Qual
o melhor psicopata do cinema?
Hum...
Ehrrr... Ehhhhh... Ok, está certo, Anthony Hopkins foi um excelente psicopata
em “O Silêncio dos Inocentes”. Mas não é desse filme que estarei falando hoje,
como vocês já devem ter visto pelo título da postagem. Não, hoje estarei
falando do segundo melhor psicopata
do cinema, que é definitivamente...
Ok,
está certo de novo, Malcolm McDowell também foi ótimo em “Laranja Mecânica”,
mas também não é desse filme que estarei falando hoje! Por que ultimamente quem
coloca as imagens nesse blog nunca acerta o filme?!
Ah,
é... Quem coloca as imagens sou eu...
Mas
enfim, o terceir...
Ok,
isso já perdeu a graça: É Jake Gyllenhaal! Jake Gyllenhaal, entendeu?! Agora
bote a imagem certa!
Não
esse Jake Gyllenhaal, imbecil! Quero
dizer... É esse, mas... Ah, vocês entenderam. Bote logo o pôster do filme de
hoje. Como
se alguém se importasse... Quem lê esse blog além de alguns poucos conhecidos,
afinal?
Sim,
sim, como estudante de jornalismo e cinéfilo, em algum momento eu tinha que
assistir “O Abutre”. E, como notei alguns pontos interessantes quando assisti o
filme pela primeira vez, e como está na hora de eu falar de um filme que vale
muito a pena, lá vai esse!
O
filme começa... Com uma coletânea de tomadas de Los Angeles. Inclusive uma de
um outdoor em branco e outra de um pedaço bastante específico das colinas de
Hollywood, que “coincidentemente” lembra uma escada.
SIMBOLISMO!!!!!!
Ok,
depois disso, o filme de fato começa, apresentando nosso personagem principal,
Louis Bloom, interpretado por Jake Gyllenhaal. Louis (ou Lou, para os mais
íntimos) é um zé-ninguém que vive de roubar peças de metal como grades de arame
e tampas de bueiro e vende-las para um ferro-velho. Logo de cara percebe-se que
o senso moral de Lou é um tanto questionável, quando ele, tendo sido pego no
flagra roubando arame, ataca o guarda para roubar seu relógio.
As
perspectivas, porém, não parecem boas para Lou, pois assim que ele chega ao
ferro-velho o dono deste só aceita comprar suas peças por um preço bem abaixo
do que Lou quer e, como se isto não bastasse, diz que não irá mais comprar dele
devido a policiais estarem perguntando sobre peças roubadas. Lou então,
ignorando isto como um “cai fora”, resolve pedir-lhe um emprego.
E
é na fala dele ao pedir o emprego que imediatamente se percebe que há algo de
muito, muito errado com Lou.
Eis
a fala dele, imediatamente depois do dono do ferro-velho oferecer-lhe o
dinheiro das peças e dizer “Pegue ou largue”:
“Senhor,
com licença, estou procurando um emprego. Na verdade, eu me decidi a encontrar
uma carreira na qual eu poça aprender e crescer. Quem sou eu? Sou um esforçado,
eu estabeleço objetivos altos e fui dito que sou persistente. Agora eu próprio
não sou tolo, senhor. Tendo sido criado com o movimento de autoestima tão
popular nas escolas, eu costumava esperar que minhas necessidades fossem
consideradas. Mas eu sei que a cultura de trabalho atual não mais atende à
lealdade de emprego que seria prometida a gerações anteriores. O que eu
acredito, senhor, é que coisas boas vêm àqueles que trabalham muito, e que
pessoas como você que alcançaram o topo da montanha não caíram simplesmente lá.
Meu lema é se você quer vencer na loteria você tem que ganhar o dinheiro para
comprar um bilhete. Eu já disse que trabalhei em uma oficina? Senhor, eu
acredito que você e eu podemos trabalhar bem juntos. Então o que acha? Eu posso
começar amanhã ou até mesmo por que não essa noite?”
Se
você está se perguntando se ele realmente está dando esse discursinho que se
encontra em manuais de internet de o que falar em uma entrevista de emprego,
para pedir um trabalho em um ferro-velho para um cara que claramente não quer
saber mais nada de alguém que rouba para viver, falando como se estivesse o
vendo pela primeira vez e estivesse de fato em uma entrevista formal... Bom,
esse é o caso. Mas sabem o que é mais preocupante que isso? É exatamente assim
que ele fala DURANTE O FILME INTEIRO!
Não
estou brincando, toda e qualquer fala de Lou parece saída de um curso de
negócios online (aliás, em uma cena Lou diz que fez um desses), como se a menor
e mais informal das conversas fosse uma entrevista ou uma reunião de negócios,
em que ele precisa mostrar sua inteligência, competência e segurança. Se não
for pra falar alguma frase do tipo “Porque você vai atrás de algo é tão
importante quanto o que você vai atrás” ou “Um amigo é um presente que você dá
a si mesmo”, Lou prefere não falar.
