domingo, 23 de outubro de 2016

Vale a Zoeira: A Hora do Pesadelo 6 - Pesadelo Final - A Morte de Freddy

Ok, chega! Sei que foram feitos mais filmes de “A Hora do Pesadelo” após este, e talvez eventualmente algum dia eu fale deles, mas por enquanto estou tão cansado dessa franquia quanto aparentemente a New Lines Cinema estava nos anos 90. Sendo assim, tratarei “A Hora do Pesadelo 6 – Pesadelo Final – A Morte de Freddy” exatamente como foi tratado na época de seu lançamento: Como o último filme estrelando o nosso tão querido Sr. Cara-de-Pizza, Freddy Krueger.
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            E não se deixem enganar pela propaganda de que “eles guardaram o melhor para o final”: “A Hora do Pesadelo 6” é tão ruim quanto se esperaria de uma continuação de filme slasher feita nos anos 90 (fãs de “Sexta-Feira 13” e “Halloween” sabem o quão pesado que é esse argumento).  Aliás, posso dizer com convicção que esta é a pior continuação de “A Hora do Pesadelo”. Sim, pior até mesmo que o quinto filme e o segundo (sobre o qual continuarei me recusando a falar). Então vamos ver apenas se é possível se divertir com alguma coisa que seja deste filme.
            Em primeiro lugar, lembram-se que na minha crítica de “O Maior Horror de Freddy” eu disse que estava cansado de explicações fajutas para Freddy voltar do inferno, e me perguntei por que ele não simplesmente voltava com a única explicação sendo o fato de ser uma continuação? Bem, eu realmente devia tomar cuidado com o que desejo, pois é exatamente isso que “Pesadelo Final” faz: Um simples letreiro logo no começo do filme nos explica que dez anos após os eventos de “O Maior Horror”, Freddy matou (quase) todas as crianças e adolescentes da cidade de Springwood (não me lembro se alguma vez disse isso, mas este é o nome da cidade onde os filmes da franquia se passam), levando os adultos sobreviventes a um estado de psicose em massa. Como é que ele voltou do inferno? Como é que ele conseguiu matar todas as crianças ao longo de dez anos sem que nada o impedisse? Como é que o desparecimento de milhares de crianças e o enlouquecimento dos adultos em uma mesma e única cidade não chamou a atenção dos noticiários? Por que não resolveram fazer um filme sobre isso, que apesar de macabro soa bem mais interessante? Bem, quem se importa com essas perguntas?! Dez minutos depois de dada essa informação, Freddy Krueger aparece fazendo uma referência a “O Mágico de Oz”, por que afinal, se há uma coisa que lhes vêm à mente quando digo “A Hora do Pesadelo”, é Freddy fantasiado de Bruxa do Oeste, não?!
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            Esses primeiros minutos já nos trazem tantos problemas presentes ao longo do filme que não sei nem por onde começar! Vejamos... Em primeiro lugar, ao matar todas as crianças de Springwood, “Pesadelo Final” acaba matando também qualquer conexão que o filme possa ter com a continuidade da franquia. Isso porque Alice e seu filho Jacob, os sobreviventes do filme anterior que poderiam manter essa continuidade, jamais são sequer mencionados aqui! Absolutamente nada do filme anterior faz qualquer diferença neste filme. Não ficamos nem sabendo se eles morreram ou se conseguiram fugir de Springwood e escapar de Freddy; “Pesadelo Final” apenas nos olha confuso e diz “Alice e Jacob? Quem que são esses Alice e Jacob que você está falando?”.
