domingo, 24 de abril de 2016

A Igualdade é Branca

            Há um estranho consenso entre críticos e cinéfilos: Enquanto “A Liberdade é Azul” e “A Fraternidade é Vermelha” são considerados obras-primas do cinema, “A Igualdade é Branca”, o segundo filme da Trilogia das Cores de Krzysztof Kieslowski, é sempre tratado como o filme “menos” dos três. Por quê? Porque ele cometeu um crime que nenhum filme cult deve cometer: É leve, chamativo e inteligível!
            Oh, não! Como ousa?!

            Ok, talvez eu esteja exagerando um pouco, mas a piada não está tão longe assim da verdade. De fato, “A Igualdade é Branca” não é tão dramático ou intimista quanto “A Liberdade é Azul” ou provavelmente “A Fraternidade é Vermelha” (já chego lá!), nem se aprofunda tanto na mente de personagens psicologicamente complexos, preferindo ao invés disso contar uma história com mais reviravoltas e humor negro. Então não, dessa vez não me preocuparei em mergulhar em divagações metalinguísticas como da outra vez que escrevi sobre um filme da Trilogia das Cores (ok, podem soltar os rojões, eu já sei o quanto aquilo não fez sentido algum).
            Mas ao mesmo tempo... É sério que tem aqueles que desconsideram esse filme basicamente por ser divertido e de mais fácil acesso a quem está começando a se interessar por filmes cult?!

            “A Igualdade é Branca” gira em torno de Karol Karol (interpretado por Zbigniew Zamachowski), um cabelereiro polonês morando em Paris que, logo no começo do filme, vai pro tribunal para resolver seu divórcio com sua esposa francesa, Dominique (interpretada por Julie Delpy). O motivo pelo qual ela quer um divórcio? Ela alega que Karol foi incapaz de consumar o casamento deles devido a uma impotência crônica. Karol tenta convencer Dominique a não seguir em frente, dizendo que ainda a ama e que eles podem ser felizes juntos mesmo assim, ao que ela responde friamente que não o ama mais. Sua dificuldade em falar francês, necessitando da ajuda de um tradutor, não ajuda Karol a persuadir o juiz a não oficializar o divórcio.
            Caso você esteja se perguntando, sim, esse é o mesmo tribunal em que Julie entra em “A Liberdade é Azul”. Desafio-te a não apontar o dedo pra tela quando ela aparece no fundo entrando e sendo expulsa.

            Como se o divórcio não fosse um golpe grande o suficiente na vida de Karol, seu cartão de crédito é invalidado, e ele perde acesso à sua conta bancária. Tudo que ele tem agora é uma mala contendo alguns diplomas, a chave do salão de beleza que ele mantém junto com Dominique e alguns euros que ele guardou no bolso.
            Mas isso não é tudo que o destino reserva a esse pobre-coitado: No dia seguinte, Dominique o encontra dormindo no salão de beleza, mas não sente qualquer pena dele e não quer voltar atrás em seu divórcio. Mesmo depois que a impotência de Karol é milagrosamente curada, tudo o que Dominique faz é queimar as cortinas do salão e dizer na cara de seu ex-marido que ligará para a polícia dizendo que foi ele que fez isso em um ato de vingança. Tudo o que resta agora a Karol é dormir na estação de metrô, esconder-se dos policiais que estão à sua procura e mendigar pela sua sobrevivência enquanto não consegue arrumar uma forma de voltar para sua Polônia natal sem passaporte.

            A esperança de Karol chega na forma de Mikolaj (interpretado por Janusz Gajos), outro polonês que, ao ouvi-lo tocando uma canção polonesa com um pedaço de papel por trocados, simpatiza por ele e decide ajuda-lo. Primeiro oferece-lhe um trabalho que lhe renderá bastante dinheiro: Matar um homem que quer se suicidar, mas não tem coragem de fazê-lo por conta própria. Karol, não querendo fazer esse tipo de coisa, recusa. Ambos, então, decidem armar um esquema para levar Karol de volta à Polônia escondido dentro de sua mala. O esquema dá, digamos, mais ou menos certo, devido ao envolvimento inesperado de uma gangue de ladrões de malas poloneses, mas Karol finalmente chega a Varsóvia e à casa de seu irmão, Jurek (interpretado por Jerzy Stur).
            Jurek oferece a Karol a chance de voltar a trabalhar como cabelereiro no antigo salão que ambos compartilhavam, mas Karol parece ter algo maior em mente. Muito, muito maior. Através de uma série de esquemas muito bem elaborados pela sua mente ousada e bem-organizada, ele começa a ganhar cada vez mais dinheiro, de forma nem sempre honesta. Não demora muito para se perceber que Karol possui Dominique como objetivo final de suas ações. Não se sabe, porém, se ele quer reconquista-la, se quer vingar-se da forma como ela o abandonou à própria sorte, ou até mesmo ambos. É só no final do filme que fica claro o que ele quer com ela.

            Depois de assistir um filme tão parado, sério e artístico quanto “A Liberdade é Azul”, “A Igualdade é Branca” chega até a dar certo choque, pois muitas das escolhas, seja estilísticas, narrativas e temáticas, que Kieslowski faz aqui, são diametralmente opostas ao que ele fez no filme anterior da trilogia. Vamos analisar cada aspecto em separado.
            Primeiro, o estilístico. A primeira palavra que vem à mente quando se vai comparar o estilo de “Igualdade” com o de “Liberdade” é americanizado: “Igualdade” é um filme muito mais americanizado, com seu ritmo muito mais rápido e a forma como mostra a tragédia e reviravolta na vida de seu personagem principal com muito mais humor. Mas não qualquer humor: Um humor negro, ácido, a pura graça de se ver pessoas tendo suas vidas ferradas e ferrando com a vida dos outros. Nada parecido com a seriedade lenta e dramática de “Liberdade”. Chega-se quase a se perguntar se ambos foram dirigidos pela mesma pessoa, pois este que aqui analisamos é muito mais parecido com, digamos, um filme dos irmãos Coen do que com algo saído da mente de Kieslowski.

            Aliás, pensando agora, há muito de irmãos Coen nesse filme! Personagens moralmente ambíguos, porém com suas próprias peculiaridades cuja simples menção soa engraçada? Checado: Ao final, não se sabe se é pra se torcer a favor ou contra Karol, e me diga se você não ri diante da ideia de seu plano para fugir para a Polônia ser descoberto não pela polícia, mas sim por uma gangue de ladrões de mala poloneses!
            Humor irônico, niilista e que sadicamente utiliza a violência como algo ridículo? Checado: Depois de ser espancado pela gangue de ladrões de mala poloneses, cair de um morro coberto de neve e virar-se para constatar que está ao lado de um lixão, a reação de Karol é dizer “Enfim, em casa”. E note a cena em que ele resolve enfim aceitar o trabalho de Mikolaj e matar o homem que quer morrer, que começa bastante dramática, mas chega a uma conclusão tão absurda que dá vontade de rir.