Descrevendo assim, Lou
pode parecer pedante ou até desesperado, mas eis então que entra em cena a
atuação de Gyllenhaal: Quando Gyllenhaal fala, você percebe que ele/Lou não
está sendo pedante ou desesperado; essa é de fato a única forma como ele sabe
falar, pois essa é a forma como ele aprendeu que é preciso falar pra se
conseguir subir na vida e ter sucesso. E Lou entende tudo, absolutamente tudo
como um caminho racional para se subir na vida, incapaz de conceber uma
conversa informal e sem pretensões.
E
eis então a genialidade do roteiro escrito por Dan Gilroy, que também dirigiu o
filme (em seu primeiro trabalho como diretor. Fale sobre começar com o pé
direito!). Não consegui descobrir o quanto que ele pesquisou sobre psicopatia,
mas imagino que não foi pouco, pois a representação que o filme faz de Lou é a
perfeita representação de um psicopata. Não que Lou seja um indivíduo
particularmente violento (embora por vezes possa ser), mas ele apresenta todos os
típicos comportamentos de um psicopata: Jamais sentindo empatia por outras
pessoas ou remorso pelo que quer que faça; tendo uma atitude dominante sobre as
pessoas ao seu redor, passando-se sempre por uma pessoa confiante (o que se
pode dizer que ele é) e buscando uma posição de liderança no que quer que faça;
desprezando normas de conduta social a menos que estas lhe deem alguma vantagem
(e, se for mais vantajoso agir contra elas, ele não pensa duas vezes antes de
assim o fazer); explodindo em frustração quando algo dá errado e culpando
sempre os outros com raciocínios que jamais o fazem se sentir culpado por seu
próprio fracasso; e, claro, falando sempre de uma forma fria e quase teatral,
recorrendo sempre que necessário a frases prontas e escondendo suas verdadeiras
(e bastante superficiais) emoções. E tudo o que Gilroy leu sobre psicopatia ele
deve ter passado para Gyllenhaal ler também, pois ele transmite tudo isso em
sua atuação. Quero dizer, olhem para essa expressão!
Olhem
esses olhos! Olhem esse sorriso! E me digam se há alguma sinceridade ou emoção
profunda por trás disso! Digam-me se essa expressão não lhes diz “Eu faria esse
mesmo sorriso se estivesse cortando sua garganta”! Se os caminhos da vida me
levarem a um dia entrevistar Jake Gyllenhaal, e ele começar a me olhar desse
jeito, eu juro que irei discretamente sair correndo.
Está
certo, mas... E a história? Afinal, eu disse anteriormente que como estudante
de jornalismo, eu precisava em algum momento assistir esse filme. Quando é que
isso entra? Entra beeeeeeeem... Agora!
Assim
que sai do ferro-velho, enquanto dirige pela estrada, Lou se depara com dois
bombeiros tentando retirar uma mulher de um carro acidentado e começando a
pegar fogo. Enquanto estaciona para assistir ao espetáculo, eis que uma van
estaciona ao lado dele e dois homens com câmeras saem de lá correndo para
filmar o acidente. Ambos são cameramans freelancers que vivem de filmar
acidentes e crimes ao vivo e vender o material para canais de notícia locais.
Lou fica bastante interessado nesse trabalho, e, percebendo que para começar
não é preciso muito mais que um carro, uma câmera e um rádio que pegue a
frequência da polícia, ele rouba uma bicicleta e a penhora em troca dos dois
últimos itens e começa a trabalhar.
Após
algumas tentativas fracassadas que quase o levam preso, Lou finalmente consegue
um bom material para vender quando consegue chegar bem perto da vítima de uma
tentativa de roubo de carro que está sendo tratada. Lou consegue então vender a
filmagem para o canal KWLA, entrando assim em contato com a diretora do
noticiário matutino do canal, Nina (interpretada por Rene Russo), que fica
fascinada com sua ousadia de chegar tão perto da ação e começa a lhe dar dicas
para as futuras filmagens, como comprar uma câmera melhor com um microfone, e
fazer entrevistas. Nina também lhe dá uma ideia do tipo de notícia que o
noticiário está atrás: De preferência, incidentes violentos envolvendo vítimas
brancas e de classe média ou alta. De ainda mais preferência, se a causa do
incidente for alguém pobre ou de alguma minoria.
