próximo, não importa quem seja, e está sempre sorrindo e tentando manter uma energia positiva. Não conheço Patrick Wilson pessoalmente, mas se ele for como é nos filmes de “Invocação do Mal” ele deve ser o cara que todo mundo quer convidar nas festas de família.
Mas a verdadeira revelação, que ninguém esperava que fosse tão boa, é Madison Wolfe como Janet Hodgson. Imagino que muita gente, quando viu que o foco do filme seria uma menina de 11 anos, soltou um grande “Oh-oh”, considerando a dificuldade que é extrair boas atuações de atores mirins. Está certo que Wolfe já tem 14 anos, mas ainda assim continua não sendo uma idade fácil. Mas ela mostra um talento que me pegou de surpresa, lidando bem tanto com as cenas em que ela é apenas uma menininha assustada que toda noite passa pelos piores sofrimentos e apenas quer que isso pare, quanto com as em que ela está possuída e faz uma expressão maligna que daria inveja à menina de “O Exorcista”. James Wan já havia se mostrado competente com crianças em “Invocação do Mal”, mas ele realmente soube tirar o melhor de Wolfe. O filme inteiro tentei achar alguma falha em sua atuação, e não encontrei nada que me incomodasse.

Falando em James Wan, temos a direção dele. É, eis o ponto fraco do filme. Não me entendam mal, a direção dele no geral continua boa: Não só ele sabe muito bem como segurar uma câmera para tornar o filme desconfortável nos momentos certos, como também sabe exatamente o que mostrar diante dela. Dizem que o que não vemos é mais assustador do que o que vemos, mas James Wan notou que o que achamos que vemos ou que vemos apenas por um instante pode ser tão assustador quanto ou até mais. Constantemente, nas cenas mais tensas do filme, ou a imagem está propositalmente desfocada, ou então vemos algo que não gostaríamos de ver no cantinho da tela. Em uma cena, uma das crianças está andando pela casa para voltar ao seu quarto de noite e, na escuridão da sala, no cantinho direito, vemos a figura de um velho sentado na poltrona. Dura menos de um segundo, mas quando se nota, é difícil não se encolher ou tapar a boca de tensão, pois se sabe que algo ruim vai acontecer, só não se sabe o que ou quando. E acreditem, eu passei metade do filme com as mãos tapando a boca de nervoso (quem estava do meu lado sabe bem disso). O próprio pôster do filme no começo da postagem faz uso deste recurso, olhando-o com atenção.
Porém, por mais que por este lado a direção seja boa, há alguns problemas sérios que o primeiro filme não tinha. O principal? Os monstros. Sim, isso mesmo: Enquanto o primeiro filme tinha apenas uma velha feia, em “Invocação do Mal 2” o fantasma aparece na forma de monstros, como uma freira demoníaca e o “Homem Torto”. E esses monstros não são convincentes o suficiente para assustar tanto assim. A freira, como já bem disseram, parece o Marilyn Manson fantasiado de madre superiora, e o Homem Torto tem a infelicidade de ser computadorizado... De uma forma que não apenas parece extremamente falsa, mas que ainda é propositalmente semelhante à stop-motion! Parecia que a qualquer momento ele sairia cantando “Oh somewhere deep, inside of these bones...” (50 pontos pra quem entendeu).

E outro grande problema é que, por mais que eu ame o fato de o filme evitar dar sustos o tempo todo e ao invés criar uma atmosfera tensa, algumas dessas tentativas de tensão são um tanto ridículas. Umas delas em especial constitui-se de, não estou brincando, Janet e o fantasma tendo uma briga pela programação na TV. Sério! Janet está assistindo um programa de comédia, e então a TV muda sozinha para um discurso da Margareth Thatcher. Janet muda de volta para a comédia, e a TV volta para o discurso. E segue assim! Imagino que James Wan quis se antecipar à inevitável paródia que todo filme de terror sofre.
Mas por mais que estes detalhes possam incomodar, eu ainda recomendo assistirem o filme, não apenas porque dá um baita medo (recomendo assistir no cinema, pra dar ainda mais medo), mas porque esses problemas não são grandes problemas, apenas... Tropeços. No geral, o filme é bem-sucedido na grande proposta de “Invocação do Mal”: Fugir dos clichês e contar uma BOA história de terror, focando-se em BONS personagens e numa BOA atmosfera. E realmente que o próximo filme inevitável mantenha-se nestes moldes. Afinal, os Warren alegadamente investigaram cerca de 10 mil casos, deve haver mais um ou dois que rendem uma boa história e...
Ahpeloamordedeus!