            Não vou concluir que Kieslowski se inspirou nos irmãos Coen para fazer esse filme, pois eles estavam ainda no começo de sua prolífica carreira quando a trilogia das cores estava em produção (embora já tivessem feito comédias como “Arizona Nunca Mais”), sem falar que alegadamente Kieslowski inspirou-se principalmente nas tragicomédias de Chaplin, mas mesmo assim, é uma experiência interessante assistir a esse filme e depois ver algo como, digamos, “Fargo” ou “Inside Llewin Davis” e notar como ambos podiam facilmente ter sido dirigidos, ou pelo menos concebidos, pela mesma pessoa.
            Depois do aspecto estilístico, vem o aspecto narrativo. Enquanto “A Liberdade é Azul” tinha uma história parada, na qual qualquer mínima coisa demorava para acontecer, dando tempo para o espectador apreciar a cena (ou brincar de narrá-la. Sério, façam isso, é impressionante!), “A Igualdade é Branca” é rápido, incessante. O tempo todo algo está acontecendo, e o tempo todo o espectador fica se perguntando o que Karol fará em seguida, como numa espécie de filme noir. Lá, o foco do público era no presente, na cena; aqui, o foco é no futuro, na trama. De novo, a palavra americanizado não demora a vir à cabeça.

            Por fim, temos o aspecto temático. Kieslowski sempre afirmou que ele concebeu a trilogia das cores como tratando de temas pessoais, íntimos, evitando abordar a “liberdade, igualdade e fraternidade” no sentido político dentro do qual o lema francês foi concebido. Porém, mesmo os menos cinéfilos perceberão que ele se deixou abordar um pouco a política em “A Igualdade é Branca”. Não que o tema da igualdade seja tratado em seu sentido político, ao final ele continua tendo um sentido pessoal, porém toda a trama do filme não seria possível sem trazer a tona a situação política europeia da época, especialmente a da Polônia natal de Kieslowski.
Para os que não sabem do que estou falando (supondo que ajam tais pessoas), deixe-me explicar (porque, como eu disse em minha crítica da “A Liberdade é Azul”, “sou um jovem inexperiente, pedante, pretensioso e egocêntrico”): Kieslowski criou a trilogia das cores no início dos anos 90. Nessa época, a Polônia havia acabado de sair de um período de mais de quatro décadas de regime comunista, e embora ainda não fizesse parte da União Europeia, e embora estivessem em uma posição de desvantagem econômica em relação ao outros países europeus, os poloneses estavam começando a descobrir as possibilidades do livre mercado, e estavam dispostos a avançar nesse novo sistema e deixar de ser os “vira-latas” da Europa. E isso é imediatamente deixado claro no filme assim que Karol chega ao seu país e fica impressionado que seu irmão colocou um letreiro em neon sobre a porta de seu salão de beleza, ao que este responde “Aqui é Europa agora”. A nova república polonesa é motivo de celebração, o que fica evidente a partir do momento em que a única coisa que Karol leva consigo para a Polônia é um busto de Marianne, símbolo francês da república. (Por que será que parece fazer mais sentido agora Kieslowski fazer aqui um filme mais americanizado?)
Nessa nova Polônia “europeia”, as pessoas pela primeira vez em anos têm a esperança de enriquecer, de ser mais do que lhes é determinado. Tal esperança é representada na forma de Karol, que em pouco tempo aumenta suas economias, que ao chegar à Polônia eram de uma única moeda de dois francos, para uma fortuna milionária. Sim, o filme não nega que o capitalismo tem sua dose de virtudes.
Mas, como o filme deixa bem claro, apesar dessas virtudes, nem tudo são flores: Karol é um empresário agressivo, disposto a ordenhar o máximo de dinheiro que a nova economia lhe possibilita, mesmo que os meios que utilize para isso sejam suspeitos. Assim, a nova Polônia capitalista é retratada como um lugar injusto, desigual e que demoliu suas bases morais para construir um prédio de trinta andares no lugar, onde todos passam a perna uns nos outros, e vence aquele que souber como não ter sua perna passada. Não há mais ideologias, não há mais ética, apenas a caótica selva liberal, e em meio a essa selva há o dinheiro, essa poderosa força capaz de comprar qualquer coisa. E isso não sou eu dizendo! Conte quantas vezes algum personagem do filme diz que “Esses dias, você pode comprar qualquer coisa”, seja um letreiro em neon, uma terra, uma arma, ou coisas ainda mais nefastas. (Basicamente toda a moral do filme poderia ser resumida na canção “Money” de Pink Floyd)

            Isso quer dizer que “A Igualdade é Branca” é um retrato de sua época? Sim, definitivamente. Isso quer dizer que o filme envelheceu? Bem, sim, um pouco. Mas eu não chegaria a dizer que o filme está “desatualizado”. Sim, realmente a política que o filme aborda era mais relevante nos anos 90 do que agora. Mas a política não tudo que ele tem a oferecer. Continua sendo uma comédia de humor negro bastante eficiente sobre um homem que, após perder tudo, torna-se um milionário para chamar de volta a atenção da mulher que ama. Um “Grande Gatsby” polonês, pensando agora. Aliás, há muito em comum entre “A Igualdade é Branca” e “O Grande Gatsby”... Mas essa comparação fica para uma próxima vez. Por ora, digo apenas que mesmo a política referente à Polônia estando desatualizada, o tema de um personagem que busca superioridade em relação aos outros a qualquer custo é um tema perfeitamente atemporal em qualquer sociedade liberal. E que, embora não seja tão intimista quanto os outros filmes da trilogia, continua tendo um valor artístico inegável, embora mais acessível ao público não iniciado no cinema de arte. Justamente por isso, acredito que se você não for iniciado e quiser se iniciar, apesar de breves referências aqui e ali ao filme anterior da trilogia, eu digo que no seu caso começar por esse filme...


Avaliação: Vale a pena.

domingo, 17 de abril de 2016

Vale a zoeira: A Bruxa de Blair 2 - O Livro das Sombras

Caso você esteja se perguntando, sim, esse filme é real. Mas antes que você possa dizer “Mas não faz sentido fazer uma continuação de ‘A Bruxa de Blair’!”, eu lhe direi “Senta aqui, que esta está longe de ser a única coisa nesse filme que não faz nenhum sentido”.

