terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A Ratinha Valente

            Lendo minha postagem passada sobre “Scooby-Doo na Ilha dos Zumbis”, notei que ao final da análise do filme citei um diretor sobre o qual venho querendo falar desde... Bem, desde que comecei esse blog, sendo sincero: Don Bluth.

            É provável que muitos de vocês não reconheçam seu nome ou seu rosto, mas provavelmente em algum momento passaram por alguma de suas animações. Bluth é responsável por filmes que fizeram parte da infância de muitas pessoas, como “Em Busca do vale Encantado”, “Um Conto Americano” e “Anastasia”. Além disso, também fez a animação do jogo de videogame “Dragon’s Lair”, e atualmente está arrecadando fundos para a produção de um filme baseado no jogo. Como se pode ver, ele é um mestre da animação, e embora durante muito tempo ele tenha sofrido com estúdios assumindo cada vez mais controle sobre seus filmes (com o auge disso em “O Cristal e o Pinguim”, filme que até o próprio Don Bluth odeia), seus projetos mais autorais são possivelmente algumas das melhores animações que já vi. E, nada melhor para começar a falar desse diretor do que analisando seu primeiro e, na minha opinião, melhor longa-metragem, “A Ratinha Valente”.

            O filme foi lançado em 1982, pouco depois de Don Bluth sair da Disney e criar seu próprio estúdio de animação, Don Bluth Productions, porém a impressão que se tem ao assistir esse filme é a mesma dos primeiros longas-metragens de Walt Disney, como “Branca de Neve” e “Bambi”. Bluth claramente cresceu assistindo e amando esses filmes, e, decepcionado com os rumos que o setor de animação da Disney estava seguindo, decidiu fazer um filme mais nostálgico, que passasse a sensação daquelas animações antigas... Embora não sem alguns toques autorais do diretor.
            
            “A Ratinha Valente” é baseado em um livro de Robert C. O’Brien (infelizmente, ainda sem tradução para o português), e conta a história de Sra. Brisby, uma camundonga recém-viúva que vive dentro de um tijolo na fazenda do Sr. Fitzgibbon. Um de seus filhos, Timothy, está sofrendo de pneumonia, e a Sra. Brisby descobre que, apesar dos melhores remédios, seu filho não poderá sair de casa por três semanas, ou morrerá. Infelizmente, no dia seguinte começa a colheita na fazenda, e sua casa fica bem no caminho do trator do Sr. Fitzgibbon, podendo ser destruída por este a qualquer momento. A única forma de evitar isso é movendo o enorme tijolo para um ponto mais elevado, algo que aparentemente nenhum animal que ela conhece é capaz de fazer. É assim que, em sua busca desesperada por um modo de salvar sua família, Sra. Brisby descobre uma sociedade secreta de ratos, que, após experimentos de laboratório, tornaram-se extremamente inteligentes, sendo capazes de usar tecnologia elétrica a níveis de ficção científica, que vivem escondidos em uma roseira, e dos quais aparentemente seu falecido marido fazia parte.

            Oh, por onde começo a falar sobre esse filme?
            Primeiro, vamos falar sobre a atmosfera do filme. À típica maneira de Don Bluth, é impressionante o quanto esse filme consegue ser belo e assustador ao mesmo tempo. Bluth consegue, através da animação do filme, criar um mundo cheio de perigos, com tudo assumindo proporções gigantescas do ponto de vista de um camundongo. Um gato ou uma coruja são criaturas terríveis, capazes de te esmagar com uma única pata. Uma gaiola é uma prisão da qual é quase impossível escapar. Os simples espinhos de uma roseira parecem tão impenetráveis quanto a floresta de espinhos de “A Bela Adormecida”. Um trator então? O ronco de um trator chega a parecer algo apocalíptico, a morte iminente para qualquer pequeno animal.

