É
possível um quarto filme de uma franquia ser mais icônico que o primeiro?

Hum,
haha... Não. Mas agora pra valer, é possível um quarto filme de uma franquia
atingir o status de clássico equivalente ou até maior que o do primeiro?
Ok,
mas nesse caso o primeiro filme nem é bom! Estamos falando de uma franquia em que
o primeiro filme é bom, mas o quarto de alguma forma alcançou um sucesso ainda
maior, batendo vários recordes de bilheteria, a ponto de haver pessoas que nem
sequer assistiram o primeiro filme e o confundem com o quarto...
É
“Rocky 4”, caramba! A resposta é “Rocky 4”! É sobre “Rocky 4” que discutiremos
hoje, está bem?! Meu deus!
Mas
por que digo que “Rocky 4”, ou, melhor dizendo, “Rocky IV”, é mais icônico que
o primeiro filme? Bom... Porque é! E não é apenas em questão de bilheteria,
considerando que “Rocky IV” não apenas é até hoje o filme da franquia Rocky de
maior bilheteria, como também se manteve por mais de vinte anos como o filme de
esportes mais bem-sucedido de todos os tempos (até ser superado por Sandra
Bullock em “Um Sonho Possível”). Mas mesmo em se tratando de imaginário
popular, “Rocky IV” continua sendo mais icônico que o primeiro filme. Afinal,
qual é a primeira imagem que vem à mente das pessoas quando elas ouvem falar de
Rocky, especialmente as que não assistiram os filmes? Não é Rocky Balboa
perdendo para o campeão mundial; é ele enfrentando um monstro russo de dois
metros de esteroides.
Mas
está certo, a imagem que as pessoas mais associam com Rocky é Stallone lutando
contra uma montanha de músculos soviética. Mas o filme de onde essa imagem vem,
apesar de todo o seu sucesso de bilheteria na época, merece mesmo o status de
clássico que foi alcançando ao longo dos anos?
Hum...
Não. Pelo menos, não exatamente.

Ok,
vamos começar com o filme pelo começo.
O
filme começa... Com uma montagem em que duas luvas, uma com uma estampa da
bandeira dos EUA e a outra com uma da bandeira da URSS, colidem uma com a outra
e explodem ao som de “Eye of the Tiger” (normal), seguida por clipes de “Rocky
3” mostrando a luta entre Rocky e... Lang (não há necessidade de trazer mais um
ataque de risos), e a cena final do filme, com Rocky e Creed tendo uma lutinha
amistosa entre amigos. Prestem atenção nessa montagem inicial, pois há muitas
outras por vir.

De
qualquer forma, na cena seguinte Rocky aparece chegando em casa para o
aniversário de seu cunhado Paulie com um olho roxo. Seria de se imaginar então
que “Rocky 4” se passa imediatamente depois de “Rocky 3”. Mas não.
Aparentemente, cinco anos se passaram entre um filme e outro (embora o filho de
Rocky não tenha envelhecido nem um pouco, fazendo com que ele finalmente tenha
a idade apropriada para sua aparência). Se meus cálculos não estiverem errados,
isso faz com que o filme se passe em 1986, sendo que ele foi lançado em 1985.
Ou seja, esse filme se passa oficialmente no futuro. Por que estou trazendo
isso? Absolutamente nada. Achei curioso.
Mas
enfim, Rocky chega em casa para dar os parabéns a Paulie. E então... Isso
acontece.
Vocês
não estão vendo uma imagem de algum outro filme: “Rocky 4” tem um robô no meio.
COMO
É QUE VOU CONSEGUIR LEVAR ESSE FILME A SÉRIO AGORA?!?!?! É um robô em um filme
do Rocky! Esqueçam o lutador soviético, como é que vou conseguir prestar
atenção no resto do filme depois disso?! É como esperar que eu preste atenção
em um filme dos Irmãos Cara-de-Pau depois que vacas fantasmas aparecem voando
no céu!
Ok,
esse foi um péssimo exemplo.
Mas
falando sério... Não, não dá pra falar sério depois disso! É um robô em um
filme do Rocky! Não importa se o resto do filme é super sério e bem escrito (o
que, aliás, não é), não dá pra ignorar esse fato! E o pior sabe qual é? O filme
até tenta ignora-lo! Há uma cena em que Rocky, Adrian e Paulie estão
conversando com Creed sobre um assunto que abordarei daqui a pouco, e então de
repente o robô aparece com uma voz feminina sensual (que Paulie programou. Porque
aparentemente ele é capaz de fazer isso), serve uma cerveja para Paulie e sai
da sala... E Creed continua a conversa como se nada tivesse acontecido! Não!
Apenas... Não! Não dá pra se recuperar naturalmente depois de ver um maldito
robô em um filme do Rocky!
Ok,
mas tentando... Tentando muito... Ignorar isso, eis que a União Soviética
decide se lançar no mundo do boxe profissional, apostando no super boxeador
Ivan Drago (interpretado pelo ator sueco Dolph Lundgren).
E
quando digo super boxeador Ivan Drago... Eu digo exatamente o que soa que estou
dizendo. Primeiro, o sobrenome dele é Drago. E o filme não tenta deixar nem um
pouco sutil o que esse sobrenome significa para o personagem: Ele é basicamente
o dragão, o grande monstro do mal irracional que Rocky tem que enfrentar. Tão
irracional que ele fala apenas uma dúzia de palavras no filme inteiro. “Ah, mas
ele é russo, talvez ele apenas não saiba falar inglês...” Nem em russo ele fala
muito. Falem o que quiserem sobre... Lang ser apenas um monstro criado para
Rocky derrotar no terceiro filme (eu falei bastante), mas isso chega a ser
ridículo.