            Em segundo lugar, se o protagonista do filme não é nem Alice nem Jacob, quem que é? Bem, a resposta é um tal de John (interpretado por Shon Greenblatt), o último adolescente vivo de Springwood, que ao tentar sair de lá acaba perdendo a memória. E se os personagens dos filmes anteriores da franquia vinham tendo cada vez menos personalidade, você não viu nada: John, assim como quase todos os personagens do filme, é apenas mais um rosto falante sem sal, desagradável e chato. É tão difícil dar qualquer importância a ele e a 90% dos outros rostos falantes que são introduzidos em “Pesadelo Final” que mal dá para chama-los de personagens! O único pelo qual tenho alguma simpatia é um psicólogo especialista em sonhos que durante o filme inteiro é chamado apenas de Doc, e os únicos motivos para eu ter simpatia por ele são 1: Ele é interpretado por Yaphet Kotto, o mesmo ator que interpretou Parker em “Alien”; e 2: Ele é possivelmente o adulto mais inteligente a aparecer nesta franquia. Mas fora ele, “Pesadelo Final” parece não saber muito bem o que fazer com seus “personagens”, e isso se mostra bem claro em John: Inicialmente o foco parece ser tentar descobrir quem ele era antes de perder a memória, mas então na metade do filme esse enredo simplesmente é abandonado! O resultado é que nunca ficamos sabendo de onde John veio, quem são seus pais, ou por que ele estava tentando sair de Springwood. Todas essas perguntas são simplesmente jogadas no lixo, e John, que começa o filme como um zé-ninguém sem nenhum passado, termina exatamente da mesma forma, sem qualquer desenvolvimento que seja. Reeeeeealmente fica difícil me importar desse jeito!
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            E em terceiro lugar, temos o simples fato de que, como Freddy fantasiado de Bruxa do Oeste indica... “Pesadelo Final” simplesmente não é um filme assustador! E não é que se esforça para ser, mas acaba não sendo: O filme nem sequer tenta deixar o público com medo! A coisa mais assustadora de “Pesadelo Final” é uma ponta de Roseanne Barr! A única cena que eu diria que é merecedora de aparecer em um filme de “A Hora do Pesadelo” é uma na qual um personagem tem um pesadelo sobre desdobrar um mapa que não acaba nunca, e isso porque é a única cena que de fato parece saída de um pesadelo de verdade. Quanto ao Freddy Krueger em si, absolutamente nada do que ele faz ou fala soa minimamente assustador. Nem sequer as mortes são lá tão impressionantes: Enquanto nos filmes anteriores ele havia matado suas vítimas liquefazendo-as em sangue, usando seus tendões como fios e movendo-as como se fossem marionetes, ou até transformando-as em baratas, aqui ele mata suas vítimas com um quadro negro, uma cama de espetos saída direto dos Looney Tunes, e, não estou brincando, um Nintendo!
Eu adoraria dizer que isso é uma piada, mas não: Em um dos momentos mais estúpidos da franquia (e olha que isso quer dizer muito), Freddy transporta uma de suas vítimas para dentro de um jogo de videogame e assim fica movendo seu corpo adormecido para lá e para cá. Se isso lhes soa minimamente assustador, não se preocupe: A diretora do filme, Rachel Talalay, irá adicionar à cena todo tipo de efeito sonoro de desenho animado pra que essa cena não assuste absolutamente ninguém! E com todo tipo, eu quero dizer todo mesmo, assim à louca, a maioria deles nem está sincronizada com o que quer que a vítima esteja fazendo! Por acaso os responsáveis por este filme nunca ouviram falar em um profissional chamado editor de som?! Sinceramente, o que mais poderia haver nessa cena para piorá-la?
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            Ah, é... A Power Glove... Na época em que a Nintendo já havia percebido que ela não seria um sucesso, e o público já a muito percebera que ela não funcionava. Aliás, “O Pesadelo Final” foi lançado em 1991, um ano depois da Nintendo cancelar a produção de Power Gloves, então qual foi o sentido de manter essa cena?
            Mas não basta fazer esse desserviço a Freddy Krueger, é preciso que “Pesadelo Final” destrua completamente a motivação pela qual o Sr. Cara-de-Pizza faz o que faz, dando a indicar que todas as crianças e adolescentes que ele vinha matando não eram por diversão ou para consumir suas almas e ficar mais poderoso; eram na verdade um plano extremamente confuso e cheio de furos e puras coincidências para conseguir de volta sua própria criança. É, lembram-se que antes de virar um “churrasco dos sonhos” Freddy tinha uma criança cuja guarda foi tirada dele? Não? Bem, não se sintam mal, porque isso nunca foi citado em nenhum dos filmes anteriores da franquia, sendo apenas uma desculpa que “Pesadelo Final” inventou para ter um enredo. Um enredo extremamente contraditório, cheio de reviravoltas óbvias e que, o pior de tudo, tenta se legitimar ignorando completamente tudo o que havia sido até então estabelecido sobre a origem de Freddy Krueger, invertendo a ordem de fatos e criando uma linha do tempo que, mesmo considerando “Pesadelo Final” como um filme solo, não faz sentido algum.