            Ao mesmo tempo, porém, é um mundo cheio de belezas, as pequenas coisas que apreciamos no nosso dia-a-dia tornando-se maiores e mais coloridas, parecendo algo saído de um conto de fadas. Flores, orvalho, uma simples pedra... São coisas que nesse filme possuem uma beleza estonteante.
Assim, o filme pode criar uma tensão com cenários ameaçadores como:

            Mas logo em seguida trazer um cenário belo como:

            E, claro, nada se compara ao silêncio de um dia pacífico no campo, indicando que todo o perigo finalmente acabou.
            Aliás, vamos falar do silêncio nesse filme? Embora trilha e efeitos sonoros estejam presentes em boa parte das cenas, é difícil não notar a sensação de quietude em “A Ratinha Valente”. Ao contrário da maioria dos filmes infantis, que tentam chamar o tempo todo a atenção das crianças com barulhos, canções e cores vibrantes, esse segue o caminho oposto. Os barulhos se limitam geralmente aos sons da natureza, da água, do vento e de coisas roçando uma na outra. As cores, embora estejam bastante presentes em alguns cenários, não são vibrantes e vivas, e a maior parte do tempo o filme é bem escuro. E quanto às canções, o filme só tem uma. E ela é tão triste! Não basta ela ser lenta, quase uma canção de ninar; ela tem que ser cantada enquanto Sra. Brisby dá remédio para seu filho moribundo, enquanto os outros filhos dela se perguntam se o irmão vai morrer. Eu não sou de chorar em filme, mas essa cena me deixou com olhos úmidos.

            Mas então, se não há nem barulhos, nem cores vivas e nem canções, o que sobra em “A Ratinha Valente”? A resposta é simples: Uma das melhores narrativas visuais que já vi em um filme. Entenda, em quase qualquer filme, mas principalmente em filmes infantis, é importante as imagens participarem da narrativa tanto quanto ou até ainda mais que os diálogos. Afinal, é isso que separa um filme de, digamos, um livro. Um livro quase sempre possui diálogos, e longas descrições, e tudo o necessário para que você entenda a história através das palavras; um filme, porém, possui algo que até então quase nenhuma outra grande mídia tinha: A imagem. Caramba, as origens do cinema eram mudas, então era necessário saber contar uma história quase exclusivamente através de imagens! Essa mesma narrativa visual se torna extremamente necessária também em filmes infantis. Crianças nem sempre entenderão os diálogos dos personagens. Pelo menos eu, quando criança, muitas vezes não fazia a menor ideia do que as pessoas nos filmes estavam falando! A grande maioria das crianças, porém, são capazes de compreender imagens. Por isso é tão importante em um filme infantil contar sua história através delas.
            É isso que “A Ratinha Valente” faz. A história por vezes pode ser um tanto complexa, especialmente quando a política dos ratos é trazida em cena, porém é perfeitamente possível entender o filme através de suas imagens. Duvida? Faça o seguinte experimento: Assista o filme com o volume mudo. Você verá que será capaz de mesmo assim entender a história. Embora, se não for pelo experimento, recomendo assistir o filme com som: A trilha sonora, composta por Jerry Goldsmith, é muito, muito boa, e contribui para a compreensão do filme quase tanto quanto as imagens. Aliás, por que o filme tem diálogos, afinal? Fica difícil acreditar que ele foi inspirado em um livro!