E
então tem o fato de ele ser um super boxeador. E com isso, não estou dizendo
que ele é talentoso ou coisa assim: Estou dizendo que ele é literalmente super, tendo sido geneticamente
selecionado (não, sério, isso está no roteiro), passado por processos químicos de
melhoramento de desempenho (vulgo esteroides) e contando com a mais alta
tecnologia em equipamentos para treinar. Em outras palavras: Ele é basicamente
um Capitão América do mal. Para se ter uma ideia, em uma cena é dito que um
boxeador peso-pesado comum atinge algo em torno de 300 kg de pressão por
polegada quadrada (o que por si só, segundo estudos científicos, é um grande exagero,
mas esperem um pouco); Drago atinge mais de 800 kg, e em uma cena antes da luta
final ele atinge quase uma tonelada.
Em outras palavras, ele
é basicamente um vilão de história em quadrinhos. Lembram-se que os primeiros
filmes do Rocky, embora simples, eram relativamente realistas? Onde é que isso
foi parar?!
Ah,
é... Esqueci...
Ah,
aliás, a esposa de Drago é interpretada por Brigitte Nielsen. Insira aqui uma piada
de Flavor Flav se quiser. Como se alguém ainda se importasse. De qualquer
forma, ela só aparece cinco minutos no filme inteiro. Aliás, há uma decepcionante
falta de presença feminina nesse filme. Não que em algum momento as mulheres
tenham sido protagonistas na franquia, mas em “Rocky 4” elas são pouco mais que
decoração de fundo. Mesmo Adrian não faz ou diz nada que afete Rocky de alguma
forma. Ela até dá uma lição de moral em uma cena, mas Rocky nem chega a
escutar.

Enfim,
para provar a superioridade de Drago, sua equipe de treinadores e assessores propõe
uma luta amistosa contra Rocky Balboa. Mas eis que, ao invés de Rocky, quem
aparece para enfrentar Drago é Apollo Creed, disposto a provar que ainda tem
valor mesmo já estando velho demais para o ringue (não que Rocky esteja ainda
jovem. Pelos meus cálculos, nesse filme o personagem tem já uns 40 anos). Rocky
até tenta avisa-lo que ele já não tem a mesma forma que antes, mas Creed não
quer saber.
Mas
eis que a luta se mostra bastante fácil... Quero dizer, para Drago. Creed até
lhe dá alguns socos, mas este nada parece sentir. No primeiro round ele mal
chega a mexer o braço, apenas esperando o momento certo. E quando este chega...
Bom, ele é pelo menos três vezes mais forte que um boxeador peso-pesado comum,
o que você espera que aconteça? Após dois rounds esmagando a cara de Creed,
Drago lhe dá um último grande soco... E Creed cai morto na lona.

Bom,
sem chance de Creed pedir uma revanche dessa vez, não?... A menos que Rocky
peça por ele! E é exatamente isso que ele faz, marcando a luta para o natal.
Por que natal? “Foi o que me perguntaram”, responde Rocky. E essa é toda a resposta
que temos (o fato de o filme ter sido lançado no fim do ano talvez tenha algo a
ver). Mas a equipe soviética pede que dessa vez a luta seja feita na Rússia,
alegando que eles estão se sentindo ameaçados nos Estados Unidos. O que o filme
tenta fazer parecer uma desculpa esfarrapada, mas honestamente eu acho
legítimo. Quero dizer, em momento algum os americanos foram simpáticos com
eles, e todas as coletivas de imprensa resultaram em vaias e provocações.
Aliás, o filme faz os
americanos parecerem mais babacas que os soviéticos! Quando Rocky chega à Rússia
para treinar, ninguém o provoca. Ninguém o ameaça. A única coisa que os
soviéticos impõem é que aja sempre dois... “guarda-costas” o vigiando, mas
estes nunca chegam a impedi-lo de fazer qualquer coisa, o deixam ir aonde
quiser, fazer o que quiser e falar com quem quiser. Até levam Adrian para a
Rússia quando esta decide que quer ficar junto de Rocky.
E está certo que na
luta final entre Rocky e Drago o ambiente parece um tanto hostil contra Rocky,
mas honestamente não é nem um pouco mais hostil que o ambiente que Drago
encarou em sua luta contra Creed. Aliás, nessa primeira luta pode-se dizer que
o ambiente foi até mais hostil contra Drago, pois assim que ele entra no ringue
um enorme número musical do nada se inicia à sua volta apenas para mostrar a
superioridade americana, com James Brown em pessoa cantando “Living in America”
enquanto tudo a volta de Drago parece ter sido planejado apenas para
provoca-lo.
Quando Rocky entra no
ringue, porém, os russos apenas fazem o que russos fazem, cantando o hino
nacional, saudando o secretário-geral e levantando um cartaz gigante celebrando
Drago, o que é até compreensível considerando que ele deve ter status de herói
nacional lá. Nada que seja realmente uma provocação pessoal a Rocky. E está
certo, eles vaiam durante a luta, mas os americanos também vaiaram (e Barry
Tompkins e Al Bandiero, durante sua narração da luta, chegam a ter a pachorra
de dizer que “nunca viram um público tão hostil”. Vocês ao menos viram a luta de Creed?!). E como se isso
não bastasse, mesmo quando Rocky começa a ganhar a simpatia do público e estes
começam a torcer por ele, o que a “grande ditadura vermelha” faz? Nada! Deixa-os
virarem casaca de boa!
Desculpe-me, por que é
para sermos contra eles, mesmo? Porque eles usam esteroides, só isso?