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            Mas ei, como eu já havia dito nos filmes anteriores, mesmo que mudem Freddy completamente, ele ainda é capaz de ser intimidante, não? Bem, nem mesmo esse é o caso aqui. Aliás, “intimidante” é a última palavra que eu usaria para descrever Freddy neste filme; “fracote” soa mais apropriado. Lembram-se de quando ele podia ser queimado vivo e sair andando normalmente, ou era imune a qualquer tipo de poder de sonho, podendo levar tiro, porrada e bomba sem mostrar a mínima reação? Pois parece que, apesar de ao longo de dez anos consumir as almas de literalmente milhares de crianças (o que a franquia estabeleceu que o torna mais forte), em “Pesadelo Final” Freddy apanha como um condenado não uma, nem duas, nem três, mas quatro vezes, levando chute nas gônadas, chave de braço, sendo espancado com um taco de beisebol... Nem mesmo na luta mano-a-mano final ele aparenta ter qualquer vantagem que seja (quem diria que eu teria saudades da luta final de “Mestre dos Sonhos”...), o que além de deixar Freddy ainda mais fracote, torna o clímax ainda mais irritante e cansativo.
Por que digo “ainda mais”? Porque além de tudo, o clímax de “Pesadelo Final” é em 3-D.
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            Isso mesmo: Alguém na New Lines Cinema achou que, para vender melhor o filme, um jeito seria fazer com que os últimos 10 minutos fossem em 3-D, de forma que em alguns cinemas o público receberia óculos para ter a “experiência”... Experiência que acabou quando o filme foi lançado em vídeo, e tudo o que sobrou é um final de doer os olhos, com efeitos especiais para os quais o início dos anos 90 claramente não estava preparado, e objetos sendo jogados em direção à câmera que fazem “Pesadelo Final”, assim como os piores filmes a usarem 3-D, parecer aquele seu colega irritante que não sabe falar sem ficar te cutucando o tempo todo. Essa cena sozinha foi um dos principais motivos para que o orçamento deste filme fosse quase o dobro do de “O Maior Horror de Freddy”, e sinceramente foi dinheiro jogado fora: É difícil não assistir o clímax de “Pesadelo Final” e não pensar em todas as crianças que poderiam ter sido alimentadas com o que foi gasto para fazer esses efeitos 3-D.
            Dá pra ver que não tenho uma grande simpatia por “Pesadelo Final”, não? Não que seja a pior coisa que já vi na minha vida, tem seus momentos: Os créditos finais, com uma montagem dos melhores momentos de “A Hora do Pesadelo” ao som de Iggy Pop, é uma boa homenagem que a franquia faz a si mesma, e se você for assistir o filme pela ironia, é bem possível que você acabe rindo com a cena do Nintendo pelo quão absurdamente ridícula que ela é. Mas fora isso, “Pesadelo Final” simplesmente não é um filme interessante. Mesmo se você considera-lo como um trabalho solo e desconsiderar que ele ignora a franquia e no lugar inventa o que quer que tenha passado pela cabeça do roteirista, a maior parte do filme é simplesmente sem-graça, pouco assustadora, pouco engraçada e pouco visualmente impressionante, os três pilares que vinham mantendo a franquia (considerando que o pilar da inteligência foi destruído após o primeiro filme). Nem mesmo as mortes salvam o filme, com apenas três casualidades que ocorrem num espaço de apenas meia hora, e assim o filme...


Avaliação: Não vale a zoeira.

sábado, 8 de outubro de 2016

Faça a Coisa Certa

            (Comecei a escrever essa crítica no dia 30/09, porém os estudos apertaram e tive que passar alguns dias sem escrever, portanto só consegui termina-la agora. Talvez isso se repita nas próximas postagens, mas tentarei escrever sempre que possível)

Ok, irei direto ao ponto: Simplesmente não tem como eu fazer jus a este filme. E acho que não preciso dizer a vocês o porquê, preciso? Há poucas definições melhores de “meter-se aonde não foi chamado” do que um crítico de cinema branquelo como eu falando sobre um filme de Spike Lee. Seja falando bem, seja falando mal, não importa: Os filmes dele simplesmente não foram feitos pra nós.