            Desde que foi lançado em 2000, “A Bruxa de Blair 2 – O Livro das Sombras” tornou-se notório como uma das continuações mais desnecessárias e mais sem sentido que um filme de terror já teve. E acreditem quando digo que a concorrência é pesada! Mas, como o título dessa postagem sugere... Será que esse filme é tão sem sentido que chega a ser engraçado? Vale a pena assisti-lo mesmo sabendo o quão ruim ele é?

            Em primeiro lugar, a falta de sentido já começa no seu título. Não, sério! Antes mesmo de começar esse filme já deixa qualquer lógica de lado! Por quê? Porque ele se chama “A Bruxa de Blair 2 – O Livro das Sombras”. Não faz sentido ele se chamar “A Bruxa de Blair 2” porque, falando a verdade, nem é realmente uma continuação de “A Bruxa de Blair”. Há referências aqui e ali ao filme original, principalmente no começo, mas se você tirar essas referências e mudar alguns nomes, é perfeitamente possível exibi-lo como um filme solo. Ele nem usa o mesmo estilo de “filmagem encontrada” que “A Bruxa de Blair” inaugurou! No começo aparece escrito que é tudo “re-encenação de eventos reais” (sim, claro, vamos fingir que acreditamos), mas se não fosse por isso seria um filme como qualquer outro! A impressão que dá é que o roteiro foi originalmente escrito exatamente como um filme solo, mas assim que os produtores receberam seu primeiro rascunho eles obrigaram os roteiristas a inserir algumas referências a “A Bruxa de Blair” para tentar arrecadar mais dinheiro em cima dele. Mas isso não é tudo: Não faz sentido ele se chamar também “O Livro das Sombras” porque... Bem... Não há “Livro das Sombras” algum nele! Há breves referências a um livro que dois dos personagens estão escrevendo, mas nada disso chega a justificar o nome “Livro das Sombras”!
            Esse filme vai doer, não vai?
            Mas, se o título já não te avisou do quão ruim esse filme seria, quanto tempo demora para o festival de horrores realmente começar?
            A resposta: Cinco minutos. Não, sério, logo na marca dos cinco minutos, com os créditos iniciais ainda rodando, já é possível notar um dos grandes problemas de “A Bruxa de Blair 2”: Sua edição.

            O filme começa com um intertítulo dizendo “Verão, 1999”, época em que “A Bruxa de Blair” foi lançado. E, de fato, mostra lá toda a coqueluche que o filme original causou, com turistas visitando a cidade de Burkittsville, onde o filme dizia que se passava (embora, ironicamente, ele não foi filmado lá, e esse também não).
            Então “A Bruxa de Blair 2” se passa no verão de 1999, certo? Não! Logo depois aparece outro intertítulo dizendo “Um ano antes” e vê-se um dos habitantes de Burkittsville, Jeff (todos os atores do filme têm os mesmos nomes de seus personagens, então nem me incomodarei dizendo quem os interpreta), em um manicômio.

            Então “A Bruxa de Blair 2” se passa no verão de 1998, certo? Não! Logo depois aparece mais um intertítulo dizendo “Outono, 1999”. Peraí, então ele começa na época do lançamento de “A Bruxa de Blair”, pula para um ano antes, e aí pula para uma estação depois, é isso?
            Bom, ao menos para por aí, certo? Não! Em seguida vê-se esse mesmo Jeff sendo interrogado pela polícia, com uma legenda dizendo “Segunda-feira, 15 de novembro, 1999”. Ok, então começa no verão de 1999, vai pra verão de 1998, depois pra outono de 1999, e então para uma data específica nessa mesma estação do ano. Por que tenho a impressão que alguém da produção assistiu “Amnésia” enquanto o filme era editado?

            Bom, acabou, certo? Não! Em seguida Jeff aparece guiando uma excursão, com a legenda “Sexta-feira, 12 de novembro, 1999”! Então começa em verão de 1999, vai pra um ano antes, então para outono de 1999 e CHEGA!!!!!! Qual é o problema em pegar uma data na qual seu filme vai se passar e permanecer nela?! Não precisa ficar saltando pra frente e pra trás nas datas como um pula-pula em uma máquina do tempo! E o pior é que, embora já não apareçam mais datas (graças a Deus!), o filme continua pulando desse jeito! Você tem a história principal, que é a dessa excursão, e então de tanto em tanto tempo o filme se teletransporta sem qualquer motivo de volta para o interrogatório três dias depois!
            Bom, pelo menos a edição confusa acaba por aí, certo? Ah, vocês já sabem a resposta! De tanto em tanto tempo, há também alguns cortes completamente aleatórios de pessoas sendo assassinadas em algum tipo de sacrifício. E quando digo “cortes aleatórios”, é porque é basicamente isso: Essas cenas duram geralmente apenas um segundo, e aparecem em momentos que não fazem nenhum sentido! Eles estão dirigindo pela estrada, e então surpresa, aparece alguém tendo a cabeça esmagada com uma pedra! Alguém está no hospital, e então surpresa, vê-se do nada uma pessoa com uma faca nas costas! Imagino que a ideia por trás dos produtores (digo produtores porque o diretor já admitiu que a versão final é completamente diferente do que o que ele fez, e que o estúdio impôs várias reedições e refilmagens) era criar um suspense que só se resolveria no final, mas essa ideia falhou miseravelmente porque 1) Na metade do filme já sabemos quem são essas pessoas sacrificadas, então não há suspense nenhum de quem elas são, quem as matou e em que situação; e 2) É irritante demais! Não há nenhum motivo aqui para mostrar cenas que só fazem sentido no final do filme ao longo do filme! O que vocês achariam se, digamos, durante toda a duração de “O Despertar da Força” o filme cortasse de cinco em cinco minutos para a luta final entre Rey e Kylo Ren, apenas por alguns segundos? Seria irritante e desnecessário, não? Agora você sabe como são esses cortes em “A Bruxa de Blair 2”!
            Mas enfim, após mais de cinco minutos de enrolação, a história finalmente começa, enquanto acompanhamos essa excursão formada por Jeff, o guia; Stephen e Tristen, um casal que está escrevendo um livro sobre histeria coletiva, ou algo assim; Erica, uma Wiccan; e Kim, uma gótica. Kim por algum motivo tem poderes psíquicos. Por que ela tem poderes psíquicos? Hum... Por que ela é gótica?
O único motivo que consigo imaginar para ela ter poderes psíquicos é para os criadores do filme terem uma desculpa barata para a história seguir em frente: Tristen está grávida de apenas seis semanas, mas não quer o bebê? Kim diz isso na cara dela sem essa dizer nada. Eles estão fazendo uma festa na floresta regada a álcool e maconha (na qual esses idiotas não falam ou fazem nada de importante e até deixam a grávida participar, porque afinal, como todos sabem, álcool não é nada prejudicial para fetos, certo?) e topam com outra excursão? Kim diz que eles não voltarão (puxa, me pergunto quem são as pessoas que vemos sendo sacrificadas aqui e ali!). Após a festa, eles acordam com o equipamento todo destruído junto com todos os papeis do livro de Stephen e Tristen (que, por algum motivo, literalmente caem do céu como neve, embora ninguém parece notar isso. Eu já disse que eles são idiotas?), sem nenhuma lembrança do que aconteceu (puxa, me pergunto o que eles fizeram! Percebem como essas cenas de sacrifício estragam o suspense?) e as fitas das câmeras que levavam desaparecidas? Kim diz onde as fitas estão. E toda vez que alguém pergunta como ela sabe disso, ela apenas responde “Eu não sei”. Imagino que seja o jeito dela de dizer “Eu já li o roteiro inteiro, ao contrário de vocês!”.
É mais ou menos por aí que o filme diz “Ah, sim, sou um filme de terror, já ia esquecendo!”. Imagina-se então que veremos alguma cena assustadora certo? Bom, parece que o que os criadores desse filme acham que assustador é um pesadelo de Tristen no qual ela afoga seu bebê. Não, sério! Não só é uma cena desnecessariamente desagradável, mas também não é nem um pouco assustadora. Pensando agora, acho que essa frase define o filme inteiro.