Avaliação: Vale a pena.

domingo, 5 de junho de 2016

Quando Éramos Reis

            Ontem, quando fui checar meu facebook, tive uma grande surpresa quando vi minha linha do tempo inundada com fotos do boxeador Muhammad Ali e mensagens de “Fight like a butterfly, sting like a bee” (“Voe como uma borboleta, pique como uma abelha”, para quem não manja de inglês). O motivo, a essa altura, todos devem saber: Ali faleceu aos 74 anos, vítima de um suposto choque séptico, embora já estivesse hospitalizado devido a uma doença respiratória e, paralelo a isso, lutasse há vários anos contra o Mal de Parkinson. Considerado por muitos (e principalmente por si mesmo) como um dos maiores lutadores de boxe de todos os tempos, Ali foi não apenas um grande lutador, tendo vencido o título mundial de pesos-pesados três vezes, além de também ter recebido a medalha de ouro olímpica em 1960 e, ao todo, vencer 56 das 61 lutas que enfrentou, 37 delas por nocaute (o que é ainda mais surpreendente sabendo que ele esteve afastado do boxe na idade em que a maioria dos lutadores estão no auge); como também tornou-se uma importante figura pública e política, convertendo-se ao islamismo, recusando-se a participar da guerra no Vietnã quando convocado (o que o fez ser preso, perder seus títulos de boxe e passar quatro anos sem poder lutar) e, no geral, sendo um dos grandes nomes do movimento de orgulho racial entre afro-americanos.
            Nesse momento vocês talvez estejam se perguntando por que resolvi escrever essa homenagem a ele, sendo que resolvi dedicar este blog ao cinema e não ao esporte. Bom, por dois motivos. O primeiro é que, estando já há um tempo criticando os filmes da série Rocky (um deles eu até havia já planejado criticar esta semana), é mais que apropriado homenagear Muhammad Ali, não apenas por Rocky ser uma franquia de boxe, mas porque Sylvester Stallone admitiu que se inspirou na personalidade marcante de Ali para criar Apollo Creed, a ponto de, quando Stallone foi apresentar as indicadas ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 1977, ele e Ali fizeram uma luta de mentirinha no palco para mostrar que Ali não ficou ofendido com o filme (se puderem, assistam o vídeo, é hilário).
            E o segundo motivo, que é o que nos traz aqui, é que Ali foi o “personagem principal”, por assim dizer, do que muitos consideram um dos melhores documentários esportivos de todos os tempos: “Quando Éramos Reis”, que chegou a vencer o Oscar de Melhor Documentário de 1996.

            E quando digo que Ali é o “personagem principal”, as aspas são quase desnecessárias: Sua presença no filme é tão central que os créditos iniciais apresentam o filme como “Muhammad Ali em Quando Éramos Reis”, como se ele fosse um grande ator cujo nome é ressaltado para promover o filme em que atua.
            Agora, antes de falar sobre o filme em si (finalmente, o documento que criei aqui já conta mais de 2 mil caracteres!), preciso avisar que esta publicação será um pouco decepcionante, devido ao fato de eu pessoalmente não estar muito acostumado com o formato de documentário e ter lido poucas críticas de filmes do gênero para me basear. Não que eu não goste de documentários, mas admito que assisti poucos.