            Então por que estou eu próprio me metendo aonde não fui chamado? Bem, após todas essas continuações de “A Hora do Pesadelo”, estou tão cansado delas quanto vocês devem estar (vamos lá, podem ser sinceros comigo, dói mas passa!), e realmente precisava me lembrar de que ainda existem filmes bons por aí. E considerando que eu gosto de de vez em quando me desafiar aqui neste blog; que o ator Bill Nunn morreu recentemente; e que ele teve um papel consideravelmente importante neste filme, então... Eis “Faça a Coisa Certa”!
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            A estrutura toda do filme, quando se para pra pensar, é bem simples: Afinal, ele se passa quase inteiramente em um único dia; tem como cenário uma única rua no bairro de Bedford-Stuyvesant, no Brooklyn; e contar uma sinopse que não acabe por resumir quase o filme inteiro, ou seja decepcionantemente vaga, é uma tarefa um tanto difícil. Tudo isso deveria apontar para um minimalismo, um filme “pequeno”, em todos os sentidos da palavra, e que vá direto ao ponto.
            Deveria. Mas não é o caso de “Faça a Coisa Certa”, que se revela um filme com uma direção e roteiro bastante maduros, o que é ainda mais surpreendente considerando que Spike Lee havia feito apenas dois longas-metragens antes deste.
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            A trama do filme gira em torno das tensões raciais crescentes que ocorrem em uma vizinhança onde, embora a maioria da população seja negra, os únicos comércios locais são uma loja coreana e uma pizzaria italiana. O estopim das tensões ocorre quando um dos clientes da pizzaria percebe que o “mural da fama” dela não possui nenhuma celebridade negra, apesar de os negros formarem quase a totalidade da clientela, e portanto decide armar um boicote ao local. Tudo isso no dia mais quente do verão.
E sim, o calor do dia é de fato uma metáfora para o “clima esquentado” entre os personagens. Aliás, Spike Lee constantemente utiliza-se da temperatura no filme como metáfora para as mais diversas situações: Uma personagem que está quase o tempo todo irritada e falando a palavra “f***k” pelo menos uma vez em toda frase, em uma cena é vista mergulhando o rosto, com uma expressão serena, em um balde de gelo para “esfriar a cabeça” (entendeu?); outra personagem, que não gosta que seu irmão more com ela por ele não conseguir pagar por uma casa própria, após reclamar da situação é vista através da grade do ventilador (grade, presa a uma situação...); e um vendedor de raspadinhas perde sua clientela diante da passagem de um caminhão de sorvete (se isso não for um comentário sobre gentrificação, eu não sei o que é).
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            Spike Lee, porém, não se contenta em ter os personagens constantemente falando sobre o calor e usá-lo como uma metáfora; afinal, ele é um diretor que sabe que o cinema é um meio essencialmente visual, e, portanto, vai além e resolve nos mostrar o calor. Sendo assim, não basta todos os personagens aparecerem suados e o céu estar sem uma única nuvem para tapar o sol: A paleta de cores do filme utiliza-se constantemente de tons quentes como vermelho, laranja e amarelo nos cenários e figurinos, e até mesmo, em boa parte do filme, a câmera filma as cenas com um filtro de luz que deixa tudo nessas cores, como se o sol estivesse batendo direto em tudo ao mesmo tempo. Não é apenas mais um dia quente: A impressão que se tem é que se alguém acender um cigarro, o lugar inteiro pegará fogo. Ao mesmo tempo, porém, isso dá certa beleza ao filme, fazendo o bairro de Bedford-Stuyvesant parecer especial, como que saído de um filme de Almodóvar, um lugar cheio de cores, luz e vida... Porém, infelizmente, cheio de problemas também devido à tensa convivência entre pessoas das mais diversas origens raciais.
