Ok, então esse filme precisa de uma
pequena contextualização.
Então,
esses dias eu e meus colegas da faculdade estávamos fazendo um inimigo secreto.
Todos os presentes eram zoados e tinham a intensão de tirar um pouquinho de
sarro das caras que vínhamos vendo praticamente todo dia desde o início do
semestre. É nesse momento em que ganho um VHS de um filme chamado “Adeus, Minha
Concubina”.

Ainda
bem que meu pai tem um aparelho de VHS em casa, senão eu não poderia assistir o
filme e escrever minhas impressões sobre ele nesse blog, não?
Ok,
contextualização terminada, vamos falar sobre o filme. Lançado originalmente em
1993, “Adeus Minha Concubina” é um filme chinês dirigido por Chen Kaige e
estrelando alguns dos principais atores chineses da época, como Leslie Cheung e
Gong Li. Infelizmente, no momento não assisti muitos filmes chineses. Na verdade,
o único filme 100% chinês que me lembro de ter assistido é “Herói” (Sobre o
qual prometo que irei escrever algum dia). Mas ei, antes tarde do que nunca,
não?

O
enredo do filme se estende ao longo de mais de 50 anos, começando em 1924, quando
Douzi, filho de uma prostituta, é deixado pela mãe em uma escola de ópera, pois
o menino está velho demais para viver em um bordel. Na escola, Douzi logo faz
amizade com Shitou, um dos outros meninos que lá vivem. O filme então prossegue
mostrando o árduo e sofrido treinamento dos alunos da escola, com constantes
torturas físicas e psicológicas. Se eles recitarem suas falas da forma errada,
são espancados para não cometerem erros de novo; se recitarem corretamente, são
espancados também, para se lembrarem da forma correta; e qualquer desobediência
é castigada com segurar uma bacia cheia de água sobre a cabeça por horas a fio.
Shitou é um grande cantor e, por ser mais robusto, é encarregado de fazer
papeis masculinos; Douzi, mais afeminado, é treinado para atuar em papeis
femininos, mas possui problemas em assumir a identidade feminina de suas
personagens; é apenas quando ele finalmente entra de cabeça em seus papeis que
sua atuação se torna sublime.

Os
anos passam, Douzi e Shitou tornam-se adultos (Interpretados respectivamente
por Leslie Cheung e Zhang Fengyi) e assumem os nomes artísticos de Cheng Dieyi
e Duan Xiaolou. Os dois estão entre os maiores atores de Pequim, famosos pela
sua interpretação da ópera “Adeus Minha Concubina”, sobre um rei que, prestes a
ser derrotado em batalha, não consegue convencer sua concubina de fugir e se
salvar da morte iminente. Dieyi, que interpreta a concubina, assim como a
personagem possui uma paixão obsessiva por Xiaolou, mas este não a retribui,
apaixonando-se ao invés por uma prostituta, Juxian (Gong Li), com quem decide
se casar. Como se pode imaginar, Dieyi não fica nem um pouco satisfeito com
isso.

O
que pode parecer apenas mais um melodrama, porém, rapidamente cresce em profundidade,
à medida que ele é diretamente afetado pelos turbulentos eventos que mexeram
com a China nos anos seguintes: A ocupação de Pequim pelas tropas japonesas em
1937, a derrubada do governo republicano por Mao Tsé-Tung após a 2ª Guerra
Mundial, a Revolução Cultural na década de 60... Tudo isso é visto através dos olhos
desses três personagens, que se afastam e se reaproximam toda vez que o destino
lhes traz um novo desafio.

Apesar
de assustar com sua estonteante duração de 160 minutos (E isso porque o VHS é
uma distribuição antiga, com cortes – a versão original do filme possui onze
minutos a mais!), “Adeus Minha Concubina” é um filme que não dá o sono que se
esperaria de um drama tão longo – ao contrário, ao final cheguei a me sentir
exausto: Tratando dos anos mais conturbados de um dos maiores países do mundo, tudo
no filme é gigantesco. Há, claro, longas tomadas em que aparecem no máximo
apenas os três personagens principais; mas quando não é esse o caso, tem-se
centenas de figurantes em cena, gritando, cantando, tocando instrumentos, ora
celebrando ora exigindo o linchamento de alguém. Quando não são os figurantes,
são os cenários que dão a grandeza ao filme, sempre coloridos, muitas vezes
suntuosos e ricos em detalhes. Mesmo as cenas mais simples não deixam de ter
sua dose de elaboração visual, comparável às vestimentas que os atores de ópera
utilizam. Aliás, não faz parte das características da ópera ela ser altamente
elaborada e dramatizada, transmitindo a sensação de algo maior que a vida? É
essa a sensação que “Adeus Minha Concubina” transmite.

“Adeus
Minha Concubina”, porém, não é apenas beleza; é também choque. A primeira meia
hora do filme, mostrando os sofrimentos pelos quais os meninos da escola de
ópera passam para se tornarem atores, é de revirar o estômago, e com certeza
não é adequada para os cinéfilos mais sensíveis. Se bem que esses demoram menos
de dez minutos para perceber isso, pois logo no começo Douzi é recusado na
escola por nascer com seis dedos em uma das mãos, e sua mãe, sem outra
alternativa, pega um cutelo é corta o dedo extra fora, com toda a gritaria e
sangue que se esperaria de uma cena dessas. Mas a tortura não para na escola:
Cada mudança na política da China é um novo sofrimento para os personagens
principais, uma nova humilhação, seja nas mãos dos japoneses, dos nacionalistas
ou dos comunistas. Ninguém parece querer deixar os atores em paz, e ceder às
exigências de um torturador significa apenas ser malvisto aos olhos do próximo.
Seguir em frente atuando torna-se, ao mesmo tempo, a salvação e a perdição dos personagens.
O curioso, porém, é que o filme toda vez mostra as justificativas por trás da
brutalidade: A mãe arrancou o dedo do filho pois tinha que fazê-lo entrar na
escola de ópera; os professores batem nos estudantes com espadas de madeira
para estes não ficarem moles e folgados; os nacionalistas prendem os atores por
considera-los traidores por encenarem para os japoneses; os comunistas os
humilham em público por verem neles a permanência dos hábitos feudais da China
imperial. É como se o filme fizesse uma crítica ao fato de essa tortura, tanto
física quanto psicológica, ser uma parte histórica da cultura chinesa, mas ao
mesmo tempo a aceitasse como inevitável.

Falando
em coisas inevitáveis, o filme todo lida com o conceito de destino. A palavra,
aliás, é repetida um monte de vezes pelos mais diversos personagens. O ponto ao
qual o filme quer chegar é simples: Cada um tem seu próprio destino, e embora
não possa lutar contra ele, é ao mesmo tempo responsável por este. Um dos
personagens do filme chega a dizer isso quase que nessas palavras, ao descrever
a história da ópera da qual o filme (e o livro no qual ele é baseado, de Lilian
Lee, mas que como não li resolvi não comentar) tira seu título. Algo semelhante
a um karma, se é possível dizer. Os personagens do filme não podem evitar que
os eventos históricos e mudanças políticas aconteçam e afetem suas vidas; eles
são responsáveis, porém, pelas escolhas que fazem a partir disso. Da mesma
forma como a concubina escolheu ficar junto de seu rei até a morte, apesar da
derrota inevitável, cada personagem escolhe o que fazer com sua vida em meio à
tudo que não conseguem controlar.

Nada
mal para um filme que ganhei de inimigo secreto, não?
Avaliação: Vale muito a pena
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