            O filme gira em torno de um dos eventos mais importantes da carreira de Ali: Sua luta em 1974 contra George Foreman, então campeão mundial, disputada no Zaire (atual República Democrática do Congo), no evento intitulado “Rumble in the Jungle”. Há vários motivos que tornam esta luta tão importante, não apenas para Ali, mas para a história do boxe, e todos eles são apresentados no documentário: Primeiro, Ali estava tentando recuperar seu título mundial, perdido quando ele se recusou a lutar no Vietnã.
Segundo, não apenas Ali era bem mais velho que Foreman (na época ele tinha 34 anos, idade já avançada no boxe, enquanto Foreman estava no auge de seus 25 anos), como ambos tinham personalidades perfeitamente opostas: Ali era bem-humorado, expansivo e adorava provocar seus adversários, enquanto Foreman era mais sério, reservado e calado, deixando geralmente os outros falarem por ele, porém não sem ser uma presença ameaçadora, com seu tamanho e força descomunais.
Terceiro, ambos representavam diferentes visões de mundo: Ali, embora não fosse tão popular nos Estados Unidos devido às suas fortes visões políticas, estas mesmas o tornaram um ídolo no Zaire, especialmente depois que ele justificou sua recusa à convocação militar dizendo “Por que eu mataria um pobre vietcongue? Eles nunca me fizeram nada!”. Foreman, por outro lado, era pouco conhecido pelos zairianos (a ponto de no documentário, o artista Malik Bowens dizer que antes do então campeão chegar ao Zaire, os zairianos achavam que ele era branco), e assim que chegou ao país causou uma má impressão, não apenas por representar os ideais americanos, mas também por vir acompanhado de seu cachorro de estimação, um pastor alemão, sendo que pastores alemães eram usados para repressão policial pelos colonizadores belgas.
Quarto, o “Rumble in the Jungle” foi considerado um dos grandes marcos da cultura negra: Ali e Foreman eram ambos negros; Don King, o promotor da luta, também era negro; a luta ocorreu no Zaire, um país africano (apesar de controversas devido ao financiamento de US$10 milhões do ditador zairiano Mobutu Sese Seko para que a luta ocorresse em seu país); e, como se não bastasse, o evento foi acompanhado por um festival de música de três dias em Kinshasa, capital do Zaire e local da luta, que contou com alguns dos maiores nomes da música afro-americana como James Brown, B. B. King, Bill Withers e vários outros, além de cantores africanos como Miriam Makeba e Tabu Ley Rochereau. O diretor de “Quando Éramos Reis”, Leon Gast, aliás, era até então um documentarista musical, e viajou originalmente para Kinshasa apenas para filmar o festival, mas resolveu então permanecer lá até a luta em si e fazer um documentário sobre ela.

            E, por último, mas não menos importante, há a própria luta e, principalmente, a estratégia de Ali, que não apenas atacou Foreman utilizando-se principalmente de socos diretos de direita nos primeiros rounds, um soco pouco utilizado por boxeadores por expô-los demais a contra-ataques; como também surpreendeu a todos quando propositalmente se jogou contra as cordas e deixou-se ser encurralado por Foreman, indo no caminho contrário de seu típico estilo de luta “dançante”. Como o filme mostra, porém, embora estas táticas pareçam suicidas, foram muito bem pensadas por Ali: Ao dar socos diretos de direita, Ali estava provocando Foreman, como se estivesse lhe dizendo que este era lento demais para contra-atacar, o que o deixou furioso e, portanto, menos tático; e, sabendo que Foreman estava esperando que ele dançasse à sua volta e havia treinado para isso, ao deixar-se ser encurralado e espancado Ali não apenas desnorteou Foreman como também se manteve de pé até seu adversário se cansar.
            Falando assim, parece que é preciso ser já iniciado em boxe para entender o filme, mas a verdade é que não: Quando se trata do boxe em si, “Quando Éramos Reis” é bem didático, com os jornalistas Norman Mailer (que, aliás, escreveu ele próprio um livro sobre esta luta) e George Plimpton explicando de forma bastante didática as partes mais técnicas da luta e do treinamento. Para quem mal assistiu uma luta de boxe na vida e quer entender melhor o esporte, este é um bom filme pelo qual começar.