            Como é de se imaginar, pouco depois, quando todos acordam e veem o acampamento todo destruído (e com papel picado chovendo do céu. Sério, ninguém acha isso estranho! Stephen e Tristen ficam bravos que o livro deles foi destruído, mas nem se importam com ele estar chovendo em cima deles!), Tristen tem um aborto natural. Embora não antes de termos provavelmente uma das cenas mais mal atuadas que já vi, com todos gritando exageradamente “Essa é nossa pesquisa!”, “Essas são minhas fitas!”, “O que aconteceu?!”, e por aí vai.
            Ao verem o sangue em suas calças, o grupo leva Tristen para um hospital. Lá, ela tem uma visão de uma garota (em naaaaada parecida com a garota de “O Exorcista”) andando para trás e desaparecendo. Quem é essa garota? Por que ela aparece para Tristen? O que ela quer? Nada disso é explicado! A garota aparece apenas mais uma vez no filme inteiro para dizer “Vocês trouxeram aquilo de volta com vocês!”. Nunca ficamos sabendo o que ela quis dizer com isso. Em outras palavras, as aparições dela não têm motivo algum para estarem no filme.

            Bom, depois de uma das integrantes ter um aborto natural, imagina-se que a excursão acabou e todos voltam pra casa, certo? Não! Eles vão então pra casa de Jeff pra ver o que as fitas gravaram. Pessoalmente, acho que a casa de Jeff é até um cenário interessante para um filme de terror: Uma fábrica abandonada da época da Guerra da Secessão, acessível apenas por uma ponte, com um alarme que emite sons de latidos toda vez que alguém abre a porta, que deve ter umas sete trancas diferentes, além de um monte de câmeras vigiando todos os espaços... É óbvio que em algum momento a ponte vai cair, os latidos do alarme se tornarão latidos de cachorros de verdade e as câmeras mostrarão algo diferente do que os personagens viram, mas que seja.
            E caso você esteja se perguntando “Mas e Tristen? Não é extremamente irresponsável com a condição dela leva-la para um lugar caindo aos pedaços e cheio de pessoas desconhecidas, longe de casa e de qualquer atenção médica ou psicológica?”, a verdade é que... Bem... Ninguém parece se importar muito com isso. Tão não se importam com isso que assim que chegam lá vemos Stephen e Erica (a wiccan, caso não se lembrem) se pegando. Lógico que logo depois descobre-se que isso é algum tipo de alucinação coletiva dos dois, mas dá pra ver que tal pensamento lhes passou pela cabeça. Aliás, essa é a primeira de uma longa série de alucinações, coletivas ou não, que os personagens começam a ter enquanto estão na casa de Jeff, mas que nenhum dos personagens se incomoda de contar aos outros e que não fazem nenhum sentido nem tem um motivo essencial para estarem no filme.

            Mas, mesmo descrevendo e comentando a primeira metade do filme, a pergunta ainda permanece: Vale a pena assistir o filme mesmo assim ou não?
            Por mais que, como um fã de assistir filmes apenas pela zoeira, soe tentadora a ideia de assistir um filme constituído principalmente de coisas que acontecem e deixam de acontecer sem motivo ou sentido algum, minha resposta final é... Não. E o motivo é exatamente o meu primeiro alvo de críticas (depois do título, é claro): A edição é tão aleatória quanto o próprio filme, e o resultado é que um filme que poderia ser minimamente interessante (pois decente não acredito muito que seria) acaba se tornando extremamente irritante. Nem dá pra dizer que sua aleatoriedade e sua falta de sentido ou explicação são “vanguardistas” ou que são um “ataque à forma como nos acostumamos a assistir filmes”, como já foi dito do “A Bruxa de Blair” original, pois essa não era a ideia do filme! Falem o que quiser sobre o primeiro filme (eu próprio já falei bastante), mas que ele de fato queria ser e de fato foi um desestabilizador de convenções cinematográficas, é inegável. “A Bruxa de Blair 2”, porém, desde o princípio tinha a intenção de ser um filme de terror tradicional, com apelo comercial fácil, o que o estúdio queria garantir com as reedições da versão final... E falhou miseravelmente! É irritante demais para ter qualquer apelo, entre pulos para lá e para cá no tempo, cenas aleatórias inseridas no meio do filme e uma constante sensação de “Eu não faço ideia do que está acontecendo!”. E tenho a leve impressão de que nem as pessoas envolvidas no filme sabiam muito bem o que estava acontecendo! É por isso que, infelizmente, dou ao filme uma...


Avaliação: Não vale nem a zoeira.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Rocky III - O Desafio supremo

            “It’s the eye of the tiiiiiger, it’s the thrill of the fight, riiiiising up to the challenge of our riiiiivaaaal....”
            Ah, sim, “Eye of the Tiger”, uma das grandes músicas de academia dos anos 80, junto com “You’re the Best” e “Maniac”. E tenho que admitir que merece esse status todo, pois é uma canção muito boa! Tão boa que até hoje ela logo entra no imaginário popular quando se pensa em exercício, superação, esportes e, claro, Rocky. Essa canção se tornou tão famosa e é tão indissociável da figura de Rocky Balboa que quando comecei a assistir essa franquia, achava que tocaria logo no primeiro filme. Mas é claro que não tocou. Uma canção tão anos 80 quanto “Eye of the Tiger” não tocaria em um filme de 1976. Não, esse crédito ficou para “Rocky 3 – O Desafio Supremo”, lançado em 1982.

