domingo, 20 de dezembro de 2015

Adeus Minha Concubina

Ok, então esse filme precisa de uma pequena contextualização.
            Então, esses dias eu e meus colegas da faculdade estávamos fazendo um inimigo secreto. Todos os presentes eram zoados e tinham a intensão de tirar um pouquinho de sarro das caras que vínhamos vendo praticamente todo dia desde o início do semestre. É nesse momento em que ganho um VHS de um filme chamado “Adeus, Minha Concubina”.

            Ainda bem que meu pai tem um aparelho de VHS em casa, senão eu não poderia assistir o filme e escrever minhas impressões sobre ele nesse blog, não?
            Ok, contextualização terminada, vamos falar sobre o filme. Lançado originalmente em 1993, “Adeus Minha Concubina” é um filme chinês dirigido por Chen Kaige e estrelando alguns dos principais atores chineses da época, como Leslie Cheung e Gong Li. Infelizmente, no momento não assisti muitos filmes chineses. Na verdade, o único filme 100% chinês que me lembro de ter assistido é “Herói” (Sobre o qual prometo que irei escrever algum dia). Mas ei, antes tarde do que nunca, não?

                O enredo do filme se estende ao longo de mais de 50 anos, começando em 1924, quando Douzi, filho de uma prostituta, é deixado pela mãe em uma escola de ópera, pois o menino está velho demais para viver em um bordel. Na escola, Douzi logo faz amizade com Shitou, um dos outros meninos que lá vivem. O filme então prossegue mostrando o árduo e sofrido treinamento dos alunos da escola, com constantes torturas físicas e psicológicas. Se eles recitarem suas falas da forma errada, são espancados para não cometerem erros de novo; se recitarem corretamente, são espancados também, para se lembrarem da forma correta; e qualquer desobediência é castigada com segurar uma bacia cheia de água sobre a cabeça por horas a fio. Shitou é um grande cantor e, por ser mais robusto, é encarregado de fazer papeis masculinos; Douzi, mais afeminado, é treinado para atuar em papeis femininos, mas possui problemas em assumir a identidade feminina de suas personagens; é apenas quando ele finalmente entra de cabeça em seus papeis que sua atuação se torna sublime.

                Os anos passam, Douzi e Shitou tornam-se adultos (Interpretados respectivamente por Leslie Cheung e Zhang Fengyi) e assumem os nomes artísticos de Cheng Dieyi e Duan Xiaolou. Os dois estão entre os maiores atores de Pequim, famosos pela sua interpretação da ópera “Adeus Minha Concubina”, sobre um rei que, prestes a ser derrotado em batalha, não consegue convencer sua concubina de fugir e se salvar da morte iminente. Dieyi, que interpreta a concubina, assim como a personagem possui uma paixão obsessiva por Xiaolou, mas este não a retribui, apaixonando-se ao invés por uma prostituta, Juxian (Gong Li), com quem decide se casar. Como se pode imaginar, Dieyi não fica nem um pouco satisfeito com isso.

            O que pode parecer apenas mais um melodrama, porém, rapidamente cresce em profundidade, à medida que ele é diretamente afetado pelos turbulentos eventos que mexeram com a China nos anos seguintes: A ocupação de Pequim pelas tropas japonesas em 1937, a derrubada do governo republicano por Mao Tsé-Tung após a 2ª Guerra Mundial, a Revolução Cultural na década de 60... Tudo isso é visto através dos olhos desses três personagens, que se afastam e se reaproximam toda vez que o destino lhes traz um novo desafio.

            Apesar de assustar com sua estonteante duração de 160 minutos (E isso porque o VHS é uma distribuição antiga, com cortes – a versão original do filme possui onze minutos a mais!), “Adeus Minha Concubina” é um filme que não dá o sono que se esperaria de um drama tão longo – ao contrário, ao final cheguei a me sentir exausto: Tratando dos anos mais conturbados de um dos maiores países do mundo, tudo no filme é gigantesco. Há, claro, longas tomadas em que aparecem no máximo apenas os três personagens principais; mas quando não é esse o caso, tem-se centenas de figurantes em cena, gritando, cantando, tocando instrumentos, ora celebrando ora exigindo o linchamento de alguém. Quando não são os figurantes, são os cenários que dão a grandeza ao filme, sempre coloridos, muitas vezes suntuosos e ricos em detalhes. Mesmo as cenas mais simples não deixam de ter sua dose de elaboração visual, comparável às vestimentas que os atores de ópera utilizam. Aliás, não faz parte das características da ópera ela ser altamente elaborada e dramatizada, transmitindo a sensação de algo maior que a vida? É essa a sensação que “Adeus Minha Concubina” transmite.

            “Adeus Minha Concubina”, porém, não é apenas beleza; é também choque. A primeira meia hora do filme, mostrando os sofrimentos pelos quais os meninos da escola de ópera passam para se tornarem atores, é de revirar o estômago, e com certeza não é adequada para os cinéfilos mais sensíveis. Se bem que esses demoram menos de dez minutos para perceber isso, pois logo no começo Douzi é recusado na escola por nascer com seis dedos em uma das mãos, e sua mãe, sem outra alternativa, pega um cutelo é corta o dedo extra fora, com toda a gritaria e sangue que se esperaria de uma cena dessas. Mas a tortura não para na escola: Cada mudança na política da China é um novo sofrimento para os personagens principais, uma nova humilhação, seja nas mãos dos japoneses, dos nacionalistas ou dos comunistas. Ninguém parece querer deixar os atores em paz, e ceder às exigências de um torturador significa apenas ser malvisto aos olhos do próximo. Seguir em frente atuando torna-se, ao mesmo tempo, a salvação e a perdição dos personagens. O curioso, porém, é que o filme toda vez mostra as justificativas por trás da brutalidade: A mãe arrancou o dedo do filho pois tinha que fazê-lo entrar na escola de ópera; os professores batem nos estudantes com espadas de madeira para estes não ficarem moles e folgados; os nacionalistas prendem os atores por considera-los traidores por encenarem para os japoneses; os comunistas os humilham em público por verem neles a permanência dos hábitos feudais da China imperial. É como se o filme fizesse uma crítica ao fato de essa tortura, tanto física quanto psicológica, ser uma parte histórica da cultura chinesa, mas ao mesmo tempo a aceitasse como inevitável.

            Falando em coisas inevitáveis, o filme todo lida com o conceito de destino. A palavra, aliás, é repetida um monte de vezes pelos mais diversos personagens. O ponto ao qual o filme quer chegar é simples: Cada um tem seu próprio destino, e embora não possa lutar contra ele, é ao mesmo tempo responsável por este. Um dos personagens do filme chega a dizer isso quase que nessas palavras, ao descrever a história da ópera da qual o filme (e o livro no qual ele é baseado, de Lilian Lee, mas que como não li resolvi não comentar) tira seu título. Algo semelhante a um karma, se é possível dizer. Os personagens do filme não podem evitar que os eventos históricos e mudanças políticas aconteçam e afetem suas vidas; eles são responsáveis, porém, pelas escolhas que fazem a partir disso. Da mesma forma como a concubina escolheu ficar junto de seu rei até a morte, apesar da derrota inevitável, cada personagem escolhe o que fazer com sua vida em meio à tudo que não conseguem controlar.

            Nada mal para um filme que ganhei de inimigo secreto, não?


Avaliação: Vale muito a pena

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