            Mas mesmo uma excelente animação e narrativa não tornam um filme excelente, a menos que ele possua um(a) personagem principal interessante. E aí entra em cena Sra. Brisby. E como ela se sai? Bem... Digamos que ela é possivelmente uma das personagens mais corajosas da história do cinema. Não que ela não tenha medo. Pelo contrário, o filme inteiro você vê que ela está quase fugindo de pavor. E não é para menos: Ao longo do filme, ela encontra um gato demoníaco, uma coruja de cujo ninho ninguém jamais voltou, precisa fugir de uma gaiola presa por arame e pendurada no teto e ainda, quando o trator ameaça esmagar sua casa com Timothy dentro, ela tenta para-lo. Deixa-me repetir isso: Uma camundonga, que cabe na palma da tua mão, tendo que parar um trator! E adivinhem só: Apesar de todo o medo do mundo, ela enfrenta esses perigos todos. Voluntariamente até, na maioria dos casos! E tudo isso por quê? Por causa do amor que tem por seus filhos. Quando ela enfrenta um novo perigo, apesar de todo o pavor, ela o faz porque não quer ver seus filhos morrerem. A ponto de, ao entrar no ninho da Grande Coruja, que pode tanto lhe dar a resposta de como mover sua casa quanto devorá-la, ela repete para si mesmo “Lembre-se de Timothy” para não fugir de lá.
            Pensando agora, Sra. Brisby talvez não seja apenas uma das personagens mais corajosas do cinema; ela pode também muito bem ser uma das melhores mães. Seja atravessando uma floresta de espinhos escura e desconhecida, seja enfrentando um monstro mecânico com mais de mil vezes seu tamanho sem fazer a menor ideia de como para-lo, seja botando a mão no fogo, tanto no sentido figurativo quanto no literal, ela faz tudo, absolutamente qualquer coisa para salvar sua família. E quando ela finalmente se reúne com seus filhos, ela continua sendo uma boa mãe: Cuida deles quando precisam, ri com eles quando está tudo bem, educa eles quando estes fazem algo de errado... E claramente dá pra perceber que estes a adoram, mesmo quando ela não está na capacidade de lhes dar toda a atenção.

                Ainda assim, Sra. Brisby não é nenhuma super-heroína. Por mais corajosa que seja, ela ainda assim não é capaz de resolver tudo sozinha. Aliás, ninguém nesse filme é: Todos os personagens que Sra. Brisby encontra em seu caminho acabam a ajudando em algo que ela não consegue fazer por conta própria, e da mesma forma ela os ajuda com seus problemas. Não há nenhum “messias” que resolve todos os problemas de todo mundo. E mesmo que o final possa parecer um “Deus ex Machina” (para quem não conhece o termo, significa uma resolução para todos os problemas de uma história, que aparece no último momento de forma inesperada), ele não seria possível sem os personagens se ajudarem uns aos outros.

            É triste pensar que um diretor que fez um filme tão genial quanto este tenha tido uma carreira tão conturbada, entre problemas financeiros (a Don Bluth Productions faliu devido à bilheteria modesta de “A Ratinha Valente”, e o próprio Don Bluth mais de uma vez teve problemas em financiar seus filmes) e com grandes estúdios (além da Disney, ele já trabalhou para a MGM e para a Fox, sempre saindo brigado). Depois de “A Ratinha Valente”, fica fácil entender porque Don Bluth é considerado um dos melhores animadores vivos do mundo. Pode-se apenas torcer agora que ele consiga fazer um bom filme de “Dragon’s Lair”, com o mesmo talento e esforço posto aqui.


Avaliação: vale muito a pena

domingo, 27 de dezembro de 2015

Scooby-Doo na Ilha dos Zumbis

            É hora de falar mais uma vez de Scooby-Doo, porque meu objetivo está chegando perto e tem muita coisa mais sobre a qual quero escrever.
            Após postar minha crítica de “Scooby-Doo! em Uma Noite das Arábias”, fiquei me perguntando se não havia levado o filme a sério demais. Afinal, é só um filme do Scooby-Doo! Essa franquia sempre foi conhecida por sua animação que não é lá grande coisa, seus enredos que não fazem muito sentido e sem falar em um personagem baixinho em específico cuja simples menção do nome já faz meu cérebro gritar em agonia. Claro que houve alguns bons momentos, mas ainda assim, o que é que eu esperava?
            Aí assisti “Scooby-Doo na Ilha dos Zumbis”. E então percebi que era isso que eu esperava.

            Lançado direto em vídeo em 1998, época em que a Hanna-Barbera estava sendo incorporada pela Warner Bros., “Scooby-Doo na Ilha dos Zumbis” tinha a proposta de fazer algo completamente diferente de tudo que a franquia havia feito antes. Tanto que, na época, a campanha publicitária do filme repetia que “dessa vez, os monstros são reais!”. Não que isso não tivesse sido feito antes (mais de uma vez, aliás), mas ei, o que mais esse filme tem a oferecer?
            Assim como em “Uma Noite das Arábias”, a primeira coisa que se nota em “Ilha dos Zumbis” é sua animação. Mas enquanto em “Uma Noite das Arábias” a animação era surpreendentemente ruim, em “Ilha dos Zumbis” ela é... A melhor animação que a franquia havia tido até então.