            Porém, por mais que “Eye of the Tiger” tenha se tornado uma das canções mais famosas da história do cinema, chegando a ser indicada ao Oscar de Melhor Canção Original, e por mais que o filme tenha sido um sucesso comercial ainda maior que os dois filmes anteriores da franquia, cinéfilos adoram atacar “Rocky 3”, especialmente após o lançamento das outras continuações, alegando que foi aí que a série começou a escorregar para o fundo do poço, do qual só sairia muitos anos depois. Mas afinal, eles têm razão em alegar isso?
            Bem... Sim. Não é que o filme seja tão ruim assim, é só que sua qualidade está bem abaixo da dos dois filmes anteriores. Bem, bem abaixo.

                O filme começa com o amigo e cunhado de Rocky, Paulie, tendo um surto em mais uma de suas crises de bebedeira ao ver uma máquina de pinball de Rocky em um fliperama. Porque afinal esse é um filme dos anos 80, e quase todo filme dos anos 80 precisa ter uma cena que se passa ou em um fliperama ou em uma loja de música. E honestamente, eu só consigo imaginar esse como sendo o motivo para esta cena, pois ela poderia ser totalmente dispensada do filme: Já foi estabelecido no primeiro filme que Paulie tem inveja de Rocky, e essa inveja nunca mais é citada em “Rocky 3”: Cinco minutos depois, Rocky tira ele da prisão, eles discutem um pouco, e então acabou, eles são melhores amigos de volta. Seria de se imaginar que a primeira cena do filme estabeleceria algum ponto importante, não?
            Mas não se preocupem: Essa é apenas a primeira de 1793709127 cenas nesse filme que poderiam ter sido cortadas sem nada de importante ser perdido.

            Mas esse começo também ajuda a estabelecer que após os eventos do segundo filme, Rocky se tornou podre de rico, andando de limusine nova, usando roupas caras (com direito a luva e tudo) e vive na mãe de todas as mansões de Philadelphia. Não, sério, a casa dele é absurdamente gigantesca! Ah, e ele também finalmente aprendeu a atuar em comerciais. Hum... Yay? E ele também vive feliz com Adrian e seu filho. Talvez, digamos, um pouco feliz demais: Em uma sequência, vê-se Rocky e Adrian se beijando enquanto andam pela estrada em cima de uma moto, e logo depois ficam rolando um em cima do outro em um gramado ensolarado. A mão da breguice chega a tremer. E alguém me explica como é que o filho de Rocky parece ter oito anos quando o filme deixa claro que se passaram apenas três desde a revanche contra Creed?
            Também é estabelecido nessa sequência inicial que Rocky nesse tempo defendeu com sucesso seu titulo mundial nada menos que dez vezes. Mas mal sabe Rocky que ele está sendo observado de perto. E com isso quero dizer bem de perto mesmo: O cara aparece no público em quase todas as lutas de Rocky, mesmo quando ele vai defender seu título na Europa! E isso sendo que o filme mostra que ele mora em um buraco não muito diferente daquele no qual Rocky morava no primeiro filme! Isso sim é obsessão!

            O cara em questão atende pelo nome de Clubber Lang (e sim, é assim que ele é chamado durante o filme inteiro. Na Wikipedia diz que seu nome é na verdade James Lang, mas eu prefiro rir com o pensamento de que sua mãe decidiu lhe dar o nome de Clubber), interpretado por ninguém menos que o lutador de luta-livre Mr. T (nesse caso, felizmente esse não é seu nome de nascença) em sua primeira aparição no cinema. Clubber (Pffhahahahaha!) é o típico vira-lata que Rocky era no começo do primeiro filme, tendo que treinar com pesos e barras enferrujados, mas ainda assim sendo bastante talentoso, nocauteando seus adversários com enorme facilidade e brutalidade e, justamente por isso, subindo lentamente no ranking até chegar bem perto de Rocky. Perto até demais para Mickey, que guarda um segredo quanto à sua posição como gerente de Rocky... Segredo que, quando você para pra pensar por um minuto, faz Mickey, a figura paterna na vida de Rocky, parecer um tanto quanto um cretino, não?
            Ok, Clubber (não, eu nunca deixarei de rir desse nome) tem dois problemas principais. O primeiro deles é o próprio Mr. T como ator. Não me entendam mal, em termos de atuação facial, de expressar emoções, ele é muito melhor do que seria de se esperar! Toda vez que a câmera foca em seu rosto durante as lutas de Rocky, é possível ver tudo que o campeão significa para ele, toda a raiva que ele tem, toda a vontade que ele tem de ele próprio ser campeão mundial (o “olho do tigre”, se me permitem dizer). Mas, infelizmente, ele fala. E quando ele fala... Dá pra ver que ele decorou bem suas falas. Tão bem que elefalaassimcorrendosempararprarespirarouprafalarcomemoçãojuntandoaspalavrasumasnasnoutrascomoseestivessecommuitapressaprairpracasaporqueafinaleleestásempremuitobravoequandoseestábravofalaseassimnão?

            E o segundo grande problema de Clubber (pfff, ok, vou tentar me controlar) é que... Bem... Ele é uma grande chance de fazer algo tão bom quanto os dois primeiros filmes, mas que é completamente desperdiçada. Quero dizer, veja o cenário: Temos um novato, um vira-lata, uma zebra, que começa em “Rocky 3” igual a como Rocky começou no primeiro filme. E ele quer muito lutar contra Rocky. Rocky aceita o desafio, mas eis que Clubber (não, desculpe, não dá, haha!) se mostra mais popular do que seria esperado. Rocky então percebe que está na mesma situação que Apollo Creed estava durante o confronto entre os dois, e tem que lidar com o fato de ser representado pela mídia como o “vilão”. Assim, através de seu confronto com Lang (assim fica melhor), ele acaba aprendendo mais sobre o que é ser um lutador, e cria uma grande simpatia por esse jovem promissor, deixando o público na dúvida até o último round se ele vai lutar pra valer e possivelmente destruir a carreira de Lang ou deixar-se derrotar para abrir espaço para esse futuro companheiro, à custa de seu título e de seu status. É o terceiro filme que Rocky merecia e que segue com sua saga de forma dramática e coerente com os filmes anteriores, não?
            Pena que não é nada disso que é feito. Não, ao invés disso Lang é um completo cretino, um pirralho gigante que provoca a todos e parece não saber o que são regras, gerando a antipatia de absolutamente todo mundo, a ponto de o vaiarem quando ele entra no ringue. Ele não liga para nada e para ninguém, dizendo algumas coisas um tanto maldosas para Adrian na frente de Rocky e xingando Apollo Creed quando este vem cumprimenta-lo. É um bruto animalesco, tão bruto e tão animalesco que não só seus gritos soam como rugidos dinossáuricos durante as câmeras lentas que Stallone parece gostar tanto, como também ao vencer a luta contra Rocky e lhe tomar o cinturão, ele começa a fazer caretas e gritar “Blergh! Blergh!” como um vilão de desenho animado. Caramba, esse cara é irritante! Sei que Apollo Creed também era bastante arrogante nos filmes anteriores, mas ao menos dava pra ver que ele era inteligente e que sua arrogância se devia apenas ao seu orgulho de campeão. Lang é apenas um idiota, alguém que existe somente para que possamos uma vez mais torcer por Rocky Balboa pelo simples fato de querermos ver a cara desse sujeito quebrada até o último dente.