            Como se não bastasse ser um grande filme sobre uma grande luta, “Quando Éramos Reis é também um grande filme sobre a época que retrata: Não apenas a era de ouro do boxe, como também a era de ouro da música soul, que constantemente toca ao longo do filme em clipes do concerto em Kinshasa; não apenas uma época de forte oposição à Guerra do Vietnã, que no ano seguinte chegaria ao fim, como também uma época de forte luta do movimento de orgulho negro nos Estado Unidos, que após os movimentos pelos direitos civis dos anos 60 procurava agora formar uma nova identidade social e cultural, em que Ali, em “Quando Éramos Reis”, surge como um ícone, pregando a paz e a fraternidade entre os negros do mundo; não apenas uma época de grandes esperanças para os países africanos, com as últimas colônias europeias no continente tornando-se independentes, mas também uma época de grande violência e caos político à medida que a África era tomada por ditaduras e guerras civis, que no filme é representada na figura de Mobutu, que, segundo se diz, antes da imprensa americana vir a Kinshasa reuniu mil dos principais criminosos da cidade no estádio que mais tarde seria usado para a luta e mandou matar cem deles aleatoriamente, como um aviso de que se algo acontecesse antes da luta nada os salvaria.
            Nisso, de uma forma irônica serviu como ponto positivo o filme ter sido lançado mais de vinte anos após os eventos retratados. Digo irônica porque esta não era a intenção de Leon Gast: Esta demora ocorreu apenas porque ele teve vários problemas em financiar a produção do documentário, entre realizar entrevistas, adquirir filmagens de arquivos, e editar as cerca de 450 horas de imagens que ele ao final conseguiu em um filme de menos de uma hora e meia. Quando o filme estava enfim terminado, os tempos já eram outros: Muhammad Ali já havia se aposentado devido ao Mal de Parkinson, George Foreman também já havia se aposentado e ganhava a vida promovendo o George Foreman Grill, e o governo de Mobutu entrava em colapso (ele seria retirado do poder no ano seguinte). Tal afastamento, porém, dá ao filme um ar digno de “cápsula do tempo”, um retrato e uma época perdida para as novas gerações. E, ao final, Gast mostra que não se esqueceu que o tempo passou, com um epílogo falando sobre a crise existencial de Foreman após a luta e, principalmente, a doença de Ali, que apesar de tudo não abandonou seu orgulho, sem medo de aparecer em público.

            Para finalizar, não vamos esquecer o retrato que o documentário faz de Muhammad Ali. Afinal, não há qualquer dúvida que o filme gira em torno dele, de sua personalidade e, principalmente, de sua presença marcante. Se este fosse um filme de ficção e Ali fosse um ator, dir-se-ia que ele devora o cenário enquanto diz falas marcantes e que ficam grudadas na cabeça (“Eu matei uma rocha; feri uma pedra; hospitalizei um tijolo; sou tão mal que deixo remédios doentes”). Mas Ali não era um ator, e “Quando Éramos Reis” não é um filme de ficção; este era Muhammad Ali, misturando com sucesso esporte e política, mantendo-se fiel aos seus ideais de fraternidade negra, e com uma personalidade para a qual é difícil achar a palavra certa: Extrovertido? Carismático? Arrogante? Esperto? Rebelde? Todos ao mesmo tempo? De uma forma ou de outra, Ali era uma figura da qual, tanto dentro quanto fora do ringue, era difícil de se tirar o olho, e é isso que “Quando Éramos Reis” faz, a câmera sempre focada nele, como se em um piscar de olhos ele pudesse fazer algo surpreendente, como o soco decisivo em sua luta contra Sonny Liston do qual, em uma filmagem de arquivo, Ali diz com orgulho que durou apenas quatro centésimos de segundo: “Você tem que segurar seus olhos e esperar, ou então você não o verá, cara!”


Avaliação: Vale muito a pena.