            Os contornos são menos estilizados e mais tridimensionais, as aparências dos personagens são mais realistas, a pintura é cheia de sombras e tons escuros... Em certos momentos, chega a parecer um anime. E o motivo é porque, de certa forma, É um anime: Esse foi o primeiro filme do Scooby-Doo para o qual a Warner Bros. contratou a ajuda do estúdio de animação japonês Mook Animation. E seja abençoado quem teve essa ideia! Sem falar que pela primeira vez desde que comecei esse meu projeto de assistir tudo relacionado a Scooby-Doo pude assistir um desenho sem que “falta de dinheiro” me passasse pela cabeça: Claramente a Warner Bros. estava decidida a não economizar para ter os melhores cenários e animações de personagens possíveis.

            Mas, vale lembrar que de nada adianta a melhor animação do mundo se o seu enredo é um lixo. E como o enredo de “Ilha dos Zumbis” se sai?
            O filme começa com Daphne, agora uma repórter famosa (e com isso, quero dizer que desde 1983 ela era oficialmente “agora uma repórter famosa”), contando para o que parece ser uma paródia da Oprah Winfrey que a turma se desfez de decepção, pois todo fantasma que eles investigavam se revelava na verdade apenas mais um ladrão ou contrabandista ou grileiro em uma fantasia (ué, mas não teve uma temporada inteira em que ela e o Salsicha caçavam fantasmas de verdade? Não? Está bem, então).
Ela revela também que, embora seu programa esteja fazendo sucesso, ela sente falta dos velhos tempos de resolver mistérios com seus amigos. Assim, Fred, agora seu produtor e cameraman, resolve fazer-lhe uma surpresa e chamar de volta Velma, que agora possui uma livraria (ué, mas ela não trabalhava na NASA? Não? Está bem, então), e Salsicha e Scooby, que, como sempre, vivem de bicos dos quais eles são eventualmente demitidos. Com a turma toda reunida, eles decidem ir atrás de algo que ainda não tinham encontrado juntos: Um fantasma de verdade.

            A busca deles os leva a Louisiana, onde, após alguns fracassos, eles encontram por acaso Lena Dupree, uma mulher que afirma que a casa de sua patroa, em uma ilha no meio de um pântano, é assombrada. E, de fato, assim que chegam lá coisas estranhas começam a acontecer: Frases os mandando irem embora da ilha aparecem nas paredes, fantasmas começam a serem vistos, e até mesmo Velma é levitada no ar (com Daphne comentando que “esse caso está ficando cada vez melhor” e Velma segurando a saia e respondendo “talvez do seu ponto de vista”. Porque afinal a animação não é a única coisa em que esse filme se baseou em animes!).
Os problemas de verdade, porém, começam quando Salsicha e Scooby veem um esqueleto ser trazido de volta à vida, criar carne e se transformar em um zumbi pirata, com a espada manchada de sangue.

           
            Hum... Antes de iniciar a discussão um tanto necessária quanto a se isso é de borrar as calças ou não (porque acreditem, quando eu começar a falar disso não serei capaz de falar de mais nada), vamos falar sobre os outros aspectos do filme.
            Em primeiro lugar, seu ritmo. Quando se fala de Scooby-Doo (aliás, quando se fala de qualquer desenho da Hanna-Barbera), espera-se que o desenho seja rápido, e agitado, e sem nenhum momento para respirar. Fiquei surpreso com “Ilha dos Zumbis” possuir um ritmo bastante gostoso de assistir. Parece até que os animadores não tinham pressa de acabar o filme, então iam prolongando algumas cenas à vontade, sem medo de serem felizes. Mais ou menos como um filme do Miyazaki, só que... Bem... Scooby-Doo. Isso dá certa leveza para o filme, não necessariamente no sentido de ele ser alegre e colorido (santa inocência!), mas no sentido de não cansar o público, ao mesmo tempo em que não o faz pegar no sono. É mais ou menos como um pão: Ele precisa crescer e ter um tanto de ar dentro para ficar macio, pois um pão solado e duro é quase incomível.
Sem bem que, se for pra falar um ponto negativo do filme, é que por vezes ele se deixa respirar demais. Quero dizer, o filme tem 77 minutos, com créditos e tudo, e se chama “Scooby-Doo na Ilha dos Zumbis”. Mesmo assim, os personagens só chegam à ilha em si após vinte minutos, e o primeiro zumbi só aparece após 35! Qual é! Nem “Skyfall” demorou tanto para revelar seu vilão!