            Mas enfim, como eu ia dizendo, Lang consegue nocautear Rocky e vencer a luta em apenas dois rounds, tornando-se campeão mundial e sendo a primeira derrota de Rocky em mais de três anos. Como se isso sozinho já não deixasse nosso herói psicologicamente abalado, durante a luta Mickey tem um ataque cardíaco e morre. Toda a vontade de lutar de Rocky se esvai de uma só vez, mas ainda assim ele quer uma revanche contra Lang.
            Mas espere um pouco. Se Mickey está morto, quem então vai treinar Rocky?

            Isso mesmo, Apollo Creed decide assumir o papel de treinador de Rocky até que ele tenha o “olho do tigre” (conte quantas vezes Creed repete isso) para que Lang leve a surra que merece. E assim os dois viajam para Los Angeles para que Rocky possa treinar no mesmo lugar em que Creed começou, em uma academia com a estrutura de uma toca de rato no meio de um bairro não muito agradável. Desculpe, escadaria do Museu de Philadephia, você acaba de ser substituída por uma praia qualquer de Los Angeles e pelo incrível fetiche que Stallone tem por coxas saradas e suadas (ah, sim, tem um monte disso nessa sequência de treinamento!).
            O treinamento de Rocky com Creed é, ao mesmo tempo, muito bom e muito ruim. Muito bom porque a ideia de Creed, o primeiro e maior rival que Rocky já teve, assumindo a missão de melhorar a forma física de Rocky por simples respeito e companheirismo, que ao longo do treinamento se transforma em legítima amizade, é o grande marco desse filme, aquilo que faz com que ele não pareça uma mera continuação desnecessária: É o auge da relação entre Rocky e Creed que os dois filmes anteriores construíram aos poucos. Porém, é ao mesmo tempo muito ruim porque, quando você percebe, a única coisa que muda no treinamento aqui é os métodos de Creed que diferem dos de Mickey, embora sejam tão não-ortodoxos quanto. Quando se para pra pensar, a estrutura dessa meia hora é praticamente igual à do treinamento de Rocky em “Rocky 2”: O treinador chama Rocky para se tornar mais forte e mais rápido, mas Rocky está com a cabeça em outro lugar e portanto não faz nenhum esforço, o que deixa o treinador muito irritado, fazendo-o dar uma de Capitão Nascimento (“Pede pra sair! Pede pra sair!”), mas então após uma breve conversa com Adrian esta lhe dá o apoio moral necessário e o convence de que ele precisa vencer a qualquer custo, e então pronto, cinco minutos depois Rocky já está correndo ao som de “Gonna Fly Now”. Exatamente a mesma coisa que já vimos no filme anterior.

            Mas sabem o que mais irrita em “Rocky 3”? Isso é, além de Lang (meu deus, como odeio esse personagem!)? É o quão besta ele é. Mas não é nem aquele besta enlouquecido, que fica na memória de tão bizarras que foram as escolhas feitas. Está certo, tem alguns momentos que fazem o filme parecer um desenho animado, mas no geral o filme é apenas... Esquecível. Tanto que quando a revanche de Rocky e Lang finalmente acontece, fica-se perguntando “Espera aí, mas já?”. Porque passou mais de uma hora e tudo o que você consegue se lembrar são de algumas cenas esporádicas. Metade do filme são cenas que ou não têm nenhuma importância que seja para o enredo ou o desenvolvimento dos personagens, ou que são estendidas até ficarem enroladas demais, como os seis minutos de lição de moral que Adrian dá em Rocky. Não, sério, seis minutos! E eu mal me lembro de metade do que ela fala! Stallone realmente queria que esse filme tivesse 100 minutos, não?
            Mas não é tudo em “Rocky 3” que é ruim. Rocky Balboa continua sendo um dos melhores personagens da história do cinema, e Stallone, não importa o que se diga, É Rocky, uma combinação de ouro entre personagem e ator. Se você tem alguma dúvida de que ele realmente se empenha pra encarnar a figura de Rocky, apenas pesquise a rotina de treinamento pela qual ele passou pra poder ganhar os músculos que Balboa ganha durante o filme! E, mesmo que algumas escolhas feitas sejam bobas e inúteis, algumas destas são até engraçadas de tão ridículas que são. O ponto máximo disso? Uma luta beneficente entre Rocky e um lutador de luta-livre, interpretado por ninguém menos que o lutador de luta-livre de verdade Hulk Hogan, que, assim como Mr. T, teve aqui sua primeira aparição no cinema.

            E oh, que visão gloriosamente ridícula é essa luta! Ela não se encaixa de forma alguma dentro do enredo geral e poderia ser cortada sem nada de importante se perder (Hulk Hogan nunca mais aparece no resto do filme). O único motivo para sua existência é que luta-livre nos anos 80 estava se tornando muito mais popular que boxe e Stallone achou uma boa ideia investir nessa popularidade. Mas acreditem em mim, vale a pena assistir o começo de “Rocky 3” apenas por essa cena! Toda a cafonice da luta-livre está aí, em toda a sua glória! Imaginem a cena: Hogan, um gigante de mais de dois metros e 150 quilos, entrando no ringue rodeado de coelhinhas da Playboy, sua mera sombra engolindo Stallone. A música assume um tom exageradamente dramático, como se o próprio Lorde das Trevas estivesse entrando apenas de sunguinha. O anunciador da luta o chama de “O maior objeto de desejo, a montanha de luxúria ardente”. Durante a luta, Hogan destrói Rocky com todo tipo de golpe de luta-livre (inclusive o movimento de assinatura do próprio Hogan) e até mesmo o arremessa para fora do ringue. Sacos de pipoca e latinhas são jogadas em Hogan pelo público, que entra em um frenesi e começa a descer porrada no juiz, nos seguranças, até no próprio público. Até as coelhinhas da Playboy começam a brigar por motivo nenhum. E então Rocky entra de volta no ringue, tira as luvas e começa a lutar luta-livre com Hulk Hogan.
São apenas sete minutos, mas é uma visão tão absurda que não dá pra não rir em algum momento, especialmente no final, que sem revelar muito, mas faz-me desejar que esse fosse o antagonista do filme. Não faria o menor sentido e daria ao filme um tom completamente oposto ao até então estabelecido pela franquia, mas quem se importa, ao menos nos daria algo mais engraçado do que um vilão chamado Clubber Lang (hahaha, ok, só mais essa!). Falando nisso, qual o nome do personagem de Hulk Hogan? Porque não daria muito certo ele aparecer como ele mesmo e...
Thunderlips

            Oh... Meu... Deus...