Lou segue seus
conselhos, contratando também um assistente desesperado por emprego (interpretado
por Riz Ahmed). Devido a seus poucos escrúpulos na hora de filmar um incidente,
não vendo problema em invadir uma cena de crime isolada ou até mover um corpo
para conseguir um melhor enquadramento (afinal, como ele leu na internet e
repete, “um enquadramento apropriado não apenas chama a atenção do olho para a
imagem, como o mantém lá por mais tempo”). Nina, ela própria mais interessada
em sensacionalismo do que em jornalismo ético, fica fascinada com o trabalho de
Lou, comprando suas filmagens por cada vez mais dinheiro e colocando-as com
cada vez mais frequência como primeira matéria do noticiário, o que satisfaz o
orgulho narcisista de Lou, que não apenas todo dia reassiste suas filmagens
como também mantém todas elas salvas em um arquivo, como troféus (não que eu
faça o mesmo com minhas postagens aqui no blog, hehe. Quero dizer, que problema
há em rele-las de vez em sempre, quero dizer, quando... E não é que eu deixe
todos os links salvos e organizadinhos em um documento próprio... Ehhhh... Eu juro
que não sou um psicopata!).
E eis a grande crítica
que o filme faz. Entendam, botar um psicopata como protagonista de seu filme é
interessante e tal, mas... Só isso por isso perde a graça depois de quase duas
horas. Lá pela metade, o público ficaria se perguntando “Tá, ele é um
psicopata. E daí?”.
Eis que Gilroy aparece
e nos diz “O problema não é Lou ser um psicopata. O problema é o mundo
jornalístico aprovar seu comportamento e trata-lo como ideal a ser alcançado”. Aliás,
é exatamente isso que Nina diz quando, em uma cena, ela é questionada quanto a
estar começando a fazer escolhas antiéticas em prol de contar uma história que
aumente o ibope do noticiário: “Eu acho que Lou está nos inspirando a todos a
alcançar algo um pouco mais alto”. Lou, como um psicopata, se vê em casa em um
meio onde se vive de notícias chocantes, e em uma sociedade que consome freneticamente
essas notícias; quanto mais sangrenta for a notícia, mais tempo é dedicado a
ela na TV, para mostrar todos os detalhes grotescos que o público tanto gosta.
Essa
é
a grande crítica, não apenas ao jornalismo sensacionalista, mas à toda a
sociedade que permite que ele exista. Como é possível um mundo onde falar como
Lou fala, sempre como se estivesse em um escritório, é considerado
profissional? Onde obstruir atendimento médico apenas para mostrar uma vítima
sangrando ou invadir a privacidade de alguém apenas para ter acesso a informaçõezinhas
desnecessárias resulta em mais ibope para um noticiário, porque afinal as
pessoas tem uma enorme vontade de ver sangue e violência no noticiário matinal enquanto
comem seu café-da-manhã e a mídia se importa mais com o que uma notícia pode
trazer de bom pra ela do que em de fato noticiar uma tragédia, pois todos estão
em guerra entre si por ibope e vence quem tiver um vídeo exclusivo de algum
desastre? Enfim, um mundo onde todos se deixam levar por um psicopata como Lou
até este alcançar o que quer? E isso é visto como algo bom, porque afinal o
sucesso é o que realmente importa?
Por
fim, é bom falar da direção de Gilroy. Desde os créditos iniciais, percebe-se
que a intenção do diretor é fazer uma espécie de neo-noir, à moda de “Chinatown” ou “Taxi
Driver”. Aliás, mais como “Taxi
Driver”, na minha opinião: “Taxi Driver” utiliza de seu anti-herói para mostrar
a noite da Nova York dos anos 70 como algo sujo, violento e nada glamoroso. “O
Abutre” faz o mesmo com a Los Angeles atual. Quase o filme inteiro se passa de
noite, e a Los Angeles que aqui aparece não é o paraíso ensolarado dos
artistas, dos carrões e das mansões, com luzes que parecem pérolas à distância,
uma terra onde qualquer um pode realizar o sonho americano. Não, a Los Angeles de
“O abutre” é um lugar que parece belo e iluminado à distância, mas de perto se
percebe sua sujeira, sua podridão, sua violência. Mas enquanto Travis em “Taxi
Driver” queria limpar a cidade dessa sujeira, Lou alimenta-se dela. Também é possível notar na direção, na fotografia e na iluminação, certa semelhança com o filme mais recente "Drive". Aliás, certa não: MUITA semelhança! Há até um vídeo no youtube comparando lado a lado as cenas dos protagonistas de ambos os filmes dirigindo à noite. Te desafio a dizer qual cena é de qual filme.
É
possível, também, notar em “O Abutre” certo estilo de filme B, de “pulp fiction”.
Vocês decidem se isso foi uma referência a Tarantino ou não. Aliás, não
precisam decidir, foi totalmente intencional a referência, pois assim como
Tarantino, Gilroy abraça o lado B de seu filme e o usa como um recurso para
melhor contar sua história. Afinal, se você vai fazer um filme sobre jornalismo
sensacionalista, porque não usar justamente uma linguagem apelativa (ou, se
você prefere o termo em inglês, exploitation)
para reforçar sua crítica?
Avaliação: Vale muito a pena