Ok, demorou mais de uma hora, mas mesmo assim! Quase metade do filme e nenhum zumbi?! Eu quero ver zumbis!
            ...Acho que pedi demais, não?
            Mas, pensando agora... Os filmes de monstros da Universal não eram também assim? Não tinham também um ritmo mais lento? E Scooby-Doo não é desde seu início inspirado nos filmes de monstros da Universal? Fica a reflexão.
            Outro problema do filme: Muitos personagens e “subenredos”. Muitos deles praticamente não aparecem e não levam a lugar nenhum além de algumas piadas. Eu sei que isso sempre foi um recurso comum em Scooby-Doo para criar pistas falsas, mas esse filme abusa um pouco da fórmula. Um em especial envolve um pescador rabugento que tem um javali de estimação e quer pescar um peixe-gato gigante (aliás, querem um motivo para assistirem esse filme em inglês? O pescador é dublado por Mark Hamill. Sim, o próprio Luke Skywalker. Porque eu nunca ficarei livre de Star Wars!).
Aliás, esse é um ângulo um tanto... Não muito amigável para se desenhar, não?
É, como se pode perceber, “Ilha dos Zumbis” não está nem aí para fazer algo leve (no sentido comum) e engraçadinho, como Scooby-Doo sempre foi. Os criadores desse filme realmente queriam fazer algo completamente diferente, e a palavra-chave foi “sombrio”: tudo no filme é feito de forma que o público sinta uma tensão no ar. Mesmo uma cena em que a turma está apenas dirigindo a van deles em plena luz do dia possui uma trilha sonora de terror. Mas é quando os zumbis aparecem que o “sombrio” do filme se transforma no que posso apenas descrever como “terror para crianças”, com cenas maravilhosamente assustadoras como:

E:

E:

E:

            E não vamos esquecer da fonte dos pesadelos do seu primo mais novo:

            Um filme para toda a família!
            Se bem que, para o crédito do filme, ele faz uma homenagem bastante boa aos filmes de zumbis, com direito a todas as cenas típicas do gênero: O carro que demora pra funcionar, as luzes que se apagam sem muita explicação, barulhinhos que causam histeria em massa, e, é claro, zumbis que aparecem do nada apenas para assustar o público. São coisas que já se tornaram clichês nos filmes de zumbis, mas em uma animação do Scooby-Doo, são pequenos toques que fiquei surpreso em ver.
É, acho que é nessa hora que eu me pergunto se esse pode ser considerado um filme infantil ou não. Claro que ele continua tendo o Scooby-Doo fazendo o que o Scooby-Doo sempre faz, mas entre zumbis, voodoo, Fred arrancando a cabeça de um zumbi com as próprias mãos e Daphne partindo outro ao meio com um galho e as pernas dele continuam a andar sozinhas (sim, essas cenas estão no filme), fica questionável se uma criança pode ou não assistir “Scooby-Doo na Ilha dos Zumbis”. Se formos pela classificação indicativa, não há dúvida que podem, o filme possui censura livre (eu sei, até eu estou surpreso! Imagino que qualquer coisa que tenha o Scooby-Doo no meio seja livre então). Mas ainda assim, com certeza algumas crianças vão se assustar com o filme. Caramba, não seria esse justamente o objetivo dele? Assustar?
            Mas pensando agora... Quantos filmes infantis não têm sua cota de cenas assustadoras? “Branca de Neve e os Sete Anões” não tem a cena da transformação da Rainha Má, que a tantas crianças deu pesadelos?