Avaliação: Não vale a penHAHAHAHAHAHAH, PRIMEIRO CLUBBER LANG E AGORA THUNDERLIPS?! APENAS QUAL FOI A IDEIA DE STALLONE AO CRIAR ESSES NOMES?!?!

domingo, 3 de abril de 2016

Rocky II - A Revanche

É curioso como “Rocky” é uma das poucas franquias em que quase todos os filmes, em maior ou menor grau, possuem sua dose de “iconicidade” (deve haver uma palavra correta, mas não estou a fim de procurar no dicionário). Não é apenas um primeiro filme muito bom seguido de uma série de continuações esquecíveis: Praticamente todos os filmes, mesmo os piores, possuem algo que entrou para a história do cinema, seja uma luta, uma fala, uma música, uma montagem de treinamento... Todos contribuíram para a série de alguma forma, tornando a franquia em si muito mais famosa que qualquer filme individualmente.
            Com isso dito, vamos para “Rocky 2 – A Revanche”, o primeiro filme da série que Sylvester Stallone não apenas escreveu o roteiro e atuou, mas também dirigiu.

            Em primeiro lugar, admito que uma continuação de “Rocky” não era uma das coisas mais necessárias do cinema. O primeiro filme é perfeitamente “fechado”, uma saga do anonimato à fama que não precisaria de outro filme para conclui-la.
            Porém, fiquei surpreso com o quanto que “Rocky 2” se faz necessário. Não é apenas a mesma história do primeiro filme. Quero dizer, sim, muito de sua estrutura narrativa é quase idêntico (embora, considerando o quão simples a estrutura narrativa de “Rocky” é e o quanto ela precisa manter-se simples para ter o charme que tem, não havia muitas outras opções), mas ao mesmo tempo em que pega bastante coisa emprestado do primeiro filme, também desenvolve sua história de um jeito bastante natural. É possível dizer que foi mais ou menos nesse filme que Rocky Balboa deixou de ser apenas um protagonista de um filme legal e passou a ser uma pessoa, e a franquia “Rocky” sua “biografia”.

            “Rocky 2”, embora tenha sido feito três anos após o original, começa imediatamente após a luta entre Rocky Balboa e Apollo Creed, com ambos chegando no hospital para terem seus ferimentos tratados. Assim que Apollo vê Rocky, porém, com os dois ainda em suas cadeiras de rodas e rodeados de jornalistas, começa a dizer que Rocky só não foi nocauteado por pura sorte, e que Creed seria capaz de nocauteá-lo “em qualquer lugar, a qualquer hora”. Em outras palavras, Creed quer que Rocky peça uma revanche, apesar de ambos terem concordado ao final da luta no primeiro filme que não haveria revanche, independentemente do resultado.
            Acontece que Rocky não quer uma revanche; aliás, ele nem quer mais lutar, considerando agora em se “aposentar”, casar com Adrian e ter algum emprego que não o faça levar quinhentos socos em uma única noite, decisão que lhe é incentivada depois que o médico lhe diz que sua luta com Creed danificou severamente seu olho, e que uma nova luta poderia deixa-lo cego. E, de fato, assim que sai do hospital as primeiras coisas que ele faz são pedir Adrian em casamento e assinar um contrato de US$ 300 mil para participar em comerciais. Ao longo dos dias seguintes, Rocky compra um carro, roupas caras, joias e uma boa casa. Adrian a princípio fica preocupada com todas essas depesas, mas suas preocupações logo se diluem ao descobrir que está grávida.

            Mas, sendo um filme, não demora muito para as coisas começarem a desandar, pois o contrato de Rocky para fazer comerciais é logo cancelado devido a sua incapacidade de atuar.
            Eu sinto que deveria fazer uma piada aqui, mas considerando a onda de fúria depois que Stallone não ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante esse ano, irei deixa-lo em paz. Apesar de ele também ter atuado em “Cobra” e “O Juíz”, mas mesmo assim, dessa vez deixarei de lado a oportunidade de fazer uma piada fácil.

                Rocky até tenta procurar então algum emprego decente, mas devido a sua baixa escolaridade e principalmente devido à sua fama de lutador, a única coisa que ele consegue é um trabalho extremamente cansativo no açougue onde ele treinou no primeiro filme... E do qual, apesar de sua dedicação, ele é demitido logo em seguida devido a um corte de pessoal. Devido às dificuldades financeiras, Adrian arruma um emprego de meio período no pet shop em que trabalhava no primeiro filme, o que além de colocar sua gravidez em risco devido ao esforço pesado, fere também o orgulho de Rocky, que então se vê obrigado a se rebaixar ao último nível e virar faxineiro em sua antiga academia de boxe, tendo que limpar o suor e os baldes de cuspe daqueles que antes o viam como um herói.
            Ao mesmo tempo, vê-se que Apollo Creed também não está em uma boa situação. Apesar de ter ganhado a luta por pontos, ele constantemente recebe cartas de ódio de pessoas dizendo que sua vitória foi comprada, que Rocky devia ter ganhado. Algumas delas chegam a ser bem pesadas, com Creed lendo uma em voz alta que diz que ele deveria se matar! (como um jovem do século 21, de certa forma essas cartas me dão um alívio por mostrar que o chorume humano não foi inventado pela internet) Sua família, seu treinador e seus assessores, todos o aconselham a não ter uma revanche com Rocky, pois sabem que ele não se deixará ser nocauteado, não importa quantas vezes Creed bata nele, mas este não quer saber. Ele quer provar ao mundo que sua vitória no filme anterior não foi uma fraude, e que ele é capaz de vencê-lo de novo de forma inquestionável. E, para isso, ele está disposto a manchar sua reputação e humilhar publicamente Rocky para incentiva-lo a pedir por uma revanche... O que é óbvio que Rocky pede, mas não sem antes Adrian deixar bem claro que desaprova ele arriscar sua saúde dessa forma.