            A própria forma como Spike Lee retrata essa tensão, aliás, é outro aspecto visual do filme que merece destaque: Note como que, em situações de tensão e confronto, a câmera nunca está em uma posição “natural”, mostrando os personagens através de ângulos holandeses (nome dado para quando a câmera está inclinada para o lado), contra-plongées (quando a câmera mostra um personagem de baixo pra cima) e closes um tanto desconfortantes. Mas a ideia não é apenas nos causar desconforto: nessas situações, os personagens quase sempre estão olhando diretamente para a câmera, ou pelo menos estão em uma posição que dá a impressão de que nós, o público, estamos participando do confronto. Estamos vendo o personagem de um forma distorcida – e é assim que, de forma visual, Spike Lee mostra a noção de estereótipo. Mas notem que algumas cenas, embora aparentemente tenham um conflito ou tensão, são filmadas em um plano natural. E o segredo é a palavra aparentemente: De forma sutil, Lee está nos dizendo que aquilo que nos parece um conflito na verdade não tem conflito algum.
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                Mas não vamos esquecer que “Faça a Coisa Certa” é um daqueles filmes que conseguem combinar uma direção boa e diferenciada com um roteiro bom e diferenciado. Isso porque, quando se para pra pensar... “Faça a Coisa Certa” praticamente não tem um protagonista. Quero dizer, até se pode dizer que o filme possui um personagem principal, aquele que possui uma maior presença ao longo do filme, que é definitivamente Mookie, o entregador da pizzaria (interpretado pelo próprio Spike Lee), cujo drama é o mais presente dentro da trama.
            Porém, não apenas Mookie pouco muda do começo ao fim do filme, como o drama pessoal dele é apenas mais um entre os diversos que são apresentados ao longo do filme, com maior ou menor presença, motivos pelos quais considero difícil chama-lo de protagonista. E o ponto que conecta todos esses dramas não é Mookie; é o local onde os personagens vivem, e as tensões resultantes de tal convivência.
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            E quem são afinal esses personagens? Eis aí a grande glória do filme: Por mais que você tente encontrar defeitos na forma como eles foram escritos, é preciso ao final se admitir que quaisquer falhas que eles possuam ora são insignificantes ou até contribuem para o filme: Eles são caricatos, mas ao mesmo tempo altamente simbólicos; possuem seus defeitos, que variam de alcoolismo, preguiça, até puro e simples racismo, mas ao mesmo tempo todos possuem pelo menos uma cena que mostra algum lado bom deles, ou pelo menos que seus defeitos não são por pura maldade; e, o mais importante, apesar de aparentemente não contribuírem em muito para a trama, o filme nos permite sentir um grande carisma por todos eles, até mesmo os piores.
            E eis que nisso entra a forma como o roteiro é estruturado: Apesar de as cenas individuais serem bastante aceleradas, energéticas e, de certa forma, “expansivas”, percebe-se que o ritmo no qual seu enredo se desenvolve é extremamente lento. Sempre que parece que o filme irá a algum lugar, qualquer que seja, corta para uma cena que a princípio parece até aleatória, como um trio que passa o dia sentado na rua sob um guarda-sol, conversando e vendo a vida passar entre uma cerveja e outra; ou então um velho vagabundo que tenta conquistar a simpatia de uma sábia, porém rabugenta senhora que há anos o olha torto. Por causa disso, passa-se mais de uma hora de filme e ainda nos perguntamos “Tá, mas quando que algo efetivamente vai acontecer?!”.
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            Mas é apenas no terceiro ato que enfim nos tocamos que, com esse ritmo “passivo-agressivo”, de cenas individualmente rápidas, porém lentas como um todo, Spike Lee não estava enchendo linguiça: Estava nos dando tempo. Tempo para conhecer esses personagens e, assim, nos conectarmos com eles, e vermos que, mais do que figuras caricatas que vemos em quase toda vizinhança de quase toda cidade do mundo, eles possuem personalidades complexas, longe dos típicos “mocinhos e bandidos”: Da Mayor (interpretado por Ossie Davis, que rouba a cena toda vez que aparece), o velho bêbado que está o tempo todo se metendo na vida dos outros, é capaz de realizar um ato nobre; Pino (interpretado por John Turturro), o personagem mais babaca e racista do filme... É, ele continua sendo um babaca racista, mas notem como ele (pelo menos a maior parte do tempo) evita a violência, especialmente por parte de seu pai (exceto quando seu irmão mais novo está envolvido, mas preciso dar um jeito de validar meu argumento). Sem falar que o filme sugere que seu racismo não passa de um gosto reprimido pela cultura negra... Mas ainda assim, aja personagem babaca! E aliás, elogio para a atuação de Turturro, que usa a linguagem corporal para torna-lo ainda mais babaca do que o roteiro exige – note como Pino está constantemente com os braços cruzados e os polegares para cima, numa atitude ao mesmo tempo defensiva e de superioridade.