                “Fantasia”, uma das animações mais consagradas da Disney, não tem a cena da “Noite na Montanha Calva”, que fez gerações e gerações de crianças terem medo da música de Mussorgsky?

            A cena dos burros de “Pinóquio”?

            Os filmes de Don Bluth?

            Qualquer cena de “Coraline”?

            É, lembrando agora, filmes infantis não são sempre bonitinhos e inocentes. Há muita coisa bem traumatizante em vários filmes. Aliás, não só filmes: Quantos contos de fadas que nossos pais nos contavam antes de dormir têm alguns detalhes um tanto controversos? E pessoalmente... Eu acho isso saudável. Sim, nem toda criança vai aguentar (algumas dessas cenas me assustam ainda agora!), mas enquanto seu filho, irmão ou primo mais novo aguentar, eu pessoalmente acho bom expor as crianças a um pouco do que o mundo tem a oferecer de perturbador. Passar por emoções fortes faz parte do que nos torna humanos, faz parte do processo de crescimento, e o medo é uma emoção bastante forte e que, eventualmente, todos nós vamos sentir. O que esses filmes infantis fazem é ensinar as crianças não apenas a superar o medo, ou pelo menos conviver com ele, mas, através de seus personagens, a como reagir diante do medo. Personagens como Coraline ensinam as crianças a enfrentar o medo de uma forma inteligente, e mesmo cenas como a “Noite na Montanha Calva” mostram que o medo é apenas temporário, que se você souber passar por ele tudo ficará bem. A cena após a “Noite na Montanha Calva” é uma das mais bonitas de “Fantasia”! Bem que Don Bluth dizia que não importa o quão sombria a história seja, se tem um final feliz, as crianças serão capazes de aguentar (qualquer um que assistiu “A Ratinha Valente” ou “Em Busca do Vale Encantado” sabe que ele leva essa filosofia bem a sério).
            A mesma coisa acontece em “Scooby-Doo na Ilha dos Zumbis”: Ao final, tudo se resolve, e o final é bastante bonito, sendo sincero. Lógico, nem toda criança vai aguentar ver Fred decepando um zumbi, mas também nem toda criança irá borrar as calças. Isso é algo que depende de caso para caso. Já vi crianças de sete anos empolgadas com filmes e jogos que outras de doze cobriam os olhos (a de doze podendo ou não ser eu)!  É um filme assustador? Sim. É mais adequado para adultos em busca de um pouco de nostalgia do que para crianças? Possivelmente. Mas isso não faz do filme ruim. Pelo contrário, em minha opinião isso faz do filme bom! É uma experiência única, especialmente em se tratando de Scooby-Doo, que certamente deixará fãs contentes e pessoas que nunca ouviram falar da franquia (alguém aí?) curiosas para saber o que mais ela possui.


Avaliação: Vale a pena... Embora autorização dos pais talvez seja necessária

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Vale a zoeira? Especial de Natal de Guerra nas Estrelas

Feliz natal, todo mundo! Época de meias de presentes, de uvas passas, de panetones com frutas cristalizadas, de amigos secretos nos quais você se esforça pra achar um presente legal apenas para ganhar um chaveiro... Ou, no meu caso, é época de assistir alguns filmes de natal, além de inaugurar um novo “quadro” nesse meu blog que acabei de inaugurar, que orgulhosamente chamarei de “Vale a zoeira?”.
            Nesse quadro, pegarei algum filme tão reconhecidamente ruim, que me darei o trabalho apenas de analisar se vale a pena ou não assisti-lo apenas pela zoeira. Algo nas bases do “É tão ruim, que é bom”.
            E, sendo natal, resolvi inaugurar esse quadro com o que é conhecido como um dos especiais de natal mais surreais de todos os tempos: O “Especial de Natal de Guerra nas Estrelas”.