            Como uma boa continuação, “Rocky 2” é mais complexo que o filme original, desenvolvendo mais seus personagens, porém sem perder a simplicidade do primeiro filme. Tudo em “Rocky 2” é sobre os personagens, com quase todos do primeiro filme retornando e quase nenhum novo sendo acrescentado. Isso ajuda a lhe dar maior importância, fazendo com que o primeiro filme e este pareçam uma coisa só, de fato a “Parte 1” e a “Parte 2” de uma única grande saga. É nesse filme também que alguns dos personagens secundários deixaram de ser apenas rostos falantes que mudam a vida de Rocky e passam a ser personagens de verdade, com suas personalidades, modos de pensar e papeis mais bem definidos: Adrian passa a ser não apenas o amor da vida de Rocky, mas também o apoio moral que decide se ele irá participar de uma nova luta ou não; Mickey torna-se o treinador com métodos pouco ortodoxos (para Rocky melhorar sua velocidade, ele o manda pegar uma galinha) e a boca pronta para insultar qualquer um, mas que está o tempo todo ao lado de Rocky para garantir que este não desista de lutar e dar o seu melhor e que lhe serve como uma espécie de figura paterna (a ponto de a imagem que aparece durante os créditos finais do filme ser a de Rocky e Mickey se abraçando); e Creed torna-se o grande adversário de Rocky, ambos tendo uma relação de ódio mas também de respeito pela força um do outro.
            Aliás, é interessante notar o constante paralelo que o filme faz entre Rocky e Creed: Ambos são constantemente avisados pelos seus conhecidos para não lutarem de novo um contra o outro, pois tal luta poderia destruí-los, porém ambos acabam aceitando o desafio, não apenas porque resolver essa disputa é o único jeito de recuperarem seus respectivos respeitos e autoestimas e de seguirem em frente com suas vidas, mas também porque lutar é a única coisa que ambos sabem fazer bem. Assim, enquanto no primeiro filme a carga emocional estava toda em Rocky, pois a luta importava apenas para ele enquanto Creed levava tudo na brincadeira, agora a luta é importante para ambos, e ambos os lados possuem assim sua carga emocional... Embora, como seria de se imaginar, torça-se mais por Rocky, a grande zebra da história dos filmes de esporte.

            E então temos a direção de Sylvester Stallone. E quanto a ela, posso dizer... É, poderia ser melhor. Quero dizer, claramente Stallone aprendeu bastante coisa sobre como dirigir um filme com John Avildsen, porém não sem dar seus próprios toques pessoais a esse filme. E honestamente nem todos eram necessários, a maioria deles dando ao filme um tom bem mais brega, como o excesso de câmeras lentas, toda a cena de Rocky tentando fazer um comercial (que, se for levar em consideração os comerciais dos anos 70 que tive a chance de assistir, não é tão fora da realidade, mas mesmo assim não deixa de ser um tanto ridículo) e, claro, a forma como Stallone resolveu repetir a cena da corrida até a escadaria: Com aparentemente todas as crianças de Philadelphia correndo junto com ele por nenhum motivo que não seja... Bem, porque ele é Rocky Balboa e Stallone achou que isso ficaria mais legal que a cena de Avildsen, o que apenas... Não.
            Mas ei, estamos comparando aqui o cara que veio a dirigir mais tarde “Karate Kid” com o cara que veio a dirigir mais tarde a continuação de “Os Embalos de Sábado a Noite”. É preciso dizer mais?

            Embora, se for dar um crédito à direção de Stallone, é que ele dá muito mais intensidade para o treinamento e para a luta final. Enquanto no primeiro filme Avildsen tentava dar ao treinamento de Rocky, assim como ao filme todo, um tom dramático e até meio artístico, aqui Stallone usa o treinamento para mostrar o quanto que essa luta significa para seu personagem. O tempo todo, enquanto levanta pesos, faz flexões, abdominais ou soca sacos de pancada, ele está grunhindo, enquanto Mickey lhe grita “Mais rápido! Mais rápido!”. A própria trilha sonora dá maior intensidade à cena, pois durante seu treinamento toca “Going the Distance”, a mesma música que tocou durante a luta de Rocky e Creed no primeiro filme, mostrando que o treinamento dessa vez é tão importante quanto a luta em si, pois se Rocky não conseguir se tornar mais forte e mais rápido que Creed ele pode levar um soco que o deixará cego de vez. E tal intensidade é justificada pelo enredo do filme, pois no começo Rocky não consegue se focar no treinamento devido à desaprovação de Adrian, e após um incidente sobre o qual não falarei aqui, ele até considera desistir da revanche. Mas quando ele finalmente leva o treinamento a sério (de novo, por um motivo que não falarei aqui para não estragar o filme), ele passa a leva-lo realmente a sério. O objetivo agora não é mais apenas aguentar até o último round, como na luta anterior: Agora ele precisa vencer, e para isso ele precisa melhorar a qualquer custo.
            E então temos a luta final, a tão esperada revanche entre Rocky e Creed. E se a luta do filme original já foi brutal, dessa vez é um verdadeiro massacre, pois Creed, mais do que interessado em vencer, está interessado em nocautear Rocky a qualquer custo. E, de fato, Rocky é derrubado logo no primeiro round. Claro que ele se levanta logo em seguida, mas é evidente quem está tendo a vantagem na luta. Dessa vez, não é nenhuma “luta do século”: Como Mickey diz a Rocky, “Esse cara não quer apenas vencer, ele quer te enterrar, ele quer te humilhar, ele quer provar ao mundo inteiro que não foi nada além de uma aberração a primeira vez”. E é isso que Creed faz, dando soco após soco em Rocky sem que esse consiga se defender, todo o seu treino apenas evitando que ele morra.
E mesmo assim, Rocky continua de pé. Na metade do filme, falando sobre a luta anterior entre os dois, o treinador de Creed diz: “Eu vi você bater naquele homem como nunca vi homem algum apanhar antes, e o homem continuava vindo em sua direção”. Essa é a melhor descrição possível para essa revanche, multiplicada por dez. E, como tudo nos filmes de “Rocky”, a trilha sonora torna a luta ainda mais impactante. Dessa vez, porém, não é o tom esperançoso do homem que está fazendo um milagre de “Going the Distance”; a trilha que toca aqui é “Conquest”, mais pesada, dura, até militar, mostrando que dessa vez, o clima entre Rocky e Creed é de guerra, e que se for necessário eles podem muito bem se matar no ringue, um ao outro e a si mesmos. E quando chega o último round... Bom, pararei por aqui para não lhes estragar a experiência de assistir o filme.


Avaliação: Vale a pena.