De
todos os filmes de Rocky, este é reconhecidamente o mais brega e exagerado.
Todo e charme, impacto e sutileza do primeiro filme desaparecem aqui, sendo
substituídos por um enredo superficial e fraco (notem a diferença entre
simplicidade e superficialidade) e uma falta de inovação, derivando demais dos
filmes anteriores. Apenas notem a quantidade de montagens que há nesse filme,
provavelmente batendo algum recorde: Há a montagem inicial, a montagem de
treinamento, a montagem da luta final (até aí citei apenas as obrigatórias em
um filme de Rocky, mas esperem), a montagem musical de James Brown, a montagem
de Rocky chegando à Rússia, há até uma montagem que é literalmente Rocky
pegando o carro e dirigindo de um lugar para outro! E como se não bastasse, os próprios
créditos finais são uma montagem com imagens do filme! Literalmente um terço do
filme constitui-se de montagens! Se você quer ter uma aula de como eram feitos
os filmes de grandes estúdios em meados dos anos 80, apenas assista “Rocky 4”:
Crie um enredo melodramático e cheio de ação, levemente machista (deixe o
machismo pesado para os animes dos anos 80), e então encha de montagens até
preencher 90 minutos. Nada mais, apenas o essencial.
E
mesmo assim... Talvez seja justamente isso que o torna apelativo.
Afinal,
não vamos negar: Esse filme possui de fato o seu séquito de fãs até os dias de
hoje, apesar de tudo o que acabei de falar. Por quê? Porque embora seja um
filme ruim, não é totalmente ruim. O fato de ser a essência do filme de grande
estúdio dos anos 80 já é algo que chama a atenção. E, de certa forma, eu tenho
que admitir é impossível não se divertir de alguma forma com esse filme,
principalmente com as cenas de ação e, porque não, até mesmo as montagens:
Quando Rocky Balboa treina na Rússia sem qualquer equipamento de ponta, apenas
com os objetos que se encontraria em um galpão de fazenda russa, como trenós,
selas, machados e pedras, é impossível não ficar empolgado; quando Rocky
Balboa, apesar de seus 40 anos, levanta-se da lona no clímax do filme e destrói
Drago com forças renovadas, é impossível não torcer por ele até sua vitória
final (ops, spoilers! Embora, honestamente, quem aqui está surpreso?). E mesmo
o discurso político final de Rocky, por mais brega e fraco que seja, não deixa
de ser interessante, mostrando o poder e respeito que ele alcança no fim...
Embora com uma reação que corta qualquer credibilidade e realismo que um robô já
não tivesse cortado no filme.
É
curioso notar que “Rocky 4” é para fãs de cinema mais ou menos como, digamos, “Sword
Art Online” é para fãs de animes: Muita gente sabe que é ruim, que é
melodramático, exagerado, superficial e o diabo a quatro; mas é tão divertido,
de uma forma ou de outra, e a ação é tão boa, que... Dá pra condenar quem
gosta? Talvez não.
(Antes
que fãs de Sword Art Online me odeiem, deixem-me dar um aviso: Eu nunca assisti
Sword Art Online. Agora podem me
odiar)
Mas dá pra condenar
quem diz que esse filme é um clássico? Bom, talvez seja perdoável se
considera-lo um clássico dos filmes bregas, mas como um clássico em si...
Não.
Definitivamente não.
Mas
afinal, vale a pena ou não o filme? Bom, se você estiver disposto a aceitar
suas falhas e se divertir com elas, talvez. Mas se você quer levar o filme
minimamente a sério, como os outros filmes (“Rocky 3”, Hulk Hogan a parte, ao
menos tenta se levar a sério)...
Bem...
Avaliação: Não vale a pena. Talvez valha
a zoeira, mas... Ah, quem se importa, já estou irritando os fãs desse filme de
qualquer forma.
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