            Caso algum de vocês ainda não tenha ouvido falar desse filme... Sim, ele é real. Em 1978, a rede de televisão americana CBS conseguiu os direitos para fazer um especial de natal de “Guerra nas Estrelas”. E quando estamos falando em especial de “Guerra nas Estrelas”, não estamos falando de um filminho que se passa no mesmo universo, mas é algo completamente diferente. Não, estamos falando que eles conseguiram fazer com que todo o elenco do filme original concordasse em participar desse negócio: Harrison Ford, Mark Hamill, Carrie Fisher... Até mesmo James Earl Jones concordou em dublar algumas frases para o Darth Vader!
            Então, o quão ruim esse especial pode ser? Bom, não apenas George Lucas já admitiu se arrepender de ter permitido que esse filme fosse feito (sim, o mesmo cara que nunca se arrependeu de ter criado Jar Jar Binks se arrepende de ter dado permissão para esse especial), como também ele só passou UMA vez na televisão e nunca mais. O especial nem mesmo teve um lançamento oficial em vídeo! Ele só não foi erradicado da existência porque alguém na época achou que seria uma boa ideia grava-lo em VHS e anos depois vender cópias dele.
            Isso, senhoras e senhores, é o quão ruim esse especial pode ser.        
            Mas isso não me impediu de assisti-lo! E então, o que posso falar dele?
            Em primeiro lugar, embora seja oficialmente um especial de natal, o natal em si nunca é citado. O que faz sentido, afinal imagina-se que não aja natal em uma galáxia muito, muito distante.
            Guardem essa frase, pessoal. Não serão tantas as vezes em que direi que esse especial faz sentido.
            Ao invés disso, o enredo do filme gira em torno de uma celebração wookie chamada “Dia da Vida”. Como ele surgiu? Qual seu significado? Por que ele é tão importante para os wookies? O filme nunca responde.
            Mas enfim, o especial começa com Han Solo e Chewbacca tentando passar por um bloqueio de naves imperiais para que Chewie possa passar o Dia da Vida com a família dele. Sim, Chewbacca tem uma família. Não me pergunte porque ele nunca citou essa família, ou porque ele nunca guardou uma foto dela na Millenium Falcon ou coisa assim.
            De certa forma, isso faz ele parecer um cretino, não?

            E eu digo que o filme “começa” assim porque, bem, Chewie e Solo praticamente não aparecem mais até o final. Mesmo Luke e Leia só aparecem por uns cinco minutos (Luke, aliás, com uma cara um tanto quanto estranha que felizmente nunca se repetiu na franquia). É, pois é. Você esperava um filme de “Guerra nas Estrelas” que tivesse batalhas espaciais e emoção? Que pena!
            Ao invés disso, quase o especial inteiro se passa na casa de Chewbacca, onde a esposa, o filho e o pai dele o estão esperando.

            E, caso você esteja preocupado por isso que metade dos diálogos do especial seja um “Rar rar rar” interminável... Não precisa se preocupar: É exatamente isso que acontece. É “Rar rar rar” pra cá, “Rar rar rar” pra lá... E tudo isso sem qualquer legenda que seja. Imagino que seja porque essa família se xingue o tempo todo.
            Mas então, se não há batalhas espaciais e metade dos diálogos é em grunhidos, o que é que sobra?
            Sobra um programa de variedades! Não, sério, metade do especial consiste em um desses programas de variedades dos anos 70, só que disfarçado de um filme de “Guerra nas Estrelas”. Quando não temos wookies conversando entre si, temos, por exemplo, uma apresentação de circo na forma de um holograma miniaturizado que o filho do Chewbacca assiste com um olhar assustadoramente psicótico.

            E essa apresentação de circo se estende por três minutos! A única atração que falta nessa cena é o cara andando se equilibrando numa bicicleta. Mais precisamente ESSE cara se equilibrando numa bicicleta:

            Mas, pensando bem, ele não está faltando. Pelo contrário: Ele está em toooooodo esse especial.
            Ainda não está interessado nas variedades que esse especial apresenta? Bom, temos então um programa de culinária apresentado por Harvey Korman fazendo cosplay da madrasta de “Cinderela”!