E todos, todos tem suas desavenças raciais entre si, como demonstra uma das cenas mais famosas do filme, na qual vários personagens olham fixamente para a câmera e ficam se chamando pelas mais variadas injúrias raciais: Mookie xinga os italianos, Pino xinga os negros, um porto-riquenho xinga os coreanos, um policial branco xinga os porto-riquenhos, o vendedor coreano xinga os judeus...     
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E, como já citei, de tão caricatos que alguns personagens parecem ser, fica óbvio que Spike Lee pretende utiliza-los de forma simbólica. Assim, temos Smiley (interpretado por Roger Guenveur Smith), um gago que tenta vender fotos em preto-e-branco de Martin Luther King e Malcolm X coloridas à mão; Radio Raheem (Bill Nunn), um jovem quieto e com cara de bravo que passa o dia inteiro ouvindo a mesma canção hip-hop no volume máximo em sua boombox, da qual ele tem um orgulho que só se compara ao que ele tem de seu par de socos ingleses no formato das palavras “LOVE” e “HATE” (sobre os quais, em uma de suas poucas falas com mais de cinco palavras, ele faz um discurso que sugiro guardarem na cabeça ao final do filme); e não vamos esquecer da primeira e última pessoa que ouvimos no filme, Mister Señor Love Daddy (Samuel L. Jackson), o radialista que 12 horas por dia fica tocando música, dando conselhos e narrando o que vê através da parede de vidro de seu estúdio.
            Sim, isso mesmo: No universo deste filme, você tem a possibilidade de passar diariamente 12 horas ouvindo a voz de Samuel L. Jackson no rádio. Isso soa tão certo em tantos níveis!
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            Se você ainda está lendo esta crítica (pobre alma!), você deve estar se perguntando (ou não, vai saber) aonde quero chegar com tudo isso. E a resposta é: Exatamente no mesmo ponto aonde o filme quer chegar, que é o clímax, no qual todas as tensões explodem, um personagem é morto e um ato de vandalismo é feito, reunindo enfim todos os personagens até então apresentados... E é só então que você percebe que está se importando com todos eles. Isso porque todo o tempo gasto com o que parecia inicialmente enrolação estava na verdade nos dando tempo para ficarmos confortáveis com os personagens. Embora recheado de simbolismos e comentários sociais, “Faça a Coisa Certa” não se esquece de antes te dar personagens que você goste, te dar o tempo necessário para conhecê-los, saber de suas qualidades e defeitos, enfim, ter uma conexão emocional com eles. Assim, quando tudo explode em tragédia, você percebe, para sua grande surpresa, que você está investido naquilo, e se sente tocado pelo que acontece.
            E é justamente nesse ponto, quando você está envolvido com a trama e com os personagens, que o filme te traz sua grande mensagem: Fazer você pensar. Isso mesmo, após tantos simbolismos e comentários, o clímax é feito de uma forma seca, ao estilo do neo-realismo italiano, mostrando “a realidade dura como ela é”. Spike Lee não julga os atos que ocorrem, e a última cena antes dos créditos justamente consiste de duas citações (uma de Martin Luther King e outra de Malcolm X) com visões diametralmente opostas sobre a violência como forma de revolta social. A ideia é justamente fazer o público pensar sobre os atos ocorridos no clímax, sem tentar justifica-los ou condena-los. A ponto de Lee até hoje odiar que críticos e espectadores lhe perguntem se o que foi feito foi “a coisa certa”, sem jamais perguntarem porque a morte que causou isso ocorreu em primeiro lugar. E, para a surpresa de ninguém, adivinha quem que faz essas perguntas? Exatamente aqueles para os quais o filme não foi feito.


Avaliação: Vale muito a pena.