            Não? Ainda não está interessado? Bom, que tal quando Art Carney (desculpe não chamar os personagens desses caras pelo nome, é que eu realmente não consigo me importar com eles) aparece e introduz o pai de Chewbacca ao “evaporador mental”?        
            E o que passa nesse “evaporador mental”, você talvez pergunte?
            Pornô wookie.
            ... PERAIOQUE??!!

            Ok, não é pornô PORNÔ, a mulher (Diahann Carroll, sendo mais específico) nunca tira a roupa (embora, considerando que wookies são cobertos de pelos, pode-se dizer que para os conceitos deles ela está pelada), mas acredite, se você for assistir esse filme é nessa hora que recomendo abaixar o volume. A menos que você queira que seus pais ouçam frases como:
            “Eu estou em sua mente enquanto você me cria. Ohhh sim... Eu posso sentir minha criação...”
            “Oh... Oh... Nós estamos excitados, não estamos?”
            “Eu sou sua fantasia. Eu sou sua experiência. Então me experimente. Eu sou seu prazer. Desfrute-me.”

            Feliz natal, crianças!
            Que foi? AINDA não está empolgado com as variedades desse especial? Bom, AGORA é que você vai gostar: Temos ainda um show holográfico da banda Jefferson Starship!

            Entenderam? Eles foram escolhidos para esse especial de “Guerra nas Estrelas” porque a banda tem “Starship” no nome. É uma piada. Riam! Por que não estão rindo?!

            Aliás, o microfone do vocalista parece muito com um... Deixa pra lá.
            Entendem agora por que esse especial MERECE ser visto? Entre wookies grunhindo metade do tempo, uma versão leve de um filme pornô, circos holográficos, Jefferson Starship... É uma experiência tão surreal, tão absolutamente sem pé nem cabeça... A gente só é capaz de se perguntar o que raios é que os criadores desse filme tomaram durante as gravações (minha aposta tem algo a ver com bicicletas). É como um desses quadros surrealistas onde a gente não sabe direito onde nos focar. E tudo isso acrescentado do nível de ridículo que apenas um programa de variedades dos anos 70 pode oferecer.
            Então é, o “Especial de Natal de Guerra nas Estrelas” é ridículo. É ruim. Não há “Ameça Fantasma” que seja pior do que isso. Mas ei, ao menos ninguém nunca pegou algo que aparece nesse especial e trouxe de volta nos filmes seguintes, não?

                BOBA FETT???!!! Antes de “O Império Contra-Ataca”???!!!
            Yup, acredite ou não, a primeira aparição dele não foi em “O Império Contra-Ataca”, mas sim nesse especial de natal. E não é que George Lucas apenas se inspirou no design desse personagem para criar o Boba Fett; não, na animação em que ele aparece no meio do filme (porque afinal, já jogamos tanta coisa nele, por que não uma animação?!) ele é CHAMADO de Boba Fett. Darth Vader até enfatiza o fato de ele ser um caçador de recompensas!
            O que fez George Lucas Assistir esse especial e decidir trazer ALGO que seja dele de volta nos filmes seguintes, eu não sei. Mas ei, ao menos pudemos então ter um dos personagens mais legais dos filmes... O que, pensando agora, é um tanto estranho, considerando que ele não faz quase nada, mas quem se importa? É o Boba Fett!
            E acreditem se quiser, eu falei ainda tudo o que tem nesse especial! É, achava que o festival de surrealismo tinha acabado? Oh, não, tem muito mais piração de onde esses exemplos que dei vieram. Se você quiser assistir o momento mais estranho da história de “Guerra nas Estrelas”, esse especial foi feito pra você. Especialmente se você estiver bêbado no natal, nesse caso tenho certeza que você vai se ver rindo até cair do nível de estupidez que é esse filme. E, se for possível, recomendo até achar uma versão que tenha os comerciais que passaram durante o especial, que apenas adicionam pontos ao nível de surrealismo dessa pequena preciosidade. E afinal, o que pode ser pior do que três wookies grunhindo um para o outro durante uma hora e meia?

            Wookies de roupão? No espaço? Ok, é estranho, mas não vejo o que...

            Oh-oh...


Avaliação: Definitivamente vale a zoeira!